LONDRES – Quem visita a exposição “Disney100: The Exhibition”, no ExCeL de Londres, só é lembrado do que a companhia fundada pelos irmãos Walt e Roy tem para comemorar no seu centenário.
Alguns desafios que a Disney enfrentou ao longo dos seus 100 anos são resgatados, alguns deles tecnológicos, mas nenhum que possa ser comparado à crise atual da gigante do entretenimento.
É longa a lista de problemas que o CEO Bob Iger tenta contornar para recuperar a lucratividade. No momento, a Disney luta para reduzir o seu prejuízo no streaming, faz corte de gastos (o que promete levar à demissão em massa de funcionários) e ainda busca um parceiro estratégico para a ESPN.
A venda do canal de esportes (provavelmente de uma participação minoritária) pode reverter o quadro negativo, agravado com o aumento dos custos de direitos de transmissão de competições e a queda de assinantes de TV a cabo.
E as más notícias não param por aí, ainda que a exposição, a maior já realizada pela Disney, se esforce para manter o espírito de festa. São mais de 250 itens escolhidos a dedo para celebrar o legado da companhia. Entre eles, desenhos originais, páginas de roteiros, figurinos e adereços usados em filmes, maquetes de animação e obras de arte inspiradas nos personagens e títulos do estúdio.
O último golpe que a companhia recebeu foi a performance decepcionante de “As Marvels” nas bilheterias. O mais recente filme de super-herói arrecadou apenas US$ 47 milhões em sua estreia, no fim de semana passado, o que representou a pior abertura de um título da Marvel, lugar antes ocupado por “O Incrível Hulk”, responsável pela renda de US$ 55 milhões em seu lançamento, em 2008.
E o resultado insatisfatório provavelmente já sinaliza a perda de interesse pelo segmento de heróis por parte do público, o que também não é bom para Disney. O estúdio investiu pesado em filmes e séries com a marca, com vários deles ainda inéditos. Como as séries “Ironheart”, “Echo”, “Agatha: Darkhold Diaries” e “Daredevil: Born Again” e os filmes “Deadpool 3”, “Thunderbolts”, “Blade” e “Captain America: Brave New World”, entre outros.
Um dos artefatos expostos atualmente em Londres é justamente o escudo usado pelo ator Chris Evans, na pele do protagonista de “Vingadores: Ultimato” (2019). O filme é o responsável pela maior bilheteria da história da Disney, com uma arrecadação de mais de US$ 2,7 bilhões mundialmente, o que o coloca na segunda posição no ranking das maiores rendas de todos os tempos – perdendo apenas para “Avatar” (2009), que bateu os US$ 2,9 bilhões.
Formada por dez galerias, a exposição foi concebida para reviver clássicos da companhia fundada em 16 de outubro de 1923, em Burbank, na Califórnia. Dispensando a estrutura cronológica, a mostra é dividida por temas, incluindo a inspiração e a criação dos personagens e das histórias, a magia do som e da música, as inovações e o espírito de aventura. Nesta última categoria, entram os parques temáticos, que desde o ano passado dão uma preocupação a mais à Disney.
Ainda está em curso uma disputa na Justiça que ameaça os parques da empresa na Flórida. O conflito sobre a gestão partiu do governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, ao mudar a lei que permitia que a Disney administrasse com autonomia a área onde os parques foram construídos. Ele quer que o controle volte ao governo local.
No geral, a Disney tem atravessado não só dificuldades como uma grande reestruturação. Foi para colocar a casa em ordem que o CEO Bob Iger retomou o posto no fim do ano passado, após a demissão de Bob Chapek. Como Chapek aumentou drasticamente os gastos com conteúdo para atrair assinantes no streaming, almejando superar rivais como a Netflix, ele acabou comprometendo a lucratividade da empresa. No final das contas, o investimento não deu o retorno desejado.
Em termos de desafios, o que se vê na exposição, aberta até o final de janeiro em Londres, são apenas as barreiras superadas pelas inovações tecnológicas ao longo desses 100 anos. Estas foram necessárias à medida que a Disney se propôs a elevar o padrão da animação desde os primeiros trabalhos.
Isso vale tanto para a criação do storyboard (o quadro a quadro com as cenas do desenho), que surgiu nos anos 30, em reunião de Walt Disney com desenhistas, quanto para o programa de computador chamado Matterhorn. Este foi um simulador criado especialmente para “Frozen” (2013), para gerar efeitos de neve em grandes quantidades interagindo com os personagens.
De todas as invenções, a que merece mais destaque talvez seja a da câmera multiplano, construída na Disney ainda na década de 30. Graças ao aparato, feito com peças de um antigo Chevrolet, foi possível unir no mesmo quadro várias camadas de cenários e personagens, criando a ilusão de profundidade. E o recurso foi usado em “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), o primeiro longa de animação da história, envolvendo mais de mil desenhos e 750 artistas, números impressionantes para a época.