Nos campos da agricultura 4.0, não se semeia apenas alimentos. Cultiva-se também carbono. Sim, o gás, tido como vilão do aquecimento global, é essencial para a manutenção da saúde do solo e, consequentemente, das lavouras.
Desenvolver métodos capazes de capturá-lo da atmosfera e retê-lo na terra torna-se condição si ne qua non na construção de sistemas mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas – a única maneira de garantir a segurança alimentar de uma população de 10 bilhões em 2050, dentro dos limites do planeta.
Durante a fotossíntese, as plantas liberam oxigênio e absorvem CO² do ar. Microrganismos presentes no solo transformam o carbono em matéria orgânica, particularmente húmus. Quanto maior o sequestro do gás, maiores são a concentração de nutrientes e a infiltração e a retenção de água no solo. O resultado: plantações ecológicas e colheitas mais robustas e rentosas.
O.K., mas como cultivar o gás? Os conceitos da agricultura de carbono tendem a se confundir com os da agricultura regenerativa. E, são, de fato semelhantes.
Ambas buscam modelos agrícolas menos prejudiciais ao meio ambiente, mas, a primeira foca na captura e armazenamento do gás no solo. E faz isso usando as técnicas propostas pela segunda.
Os agricultores de carbono devem ter controle pleno sobre quanto de CO² captam e estocam. Nesse momento, os inovadores do ecossistema agtech e suas invenções hightech tornam-se fundamentais. Uma das empresas mais criativas (e celebradas por especialistas do mundo inteiro) é a americana Boomitra.
Fundada em setembro de 2016, em Mount View, Califórnia, pelo engenheiro indiano Aadith Moorthy, a startup desenvolveu um sistema, baseado em inteligência artificial e tecnologia de satélite, para analisar e monitorar o sequestro de carbono pelo solo. E isso sem a necessidade de amostras físicas, o que torna o processo mais rápido e barato.
Medições mais rápidas e baratas
A plataforma da Boomitra conta em sua base com cerca de um milhão de tipos de solos, coletados em todo o mundo. A combinação dessas informações com imagens de satélite permite à agtech avaliar as condições do solo a uma profundidade de até 30 centímetros. Na superfície, a precisão da ferramenta garante a análise de áreas da plantação de apenas 100 metros quadrados.
Ao emitir relatórios semanais, a startup garante aos agricultores o acompanhamento minucioso das quantidades de carbono capturadas em suas propriedades. O uso de satélites em vez de aviões, drones ou sensores em campo, sem a necessidade de enviar as amostras para laboratórios, reduz os gastos com a medição.
Pelo sistema da startup de Mount View, esse custo fica em torno de US$ 10 por tonelada de CO². Nos mercados voluntário e regulamentado, esse valor varia de US$ 20 a US$ 50, podendo chegar a US$ 100.
Com isso, o empreendedor consegue inserir os pequenos produtores, sobretudo os de países mais pobres, no mercado de créditos de carbono, avaliado hoje em cerca de US$ 850 bilhões, mas com potencial para chegar a US$ 1 trilhão, na próxima década.
No modelo de negócio proposto pela Boomitra, os agricultores conseguem uma renda extra, com a venda de CO² para empresas e governos, interessados em compensar suas emissões. O fazendeiro fica com cerca de 70% do valor final da transação.
“Integrar os agricultores a um projeto de carbono é muito mais fácil do que lhes vender um software SaaS”, defende Moorthy. “Pagar para que os produtores façam o sequestro de carbono é mais fácil do que fazê-los pagar para usar um programa de computador que os torne mais eficientes.”
Negócio de impacto social
A tecnologia da Boomitra é usada hoje por cerca de 150 mil fazendeiros no mundo todo, responsáveis pelo gerenciamento de aproximadamente 2 milhões de acres de terra. Moorthy levou também seu projeto para comunidades ruais carentes da América do Sul, África e Índia.
Desde a sua criação, a startup já levantou US$ 6,6 milhões em venture capital e foi uma das vencedoras do Earthshot Prize 2023, recém-divulgado. Lançado em 2020, pelo príncipe William, do Reino Unido, o prêmio concede anualmente 1 milhão de libras esterlinas às iniciativas ambientalistas mais relevantes.
Também no ano passado, Moorthy entrou na lista 30 Under 30, na categoria “Impacto Social”. Elaborado pela revista americana Forbes, o ranking é uma homenagem aos empresário mais inovadores do mundo, com menos de 30 anos.
Tendo sido criado em uma vila rural, no interior da Índia, o empreendedor acompanhou de perto o drama da família com a quebra frequente de colheitas. O jovem tomou para si a missão de usar a tecnologia a serviço dos agricultores mais vulneráveis.
A startup nasceu como ConserWater, plataforma de agricultura de precisão. Em pouco tempo, porém, Moorthy viu que a chave para plantações mais produtivas está na capacidade do solo em capturar e estocar carbono. Mudou, então, o foco e o nome do negócio.
A importância do solo na transição verde
Na natureza, depois dos oceanos, o solo é o grande depositário de dióxido de carbono. Há mais do composto sob nossos pés do que no ar. Um problema, no entanto: por causa do mau uso, ao longo dos últimos 12 mil anos, fez a terra adoecer e perder a capacidade de sequestrar CO².
Metade de toda a área agrícola mundial está degradada, o que leva a um perda de produtividade de US$ 400 bilhões, por ano, conforme dados do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Do modo como vem sendo praticada até hoje, a agricultura configura uma das causas mais importantes para o empobrecimento do solo.
Se conduzida, no entanto, segundo os preceitos da conservação e da restauração, é peça-chave na transição para a economia verde. A agropecuária global tem o potencial de capturar de quatro a cinco gigatoneladas anuais de carbono.
É cerca de um terço de tudo o que precisamos para, até o final do século, limitar o aumento da temperatura média global em 2 graus centígrados, em comparação aos níveis pré-industriais, lê-se em relatório da Comunidade Econômica Europeia (CEE). Atingido o objetivo, seria como suspender a circulação de todos os carros do mundo, ao longo de um ano inteiro.
A restauração e fortalecimento da biodiversidade escondida sob as plantações podem render negócios de US$ 1,4 trilhão, por ano, em 2030. Para tanto, é urgente aumentar o poder do solo em sequestrar carbono, alertam os analistas do WEF.
Em tempo, “boomitra”, em sânscrito, significa “amigo da terra”.