Criada em 1989 e pioneira do coworking, a britânica IWG viu seu reinado ameaçado com a rápida ascensão da WeWork. Incensada por aportes bilionários de fundos como o Softbank, a startup americana fundada em 2010 popularizou o termo coworking e, em 2019, chegou a valer US$ 47 bilhões.

Desde então, a WeWork mergulhou em uma crise que desembocou em um pedido de proteção contra a falência no fim de 2023 nos EUA. Mas não se tornou irrelevante nessa disputa. Um dos últimos episódios dessa “briga” não teve como front, porém, os escritórios compartilhados. Mas sim, os tribunais brasileiros.

No último dia 8 de maio, os desembargadores Cesar Ciampolini, Alexandre Lazzarini e Azuma Nishi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo negaram recurso da WeWork em ação movida pela IWG.

A empresa havia apelado contra uma decisão da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, proferida em março de 2023 e que dava ganho de causa no processo em que a IWG acusava a rival de concorrência desleal.

No caso, a IWG alegou que a WeWork investiu em links patrocinados com a palavra-chave Regus, uma das bandeiras do grupo, que eram redirecionados para o site local da companhia americana. E acusou a rival de violar direitos com “o propósito evidente de se aproveitar de forma parasitária” da marca.

“Os elementos acima, conjugados com o fato de ambas as partes atuarem no mesmo ramo de atividade, são suficientes para caracterizar o uso ilícito da marca da apelada pela apelante, configurando concorrência desleal”, escreveu o desembargador Cesar Ciampoli, em um trecho da ação.

Ele e seus colegas mantiveram a sentença anterior do juiz Guilherme de Paula Nascente Nunes, que estipulou uma multa diária de R$ 1 mil caso a WeWork seguisse com a prática, além do pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. O valor nem é tão representativo, mas o resultado tem um grande significado.

“Até pouco tempo, havia um discurso de que uma empresa, por ser uma startup, podia fazer de tudo”, diz Tiago Alves, CEO da IWG no Brasil, ao NeoFeed. “Não é porque é internet que não há lei. E não é porque estamos no Brasil que vale tudo. É o contrário. E essas decisões coroam isso.”

Procurada pelo NeoFeed, a WeWork disse por meio de sua assessoria de imprensa que não iria comentar o caso, que não comporta mais recursos. Longe da esfera legal, as duas empresas seguem, porém, na disputa por metros quadrados. E, nesse plano, a IWG conseguiu outra vitória recente.

No último dia 1º de junho, o grupo assumiu a gestão de quatro andares de escritórios compartilhados Edifício Vita Corá, no número 2175 da Rua Cerro Corá, na Vila Romana, bairro da zona oeste de São Paulo. Com um detalhe: até 24 horas antes, o espaço era administrado pela WeWork.

Com 3,2 mil metros quadrados, o local passou a abrigar uma a oitava unidade da Spaces no País – a quinta em São Paulo. A marca é a bandeira da IWG para espaços de 2,5 mil a 6 mil metros quadrados e investe em um estilo mais despojado, similar aos projetos que compõem o portfólio da rival americana.

“O proprietário do imóvel nos escolheu porque não estava feliz com a performance”, afirma Alves. “Eles chegaram à conclusão de que estavam com o operador errado, mas que queriam seguir com o modelo de coworking, tanto que assinamos um contrato de dez anos.”

A preparação da IWG para assumir a operação levou apenas 30 dias, o que envolveu, entre outros processos, o treinamento do time que assumiria a operação. O fato de a unidade estar pronta e não exigir grandes investimentos além da troca da infraestrutura de TI agilizou a troca das bandeiras.

“O capex foi baixíssimo e essa era uma região onde tínhamos um gap grande. O projeto caiu como uma luva”, afirma Alves. “Nós não tivemos acesso aos números da WeWork, mas estamos começando com a expectativa de fechar junho com 45% de ocupação na unidade.”

Tiago Alves, CEO da IWG no Brasil

Essa é a segunda vez que a IWG ocupa um espaço que era da WeWork. A empresa já havia feito o mesmo caminho no fim de 2020, quando assumiu um coworking da concorrente na avenida Visconde de Pirajá, em Ipanema, no Rio de Janeiro. O local também passou a operar como Spaces.

Agora, porém, a perspectiva é de que outras portas se abram no vácuo da situação de maior fragilidade da WeWork em função da sua recuperação judicial nos EUA. Na América Latina, as operações do WeWork incluem Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México e fazem parte de uma joint venture na qual o SoftBank Latin America Fund adquiriu a maioria das ações da empresa (e está fora da recuperação judicial).

Globalmente, entre outros passos para reequilibrar suas contas, a empresa fechou cerca de 150 unidades e renegociou contratos em outras 150. Essa crise tem origem no fim de 2019, quando a empresa cancelou seu IPO diante da revelação de diversos problemas financeiros e de governança que culminaram na saída do fundador Adam Neumann da operação.

A empresa abriu capital dois anos depois, por meio de uma Special Purpose Acqusition Company (SPAC), mas nunca conseguiu se reerguer. Do valuation de US$ 47 bilhões, em seu auge, a empresa está avaliada atualmente em US$ 28,3 milhões. No Brasil, a WeWork mantém cerca de 30 unidades.

“Muitos donos de prédios operados por eles têm nos procurados inseguros com esse momento da empresa”, diz Alves. “Nesse contexto, nossas conversas mais quentes envolvem o Centro e a Zona Sul de São Paulo.”

Barriga no balcão

Listada na Bolsa de Londres e avaliada em £ 1,8 bilhão (cerca de R$ 12,2 bilhões), a IWG atende cerca de 40 mil clientes e tem 76 coworkings no Brasil distribuídos em outras duas marcas além da Spaces: HQ, com espaços entre 400 e 800 metros quadrados, e a Regus, sua bandeira mais conhecida e de perfil mais sóbrio e corporativo.

A estratégia para expandir essa base e cumprir a meta de abrir mais de 50 unidades em 2024 não estão restritas, porém, às oportunidades em ativos da WeWork. A unidade recém-conquistada da rival ajuda, no entanto, a ilustrar outros componentes dessa tese de crescimento.

O primeiro é o modelo de contratos de gestão, em que o grupo opera as unidades para os donos dos imóveis, que, em troca, pagam uma taxa de até 16%, dependendo do nível de serviço acordado entre as duas partes.

No outro formato disponível, as franquias, a IWG cobra uma taxa de 14% dos proprietários dos ativos, que respondem pela operação do coworking. O investimento dos parceiros varia, em média, entre R$ 500 e R$ 4 mil o metro quadrado.

A empresa tem uma taxa de ocupação de mais de 85% e contratos, em média, de 11 meses. O prazo é inferior à média de 18 meses no pré-pandemia, mas o grupo já pratica preços cerca de 15% mais altos na mesma base de comparação. E os contratos de gestão são os que mais contribuem para essa conta.

“Muitos proprietários estão buscando colocar seus imóveis na nova economia”, diz Alves. “E muitos deles estão dispostos a pôr a mão no bolso, mas não na massa. Eles não querem colocar a barriga no balcão e estão buscando parceiros especializados. Nós temos mais de 100 projetos em discussão.”

Em um segundo elemento, a IWG está focando sua expansão em regiões como capitais do Norte e Nordeste, interior de São Paulo, municípios com mais de 200 mil habitantes e, em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, as zonas residenciais e bairros mais descentralizados.

“Aquela empresa que antes pedia mil metros quadrados na Faria Lima desapareceu”, diz Alves. “Hoje, esse cliente tem a mesma demanda de 40 funcionários, mas ela está distribuída na Vila Leopoldina, em Alphaville, no Centro e por aí vai.”