Quando a WeWork entrou com um pedido de proteção contra falência nos Estados Unidos, em novembro de 2023, sua operação no Brasil ressaltou que os negócios locais não seriam afetados. Não faltam exemplos, porém, para ilustrar que essa crise também trouxe reflexos no País.

O caso mais recente veio à tona em um fato relevante divulgado pela HBR Realty, braço de desenvolvimento e gestão de ativos imobiliários da incorporadora Helbor, na manhã desta terça-feira, 3 de setembro.

No documento, a companhia informou que, por meio da Sociedade de Propósito Específico HBR1, da qual é controladora, protocolou uma ação de despejo contra a WeWork pela falta de pagamento no contrato de locação referente ao HBR Corporate Faria Lima, na zona oeste de São Paulo.

A HBR ressaltou que decidiu seguir esse caminho após cumprir integralmente todos os termos e procedimentos previstos no contrato em questão, enviando as respectivas notificações à WeWork solicitando a imediata adimplência dos aluguéis em atraso.

Procurada pelo NeoFeed, a WeWork informou, em nota enviada, que desconhece qualquer notificação de despejo e que segue operando em sua totalidade em todos os prédios no Brasil.

“Nossas ações temporárias têm o objetivo de acelerar as conversas para chegar a resoluções que sejam do melhor interesse de todo o nosso ecossistema, mutuamente benéficas e que estejam mais bem alinhadas com as condições atuais do mercado”, informou a empresa no comunicado.

A empresa de coworking acrescentou ainda que seus membros continuam sendo sua “principal prioridade” e que as negociações já estão resultando em acordos com locadores.

Nesse contexto, a unidade da Faria Lima foi um dos primeiros cartões de visita da startup quando desembarcou no Brasil, em 2017. Mas não é a única na qual a companhia vem enfrentando problemas dessa natureza.

Há pouco mais de uma semana, por exemplo, a gestora Rio Bravo, por meio do fundo imobiliário Rio Bravo Renda Corporativa, entrou com uma ação de despejo contra a empresa em um imóvel na Vila Madalena, também na zona oeste da capital paulista, após três meses de inadimplência.

Em fato relevante, a Rio Bravo informou que a gestão do fundo realizou uma reunião com a Alvarez & Marsal, representante da WeWork, no início de agosto. Com pontos como a redução do aluguel, a proposta apresentada pela empresa foi rejeitada, porém, por estar muito aquém da qualidade do ativo.

As pendências do WeWork na esfera dos fundos imobiliários (FIIs) também não estão restritas ao caso da Rio Bravo. Segundo uma matéria recente do jornal O Estado de S. Paulo, há mais problemas de inadimplência em imóveis em São Paulo ligados a pelo menos outros cinco FIIs listados na B3.

Essa lista inclui os fundos Vinci Offices, que também protocolou uma ação de despejo no fim de agosto; Santander Renda de Aluguéis; Torre Norte; Valora Renda Imobiliária; e Fundo de Investimento Imobiliário de Multi Renda Urbana. Somados, esses veículos têm mais de 231 mil cotistas.

Conforme apurou o NeoFeed, em um panorama do quão crítica é a situação da WeWork, os fundos por trás desses imóveis têm sido procurados por outras empresas de coworking interessadas em assumir essas unidades.

Os fundos também têm sido abordados por algumas das companhias instaladas nessas unidades. Nessa frente, o diálogo tem sido motivado pelo receio, especialmente de grandes empresas que utilizam o serviço, de verem suas operações fechadas de um dia para o outro por conta dessas ações de despejo.

No total, levando-se em conta apenas o mercado de São Paulo, onde o WeWork mantém boa parte de suas unidades no País, a companhia enfrenta ao menos dez ações de despejo, conforme apurou o NeoFeed.

Esses processos não são, porém, a única via pela qual a companhia vem perdendo tração no País, onde mantém cerca de 30 unidades. Em alguns casos, os donos dos imóveis têm optado por não renovar os contratos de locação mantidos com a empresa.

Um dos nomes que estão ocupando esses espaços é a britânica IWG, que, no Brasil, opera com marcas como Regus e Spaces. Em junho deste ano, o grupo assumiu uma unidade da WeWork na Vila Romana, na zona oeste de São Paulo.

Em paralelo, essa disputa também envolveu capítulos na Justiça. Em maio, os desembargadores Cesar Ciampolini, Alexandre Lazzarini e Azuma Nishi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo negaram recurso da WeWork em ação movida pela IWG.

A empresa americana havia apelado contra uma decisão da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, proferida em março de 2023 e que dava ganho de causa no processo em que a IWG acusava a rival de concorrência desleal.

No processo, a IWG alegou que a WeWork investiu em links patrocinados com a palavra-chave Regus, uma de suas bandeiras, que eram redirecionados para o site local da companhia americana. E acusou a rival de violar direitos com “o propósito evidente de se aproveitar de forma parasitária” da marca.

Da startup mais valiosa do mundo à recuperação judicial

Criada em 1989, a IWG foi uma das pioneiras no conceito de escritórios compartilhados. Quem popularizou esse modelo e ganhou fama, porém, foi a WeWork. Fundada em 2010, a empresa atraiu investidores do calibre do Softbank e alcançou o status de startup mais valiosa do mundo.

Na trilha desse sucesso e da sua pegada mais “cool”, na contramão da abordagem mais sóbria da IWG, a companhia americana chegou a ter uma base de 777 unidades distribuídas em 39 países, além de se consolidar como a maior locatária de Manhattan, nos Estados Unidos.

A situação começou a virar, porém, para a WeWork em 2019, quando, a partir desse hype, a empresa engatou um caminho para abrir capital nos Estados Unidos, buscando um valor de mercado de US$ 47 bilhões.

Entretanto, o IPO foi cancelado na sequência diante da revelação de uma série de problemas financeiros e de governança que resultaram na saída de Adam Neumann, fundador da empresa, da operação. Na época, o Softbank assumiu o controle do negócio.

Na América Latina, onde o mapa da empresa inclui Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México, o Softbank, por meio do Softbank Latin America Fund, também adquiriu a maioria das ações e constituiu uma joint venture para tocar a operação.

A empresa chegou a abrir capital dois anos depois, por meio de uma Special Purpose Acqusition Company (SPAC), nos Estados Unidos, mas nunca conseguiu se reerguer. E o resgate do banco japonês não foi suficiente para evitar o pedido de recuperação judicial no fim do ano passado, com uma dívida de US$ 18,6 bilhões.

O plano de recuperação judicial foi aprovado no fim de maio desse ano pela justiça dos Estados Unidos, em um processo que incluiu ainda uma oferta de última hora de Adam Neumann para reassumir a companhia e reestruturar a operação. E que foi rejeitada pela gestão atual.

Já em junho, quando saiu do processo de falência, a WeWork anunciou a reformulação do seu conselho de administração e nomeou John Santora como novo CEO, no lugar de David Tolley, que havia substituído interinamente Sandeep Mathrani, um mês antes.

Nos números públicos mais recentes da operação, relativos ao segundo trimestre de 2023, a WeWork reportou um prejuízo de US$ 397 milhões, contra uma perda de US$ 635 milhões em igual período, um ano antes. A receita, por sua vez, cresceu 4%, para US$ 844 milhões.