Em julho de 2020, no auge da pandemia, o americano Dan Ariely, cientista social, professor de Economia Comportamental da Universidade Duke, recebeu uma mensagem de uma ex-aluna. Junto com uma série de links, a moça lhe mandou o recado: estava muito decepcionada com ele. Ariely entrou em todos os links e eles o retratavam como o “grande articulador” da “fraude da covid-19” e um dos líderes da “trama da Agenda 21”. Agenda 21? Ele não fazia ideia do que se tratava.
Nesse universo paralelo, um site dizia que Ariely e seus amigos Illuminati estavam conspirando com Bill Gates, para, por meio de uma vacina, tornar as mulheres inférteis e, assim, reduzir a população global. O grupo estaria criando ainda um sistema internacional de passaporte de vacinas que permitiria a seus líderes rastrear o movimento de todas as pessoas pelo planeta.
“Eu definitivamente nunca tinha feito parte dos Illuminati (e não saberia me juntar ao grupo nem se eu quisesse). Nenhuma vacina para a covid-19 tinha sido aprovada até então e eu não tive qualquer participação no desenvolvimento de nenhuma delas”, conta ele. “Fiquei sem saber o que pensar, mas li aquilo com um sorriso no rosto. Afinal, era absurdo – e, só para deixar claro, uma mentira completa.”
Sua principal conexão com o cofundador da Microsoft acontecera alguns anos antes, quando o professor realizou um rápido trabalho para a Fundação Bill & Melinda Gates sobre nutrição na primeira infância na África.
Ariely havia trabalhado com alguns governos, mas em pequena escala. Sua função se limitara a questões sobre o distanciamento social, o uso de máscaras, a distribuição mais eficiente de auxílios financeiros e o combate à violência doméstica, entre outras.
“Pensava em mim mesmo como alguém que trabalha incansavelmente para melhorar as coisas, e havia gente me comparando a Joseph Goebbels, o lacaio de Adolf Hitler e maior divulgador do nazismo”, diz. Um júri virtual debatia seus desvios de caráter e motivações nefastas. Havia pedidos para um “julgamento de Nuremberg 2.0”.
“Após várias horas lendo aqueles textos e assistindo àqueles vídeos, parei de achar graça. Na verdade, aquilo tudo era doloroso e confuso, especialmente quando descobri que as pessoas que acreditavam nas mentiras sobre mim não eram apenas desconhecidas; eram também pessoas que antes estudavam e respeitavam meu trabalho, e até algumas que me conheciam havia anos”, lembra.
Como tanta gente podia estar tão enganada a seu respeito? Ariely imaginou que, se abrisse o diálogo, elas certamente cairiam em si. Talvez até pedissem desculpas. Mas, ele estava enganado. Sua vida profissional e pessoal mergulhou em um pesadelo.
O cientista percebeu que para compreender o porquê daquela crença era preciso entender primeiro o comportamento da “descrença” — ou seja, a jornada psicológica e social que as levava a desconfiar da verdade.
Assim nasceu Desinformação — O que faz pessoas racionais acreditarem em fake news, teorias da conspiração e outras coisas irracionais, lançado no Brasil, pela editora Sextante.
“Este livro é dedicado aos negacionistas que me ajudaram a compreender sua visão de mundo e, no processo, a entender melhor a sociedade em que vivemos. Muitos começaram como antagonistas, mas acabaram se tornando meus guias antropológicos. Alguns, de um jeito estranho, meio que se tornaram meus amigos, ou quase isso”.
Autor de Previsivelmente Irracional (2008) e A mais pura verdade sobre a desonestidade (2012), na nova obra, Ariely procura responder por que acreditamos em informações erradas e, mais do que isso, as disseminamos.
Nós tendemos a acreditar que fake news quem espalha são sempre os outros. Mas Desinformação fala a cada um de nós: sobre como formamos nossas certezas e as consolidamos, defendemos e difundimos.
Ariely tem a esperança de que, em vez de apenas nos espantarmos com a pessoas que enxergam o mundo de um jeito incompreensível para nós, “passemos a questionar algumas das nossas crenças e as razões pelas quais as adotamos.”
Com base em estudos e pesquisas recentes, o escritor faz uma análise reveladora sobre como a desinformação apela para algo inato em todos nós.
Ao tratar dos fatores emocionais, cognitivos, sociais e comportamentais que levam as pessoas a acreditarem em falsas narrativas, seu objetivo é mostrar como qualquer um, sob determinadas circunstâncias, pode acabar caindo na armadilha das crenças fantasiosas.
Segundo Ariely, apesar de parecer algo “repentino”, ninguém se torna um negacionista do nada. Somos impulsionados por uma série de influências que fazem parte do que ele chama de “funil da falácia”.
A primeiro delas é a emocional. Para o autor, as emoções costumam ser as principais impulsionadoras de nossas ações. “Nós começamos com uma reação emocional intensa e só depois encontramos uma explicação cognitiva para ela”, defende. Tudo gira em torno do estresse e da necessidade de mantê-lo sob controle.
Em seguida, vem o fator cognitivo. Embora a mente humana tenha uma capacidade imensa de raciocínio, isso não significa que sejamos sempre racionais.
“Quando somos motivados em uma ou outra direção, o viés de confirmação surge com tudo e nos leva a buscar informações que supram essa necessidade, independentemente da sua exatidão. Então, a história fica mais complexa: construímos narrativas para chegar às conclusões que queremos”, explica.
E não é apenas a forma como pensamos que nos ajuda a deslizar pelo funil da falácia, escreve Ariely: “Na verdade, é a forma como pensamos sobre nossos próprios pensamentos que nos causa problemas à medida que nos distanciamos da realidade”.
Há ainda os fatores de personalidade e os sociais. Nem todos são igualmente predispostos ao negacionismo. Diferenças individuais têm um papel fundamental nesse processo. Certas personalidades são mais propensas do que outras a adotar falsas narrativas sobre o mundo e a realidade.
Há de se considerar ainda que o negacionismo não se desenvolve nem prospera em um ambiente isolado. Forças sociais poderosas incentivam as pessoas a mudarem de opinião e até aceleram o apego a uma determinada crença.
E as redes sociais, escreve Ariely, alimentam a bolha da (des) informação. Um universo onde a moeda social de curtidas e reações aumenta a certeza de que somos peças essenciais nas comunidades onde estamos inseridos.
“A sensação de pertencer a um grupo é muito atraente e especialmente importante nos casos em que as pessoas se sentem desconectadas ou excluídas da sociedade em geral”, explica.
E, assim, ao explicar como nascem e proliferam as fake news, Ariely, como define define Yuval Harari, autor de Sapiens, “oferece insights que podem evitar que a nossa sociedade seja destruída pela desinformação”.