A transição energética passa necessariamente pelo armazenamento adequado de energia — seja em pequena escala, nos veículos elétricos, por exemplo; seja em larga escala, como nas redes de distribuição de eletricidade. As baterias são, portanto, peças-chave na descarbonização da economia.
Para que cumpram seu papel a contento, porém, elas precisam ser duráveis e seguras, ter boa autonomia e seu carregamento deve ser rápido e fácil. E, claro, sua produção dispensar o uso de recursos não renováveis.
Os investimentos em baterias avançam em ritmo acelerado. De 2018 para cá, os aportes somam US$ 150 bilhões. O que representa um aumento de oito vezes para veículos elétricos (EV) e cinco vezes para os outros sistemas de estoque de energia. Do total, US$ 115 bilhões foram para os VE, informa o relatório Batteries and Secure Energy Transitions, divulgado recentemente pela Agência Internacional de Energia (IAE, em inglês).
Em tese, as perspectivas para o Brasil são as melhores. “Em breve, seremos os produtores das baterias mais sustentáveis do mundo”, afirma Marcos Berton, chefe do Instituto Senai de Inovação e Eletroquímica, em conversa com o NeoFeed.
À primeira vista, a certeza de Berton pode parecer exagero de um otimista. Sobretudo hoje, quando ainda dependemos das importações para armazenar energia. Mas a positividade do especialista não é a esmo.
O Brasil é rico tanto nas matérias-primas quanto nas fontes de energia renovável usadas na fabricação das baterias. De um lado, as jazidas de lítio, cobalto, manganês e níquel, entre outros minerais. E do outro, a abundância de sol e vento imprescindível para o funcionamento dos painéis fotovoltaicos e das turbinas eólicas.
O entrave está no meio da cadeia. Atualmente, os minerais extraídos aqui são exportados e refinados lá fora. Voltam importados, principalmente da China, já como baterias. “Precisamos aprender a produzi-las ", diz Berton.
Os desafios são enormes, mas não grandes o suficiente para o chefe de inovação perder o entusiasmo em relação ao futuro do Brasil nos sistemas globais de armazenamento de energia. Espalhados pelo país, vários centros de pesquisa vêm se dedicando a desenvolver um ecossistema nacional de produção de baterias.
Muitos deles estão focados nas baterias à base de íon-lítio, por enquanto, as mais competitivas do mercado. Recarregáveis, são capazes guardar até o triplo de energia, em espaços compactos, se comparado às outras formas de estocagem.
Graças aos avanços nos conhecimentos da eletroquímica e das tecnologias de fabricação, desde 2010, os custos médios de produção de baterias de íon-lítio caíram cerca de 90%.
“Hoje, as baterias de íons de lítio são uma pedra angular das economias modernas, tendo revolucionado os dispositivos eletrônicos e a mobilidade elétrica, estão ganhando força nos sistemas de energia”, lê-se no documento da IEA.
Uma "gigafactory" brasileira
A iniciativa brasileira mais recente é também uma das mais robustas. Liderada por Berton, resulta da parceria entre o Senai, um pool de 28 companhias (27 delas, privadas) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Ao custo de R$ 68,5 milhões, uma fábrica-piloto está em construção em Curitiba para testes e desenvolvimento das chamadas células cilíndricas e prismáticas de íon-lítio. Consideradas o coração da bateria, essas estruturas são formadas pelos componentes responsáveis pelo armazenamento de energia: cátodo, ânodo, separador e eletrólito.
Instalada em uma área de 800 metros quadrados, a planta pretende criar as bases de uma fabricação nacional, em escala industrial. E funcionará em paralelo com outro braço do projeto, localizado em Pernambuco, inaugurado também em agosto.
Ali a meta é montar uma linha de produção automatizada, capaz de realizar todas as etapas do processo até o produto final. Isso inclui uma plataforma, à base de inteligência artificial, para monitorar e gerenciar o desempenho das baterias, como a eficiência do carregamento e o risco de pegar fogo, entre outros funcionamentos.
O custo do projeto pernambucano é de R$ 40 milhões. “Por enquanto, a fábrica está recebendo os ajustes finais e deve começar a operar no início de 2025", afirma Oziel Alves, diretor de Inovação e Tecnologia Industrial do Senai-PE, em entrevista ao NeoFeed.
As fábricas de baterias do Senai estão no âmbito do Programa Nacional de Mobilidade Verde, o Mover. Lançada no final de 2023, o projeto do governo federal prevê incentivo fiscal para as empresas que invistam em descarbonização — para cumprir a meta de reduzir em 50% das emissões do país até 2030
No segundo semestre de 2027, quando o projeto terminar, juntas, as duas plantas devem ser capazes de realizar todas as etapas do processo de produção em escala industrial. A partir de então, a expertise desenvolvida deve ser assimilada por empresas capazes de montar no Brasil uma "gigafactory", como são chamadas as gigantescas fábricas de baterias.
Sem risco de incêndio
No interior de São Paulo, há o Programa de Armazenamento Avançado de Energia, do Centro para Inovação em Novas Energias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Não somos uma fábrica de baterias, mas estamos interessados em entender e dominar os processos envolvidos na produção nacional da peça", diz o pesquisador Hudson Zanin, líder do grupo, ao NeoFeed.
Ou seja, mesmo que nenhuma empresa no Brasil assuma a fabricação, o país terá expertise suficiente para montar baterias aqui, usando componentes importados, por exemplo.
A equipe se dedica ainda a criar versões de melhor qualidade e mais modernas, com materiais mais baratos, sustentáveis e seguros. Um exemplo é a confecção de uma bateria com menor risco incêndio. Embora essa probabilidade seja pequena, os riscos existem. Danos físicos, carregadores inadequados ou defeituosos e condições ambientais extremas podem levar o dispositivo ao superaquecimento.
Um outro desafio importante parece estar sendo vencido em Resende, no Rio de Janeiro. Ali, em uma fábrica da Volkswagen, está em teste um ônibus elétrico que pode ser recarregado em apenas 10 minutos. Confirmado o sucesso da tecnologia, a bateria deve chegar ao mercado em 2025 e será uma conquista e tanto. Já que um veículo destinado ao transporte público não pode gastar muito tempo parado em uma estação de abastecimento.
Redução do domínio chinês
Atualmente, a China é líder absoluta no mercado global de baterias. O país responde pela produção de 75% de todas as baterias de íon-lítio, fabricadas no mundo.
O cenário, no entanto, começa a mudar. Com a urgência pela descarbonização, cada vez mais nações têm se estruturado para produzir suas próprias baterias.
Nos próximos anos, a tendência é de que os chineses permaneçam na dianteira, mas percam parte do mercado, chegando a 69% em 2030. Enquanto a Alemanha está entre os países que ganharão relevância.
Avaliadas em US$ 56,8 bilhões, em 2023, as baterias de íon-lítio devem movimentar, globalmente, US$ 187,1 bilhões, em 2032. Até lá avançará, a uma taxa de crescimento anual composta de 14,2%, informam os analistas da Markets and Markets.
O Brasil tem de correr. "Se não começarmos a produzir já, perderemos o timing e não teremos viabilidade econômica", avalia Zanin, da Unicamp. Se depender do entusiasmo dos pesquisadores brasileiros e dos investimentos na área, nós temos tudo para nos tornarmos autossuficientes em baterias.