O setor de tecnologia gosta de uma briga. Na década de 1980, era Apple versus Microsoft. Nos anos 1990, a empresa de Bill Gates enfrentava a pequena Netscape pelo domínio da internet. Na sequência, Google e Facebook dominaram a web com seus serviços de busca e de rede social, respectivamente.
Agora, há uma nova batalha nem tão glamourosa por um mercado que vai movimentar US$ 266,4 bilhões em 2020, segundo a consultoria americana Gartner. É a disputa entre AWS, braço de tecnologia da Amazon, e Microsoft pela domínio da área de computação em nuvem.
Pioneira nesse segmento, a Amazon Web Services (AWS) ganhou escala ao oferecer a terceiros parte da gigantesca infraestrutura construída pela varejista para apoiar suas operações. E liderou com folgas esse mercado ao longo de toda essa década.
Nos próximos anos, no entanto, tudo indica que a AWS não terá vida fácil. E a maior ameaça nesse novo cenário é a Microsoft. Liderada pelo CEO Satya Nadella, que elegeu a nuvem como a via para reduzir a antiga dependência da empresa em relação ao sistema operacional Windows, a companhia saiu de uma participação em infraestrutura de cloud computing de 8,7%, em 2016, para 15,5%, em 2018, segundo o Gartner.
A receita da Microsoft no segmento cresceu de US$ 3,13 bilhões para US$ 5,03 bilhões no período, de acordo com a consultoria, que ainda não divulgou os dados referentes a 2019.
Outro número, porém, é mais representativo nessa escalada conduzida por Nadella, a partir de 2014. Da empresa até então sem perspectivas, a Microsoft hoje está avaliada em US$ 1,21 trilhão, contra US$ 943 bilhões da Amazon.
Entre 2016 e 2018, o faturamento da AWS com infraestrutura de nuvem, por sua vez, avançou de US$ 12,22 bilhões para US$ 15,49 bilhões. A fatia da empresa nessa vertente recuou, no entanto, de 53,7% para 47,8%. Já as vendas da companhia na área somaram US$ 25 bilhões no acumulado de janeiro a setembro de 2019.
Embora não divulgue separadamente os resultados consolidados desse segmento, a Microsoft anunciou um salto de 64% nas ofertas da Azure, plataforma responsável pelo portfólio de infraestrutura de nuvem da companhia, durante seu último ano fiscal, encerrado em 30 de junho.
Os índices ainda traduzem uma posição confortável da AWS no topo. Mas algumas movimentações recentes da companhia mostram que o avanço da rival já incomoda. E não pode ser ignorado.
“Eles não estão priorizando o que importa para vocês como clientes”, afirmou Andy Jessy, CEO da AWS, durante o evento anual da empresa realizado no início de dezembro, em uma referência direta à Microsoft. A concorrente foi classificada ainda como “mera imitadora” pelo executivo.
Contrato bilionário
Uma disputa recente contribuiu para acirrar os ânimos entre as duas companhias. E pode mudar consideravelmente o cenário competitivo do setor. Em outubro, a Microsoft foi escolhida pelo governo americano para ser a responsável pelos serviços de computação em nuvem do Pentágono. Com validade de dez anos, o contrato envolve uma quantia de mais de US$ 10 bilhões.
Em outubro, a Microsoft foi escolhida para ser a responsável pelos serviços de computação em nuvem do Pentágono, em um contrato de mais de US$ 10 bilhões
O resultado motivou uma contestação da AWS na Corte Federal dos Estados Unidos. No recurso, em tramitação, a empresa alega que a Microsoft teria sido favorecida por uma interferência de Donald Trump no processo.
Segundo a empresa, a participação do presidente americano teria sido motivada, entre outras questões, pelo fato de Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, ser um de seus principais críticos. Essa oposição seria praticada, especialmente, por meio do Washington Post, jornal também pertencente a Bezos.
A Microsoft rebateu as acusações e ressaltou sua confiança na equipe de Departamento de Defesa, responsável pela licitação. “Acreditamos que os fatos mostrarão que eles executaram um processo detalhado, completo e justo”, afirmou um porta-voz da empresa.
Além dos tribunais, a AWS e a Microsoft têm travado boas batalhas em um outro campo para ganhar, literalmente, terreno na nuvem: o investimento na ampliação do número de data centers globais. Essa frente é essencial em um mercado no qual a escala e as ofertas locais são essenciais para atrair clientes.
No fim de julho, a AWS anunciou a expansão de seu mapa global de data centers com a chegada ao Oriente Médio, mais especificamente, com a abertura de estruturas no Bahrein. Ainda em 2019, a empresa divulgou planos de ampliar essa oferta em países como Espanha, Indonésia, Itália e África do Sul.
Um mês antes, a Microsoft inaugurou data centers também no Oriente Médio, nas cidades de Abu Dhabi e Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. No início do ano, a empresa já havia investido em centros em Joanesburgo e em Cape Town, na África do Sul.
Nesse embate, a AWS, apesar de dominante, começa a enfrentar outra barreira. Para analistas, a associação natural com a Amazon tem o potencial de atrair a desconfiança de clientes de alguns setores relacionados aos negócios do grupo, como varejo e logística.
“A marca começa a trabalhar contra eles, pois suas raízes no varejo levam alguns compradores a concluir que a AWS seria boa em fornecer serviços a mais ninguém além da própria Amazon”, diz Rob Enderle, analista-chefe da consultoria americana Enderle Group. “Já a Microsoft está em uma posição muito mais forte, por causa de suas décadas de trabalho com tecnologia da informação em projetos de software e hardware.”
Outros concorrentes
A Microsoft não é, no entanto, o único ponto de atenção no radar da AWS. Apesar de mais distantes, é impossível desprezar a atuação e o potencial de outros gigantes de tecnologia nesse segmento. É o caso da chinesa Alibaba, cujo apetite e poder de fogo são bem conhecidos.
Segundo os últimos dados divulgados pela consultoria Gartner, o Alibaba ocupa a terceira posição no setor, com uma participação de 7,7% e uma receita de US$ 5,03 bilhões. Em 2016, a empresa tinha uma fatia de 5,3% e um faturamento de US$ 3,13 bilhões.
O chinês Alibaba ocupa a terceira posição no setor, com uma participação de 7,7% e uma receita de US$ 5,03 bilhões
Com apenas 4% de participação e a quarta colocação nesse ranking, o Google também tem fôlego e interesse para ganhar mais espaço. Prova disso são os US$ 2,6 bilhões investidos na compra da Looker, de análise de dados, em junho passado.
Em termos de aquisições para impulsionar as ofertas de nuvem, a IBM foi, no entanto, quem desembolsou o maior cheque. No fim de 2018, a “Big Blue” investiu US$ 34 bilhões na compra da Red Hat, maior nome da indústria de software livre. Esse foi, de longe, o maior acordo fechado na história da “Big Blue”, que completa a lista das cinco principais empresas do segmento, com uma fatia de 1,8%.
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