O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, teve de escrever e justificar os motivos pelo não atingimento da meta de inflação em 2024, de até 4,5%. Divulgada na tarde de sexta-feira, 10 de janeiro, a carta atribui a falha ao forte crescimento econômico, fatores climáticos, depreciação do câmbio e desancoragem das expectativas de inflação.
Esses dois últimos fatores, reconheceu o presidente do BC, afetados pela piora da percepção fiscal, uma sinalização bastante esperada pelo mercado. O IPCA de 2024, apresentado ainda de manhã pelo IBGE, fechou em 4,83%. Desde a introdução da meta de inflação em 1999, esta foi a oitava vez que o BC deixou de cumpri-la — a última havia sido em 2022.
"A significativa depreciação cambial decorreu principalmente de fatores domésticos, complementada pela apreciação global do dólar norte-americano", afirmou Galípolo em carta aberta para o presidente do Conselho Monetário Nacional, o ministro da Fazenda Fernando Haddad.
"As expectativas de inflação se deterioram ao longo de 2024, tanto para prazos mais curtos como para prazos mais longos, ampliando assim a sua desancoragem. O aumento das expectativas refletiu as pressões inflacionárias correntes e prospectivas", traz outro trecho do documento.
O reconhecimento dos problemas fiscais, segundo investidores, tende a ser vista como uma sinalização positiva pelo mercado. Mas não tira o peso das preocupações quanto à trajetória da inflação.
A carta ressalta o cenário previsto no Relatório de Inflação de dezembro, que prevê o IPCA rodando acima do teto da meta até o terceiro trimestre, chegando ao limite superior do teto no fim do quarto trimestre. Porém, as projeções do mercado são menos otimistas.
Antecipando uma inflação mais robusta neste ano, o Banco Central deu início, em setembro, a um novo ciclo de alta da Selic, elevando a taxa de 10,50% para 12,25%. Para as próximas reuniões, a sinalização é de mais dois aumentos de 1 ponto percentual cada, mas o consenso do mercado já projeta a taxa em 15%.
Mesmo assim, o aperto monetário adicional tem sido insuficiente para conter o pessimismo quanto ao rumo da inflação em 2025. Segundo o boletim Focus, a mediana das projeções de mercado está em 4,99%, superior ao índice registrado no ano passado.
“O resumo de 2025 deve ser inflação mais alta e atividade mais fraca”, afirma Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. O economista estima que a maior parte da inflação deste ano se concentrará nos primeiros meses, enquanto a economia permanece aquecida e as empresas aproveitam a virada do ano para ajustar preços. A valorização do dólar, que subiu 27% frente ao real em 2024, também deve ter impacto mais significativo no primeiro trimestre.
Na carta, Galípolo escreve que de acordo com as "projeções do cenário de referência do Relatório de Inflação de dezembro, a inflação ficará acima do limite do intervalo de tolerância até o terceiro trimestre de 2025, entrando depois em trajetória de declínio, mas ainda permanecendo acima da meta".
“Será quase impossível o IPCA de 2025 fechar abaixo de 4% este ano, a menos que a inflação seja zerada no segundo semestre. Nos meses de janeiro, fevereiro e março, o acumulado do IPCA deve se aproximar de 3%. São períodos sazonalmente desfavoráveis, com chuvas pressionando os preços de alimentos e a desvalorização cambial contribuindo para o aumento”, analisa Gala.
Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura, prevê um IPCA de 5,5% em 2025, acima da projeção do Focus. Parte do pessimismo deriva do núcleo da inflação e dos serviços subjacentes, que aceleraram em dezembro de 2024. Com o desemprego na mínima de 6,1% e incentivos fiscais sustentando o consumo das famílias, Borsoi vê o aquecimento da atividade econômica como um fator de pressão inflacionária no início do ano.
“É um cenário desafiador, ainda influenciado pela desvalorização cambial nesses primeiros meses. O IPCA está elevado e com uma qualidade muito ruim”, afirma Borsoi.
Até o momento, o IGP-M tem capturado mais intensamente os efeitos da valorização do dólar na economia brasileira, devido à sua maior exposição a preços do atacado. Após começar 2024 com uma variação negativa de 3,14% em 12 meses, o índice fechou o ano com alta de 6,54%.
“O IGP-M aponta o caminho para o IPCA, com um delay de dois a três meses. Enquanto a economia segue aquecida, há espaço para reajustes de preços na percepção dos empresários”, comenta André Leite, CIO da TAG Investimentos.
Apesar de perspectivas positivas para o agronegócio no primeiro trimestre, economistas projetam uma forte desaceleração econômica ao longo de 2025, especialmente na indústria e no consumo, em grande parte devido à política monetária.
“A economia ainda está aquecida, mas deve levar entre 3 e 6 meses para que o impacto da alta dos juros comece a aparecer. O segundo semestre será mais difícil para a população”, prevê Leite.
Para Borsoi, identificar o nível ideal de juros para conter a inflação é complicado, sobretudo devido à atuação desalinhada das políticas monetária e fiscal. “A política contracionista pode ter sido contrabalançada pelo estímulo fiscal. Outra hipótese é que o juro neutro estrutural seja mais alto, uma tese pessimista, mas plausível, dada a deterioração do endividamento público.”
Leite vai além, sugerindo que o Brasil pode estar entrando em um cenário de dominância fiscal, com sinais já perceptíveis. “Não há uma placa dizendo que o Brasil chegou à dominância fiscal, mas os sintomas começam a surgir”, aponta.
Entre eles estão a desvalorização do câmbio e a deterioração das expectativas de inflação, mesmo com o BC subindo juros e projetando novas altas de 1 ponto percentual nas próximas reuniões.
“Outro fator é que metade da dívida pública está pós-fixada, o que gera um efeito riqueza para os detentores, oposto ao esperado caso fossem pré-fixadas. Isso reduz a eficácia da política monetária, considerando o espaço ocupado pela política fiscal.”