Foram 32 anos de um sonho que, literalmente, virou fumaça (ao menos, não é poluente). Sem alarde, a Toyota - a maior montadora de veículos do mundo - está abandonando o seu grande projeto de produzir veículos de passeio movidos a hidrogênio. O objetivo, a partir de agora, é investir mais em caminhões, ônibus e vans movidos a hidrogênio.
De janeiro a novembro de 2024, a Toyota vendeu apenas 1.702 veículos com célula de combustível de hidrogênio em todo o mundo de sua marca, Mirai, o que levou a uma queda de 54% em comparação com o ano anterior. A crise é mais antiga: nos últimos dez anos, apenas 27.500 carros de passeio movidos a hidrogênio foram comercializados.
É inevitável fazer o paralelo do ocaso dos veículos movidos a hidrogênio com a rápida expansão e barateamento dos veículos elétricos, em especial os chineses, que atropelaram os fabricantes de carros movidos a hidrogênio.
Apenas em 2024, as montadoras chinesas produziram mais de 10 milhões de unidades, entre elétricos, plug-in e híbridos. Os chineses projetam um aumento de 20% de produção dos VEs este ano – o que deve suplantar a produção de veículos a combustão no país até dezembro.
Como consolo, os carros movidos a hidrogênio são ainda mais sustentáveis que os VEs, que usam baterias de lítio e seguem com o problema de descarte. As células a combustível de hidrogênio geram eletricidade por meio de reações químicas entre o hidrogênio e o oxigênio, deixando apenas vapor de água saindo do tubo de escape.
Além de gerarem zero emissões de carbono, os veículos movidos a hidrogênio são mais rápidos para reabastecer do que os VEs e, para os veículos pesados, têm uma autonomia de condução mais longa.
Esse trunfo sustentável, porém, não evitou o fiasco. A Toyota não admite paralisar a produção de veículos de passeio movidos a hidrogênio, pois acredita que esse segmento ainda desempenhará um papel significativo na descarbonização dos transportes. Mas nos últimos meses lançou sinais de que está jogando a toalha.
“Se desistirmos desta tecnologia, corremos o risco de desistir do futuro”, disse Hiroki Nakajima, diretor de tecnologia da Toyota, durante evento realizado em novembro no autódromo Fuji Speedway, no Japão, no qual a montadora anunciou os projetos voltados para veículos pesados, como caminhões e ônibus movidos a hidrogênio.
Na ocasião, a Toyota revelou um protótipo de van híbrida hidrogênio-elétrica, que afirma ser a primeira desse tipo e será testada na Austrália. A montadora também está trabalhando com a Isuzu Motors para produzir em massa um caminhão leve com célula de combustível a hidrogênio ainda nesta década e garantiu acordos para fornecer ônibus a hidrogênio em Tóquio, Estrasburgo e Madri.
Sobre a descontinuidade de produção dos veículos de passeio, nenhuma menção. Projeto concebido em 1992 como a grande aposta da montadora japonesa e consolidado em 2014, com o lançamento do primeiro modelo Mirai, a popularização dos carros movidos a hidrogênio sempre esbarrou no alto custo de produção e de venda, além da falta de infraestrutura de abastecimento.
Isso explica a pouca aderência ao projeto iniciado pela Toyota. Desde 2015, apenas três fabricantes no mundo comercializaram veículos movidos a hidrogênio: além da Toyota, com o Mirai, a Honda ofereceu o Clarity (que já saiu de linha) e a Hyundai tem o Nexo.
A Hyundai tem um prejuízo de US$ 22 mil em cada unidade de seu carro-chefe Nexo SUV a hidrogênio, atenuado com os cerca de US$ 30 mil em subsídios governamentais para cada veículo comercializado.
Apesar do apoio governamental em países de todo o mundo, o ecossistema do hidrogênio continua pequeno, com poucos grandes projetos para produzir o combustível chegando à construção.
Como resultado, as células de combustível de hidrogênio não são produzidas em massa e os custos permanecem elevados. A Shell deu uma espécie de atestado de óbito para a categoria ao fechar todas as suas estações de reabastecimento de hidrogênio na Califórnia, estado americano que sempre apoiou soluções sustentáveis.
A medida mostrou que, transição energética à parte, não dá para bancar uma solução sustentável que só causa prejuízo.