No último trimestre de 2024, o dólar deu uma estilingada e ultrapassou os R$ 6,00. O que antigamente seria ruim para a Avenue, plataforma voltada para investimentos offshore que tem o Itaú como sócio, acabou virando uma oportunidade.
Roberto Lee, CEO e fundador da Avenue, viu pela primeira vez em sete anos um ponto de inflexão. “Captamos R$ 20 bilhões no ano passado e a maior parte no segundo semestre, sobretudo, no último trimestre”, diz Lee ao NeoFeed. Ou seja, captou mais quando o dólar disparou.
Isso, diz o empresário, se deve a um fenômeno que pode mudar completamente a indústria financeira brasileira: a movimentação do investidor conservador em busca de preservação de capital no exterior, investindo em renda fixa nos Estados Unidos.
“Para esse investidor, não importa se o dólar está R$ 4,00, R$ 5,00 ou R$ 6,00. Ele abre mão de CDI alto no Brasil para preservar o patrimônio. Ele não se move pela vontade de ganhar, mas pelo medo de perder”, afirma Lee.
Foi exatamente esse tipo de investidor que passou a enviar dinheiro para fora depois que a sensação de risco se intensificou no Brasil. Segundo Lee, esse será um caminho sem volta, uma mudança estrutural, como ele gosta de frisar.
“Pega o que aconteceu quando o cliente conservador se moveu da poupança para outros produtos, para as plataformas abertas, e replica para offshore. É exatamente o que vai acontecer”, afirma Lee.
Na entrevista que segue, ele fala sobre esse movimento, o aumento do tíquete médio investido e as expectativas da companhia para 2025. “Se mantivermos os fluxos de captação do último trimestre de 2024, vamos triplicar”, afirma o empresário sobre alcançar R$ 60 bilhões de captação.
Além do comportamento do investidor, segundo ele, outro componente tem sido fundamental. “A velocidade crescimento dos Estados Unidos comparado ao resto do mundo é bizarra. Os Estados Unidos se descolaram do resto do mundo. Se comparar com o Brasil, nem se fala.” Acompanhe os principais trechos:
Estamos vendo uma forte alta do dólar. Qual é o impacto disso para a Avenue?
Eu acho que estamos vivendo uma inflexão muito parecida com a que a gente viveu alguns anos atrás. Depois de sete anos de empresa, estamos finalmente vendo o investidor de perfil conservador descobrindo offshore. Isso explica um pouco esses volumes inacreditavelmente altos ultimamente.
Qual é o tamanho desse mercado de investidores conservadores?
Estima-se que mais de 50% das carteiras brasileiras sejam carimbadas como conservadoras nos suitabilities. Isso em todas as faixas de renda, dos menores aos maiores investidores.
Mas o que te leva a crer que o fluxo de dinheiro que está indo para fora é do investidor conservador?
Quando a gente começou a Avenue, o pessoal perguntava: ‘dólar a R$ 4,00, vou investir? Ah, dólar a R$ 5,00, vou investir?’. Toda vez que o dólar dava uma subida muito forte, você tinha uma diminuição dos fluxos. No imaginário popular, tinha um entendimento de que o investimento internacional era de risco parecido com o mundo de cripto. O investidor buscava apenas oportunidade e retorno. Já o perfil do investidor conservador, para preservar capital, tem uma característica diametralmente oposta a esse comportamento. Quando ele percebe risco, ele se move. Então, mesmo com o dólar subindo, a gente está vendo um movimento muito grande de envio de recursos para fora.
“Mesmo com o dólar subindo, a gente está vendo um movimento muito grande de envio de recursos para fora”
Por quê?
Porque a percepção de risco deste público conservador finalmente está acontecendo. A gente nunca tinha visto isso acontecer antes.
Para eles, agora o Brasil é risco?
É isso. Para esse investidor, não importa se o dólar está R$ 4,00, R$ 5,00 ou R$ 6,00. Ele abre mão de CDI alto no Brasil para preservar o patrimônio. Ele não se move pela vontade de ganhar, mas pelo medo de perder. Toda vez que ele começa a se sentir mais pobre, incapaz de preservar o seu capital, mesmo com juro alto, mesmo com o dólar alto, ele se move. Foi esse perfil que vimos no último trimestre de 2024.
Você falou que nunca viu um nível de captação como o de agora. Quanto a Avenue captou?
Captamos R$ 20 bilhões no ano passado e a maior parte no segundo semestre, sobretudo, no último trimestre.
Qual a perspectiva para 2025?
Se mantivermos os fluxos de captação do último trimestre de 2024, vamos triplicar.
“Para esse investidor, não importa se o dólar está R$ 4,00, R$ 5,00 ou R$ 6,00. Ele abre mão de CDI alto no Brasil para preservar o patrimônio”
Mas você acredita que apenas o risco Brasil foi determinante para isso?
Investir no exterior era para clientes agressivos, moderados para agressivos, e o conservador estava fora. Isso era uma norma técnica. Um cliente conservador não podia receber uma recomendação de investimento offshore. Olha a distorção, uma pessoa que se declara mais conservadora não podia investir num ativo que é considerado livre de risco no mundo, que é o tesouro americano. Isso é uma distorção técnica que foi superada ao longo dos últimos meses. Hoje, as instituições financeiras que aderem aos códigos da Anbima podem recomendar aos investidores conservadores que uma parcela seja investida lá fora para preservar o capital.
Então você acha que foi mais isso que desbloqueou esse mercado?
Foi um monte de coisa, mas isso é um pré-requisito para que esse público consiga entender que ele empobrece ficando só no CDI. O cliente conservador é o último a se mover. Aconteceu isso na década passada, quando a gente viu aquele fenômeno das plataformas. Foi muito difícil para indústria brasileira convencer ou ensinar o investidor conservador que ele deveria se mover da poupança. Quando o investidor conservador se move, ele muda a indústria. Essa mudança começou em 2024, vai se intensificar em 2025 e vai mudar a indústria inteira para sempre. Igual foi o fenômeno da abertura das plataformas. É desse tamanho.
Do total da sua captação, quanto vem do Itaú?
Metade da nossa captação vem do Itaú e a outra metade dos escritórios de assessoria de investimentos. Mas Itaú vai crescer mais porque é muito dominante.
“Quando o investidor conservador se move, ele muda a indústria”
Em quais produtos no exterior esse cliente conservador investe?
Basicamente 80% em renda fixa. Em tesouro americano, bonds e até em ETFs de renda fixa. É um cliente mais velho, com mais necessidade de assessoria e que faz movimentos mais lentos, com muita certeza.
O que mudou no seu negócio para atender esse perfil?
A gente se preparou para isso. Em 2024, os níveis de governança da Avenue mudaram completamente por conta do Itaú. Colocamos segmentações de assessorias financeiras. Clientes com mais de US$ 10 mil passaram a ter assessoria e o cliente acima de US$ 200 mil tem um profissional dedicado. Temos 500 funcionários e metade destinada para atender os clientes.
Qual é o tíquete médio dos clientes?
O tíquete médio da Avenue, pré-Itaú (o deal com o Itaú foi fechado em julho de 2022), era de US$ 1,5 mil no primeiro aporte. Hoje, o tíquete médio de primeiro aporte é de US$ 60 mil e está crescendo. Olha como mudou. A nossa base envelheceu. Antes, era dominante antes dos 30 anos e agora é dominante acima dos 30 anos. Passamos a atender a alta renda. Para isso, precisa de escala com reputação. Escala a gente tinha, a reputação veio com o Itaú.
Foi o que aconteceu com a XP, quando recebeu investimento do Itaú...
Aquilo que a gente viu, com o movimento de abertura das plataformas liderado pela XP, estamos vendo agora acontecer exatamente igual no offshore.
Qual é a porcentagem do patrimônio que os investidores estão mandando para fora?
Em média, eles começam com 20% de alocação internacional e terminam os seis primeiros meses acima dos 30%. O conservador está iniciando entre 15% e 20% e mais para frente vamos saber quanto vai subir. Quer prever o futuro? Pega o que aconteceu quando o cliente conservador se moveu da poupança para outros produtos, para as plataformas abertas, e replica para offshore. É exatamente o que vai acontecer.