Em janeiro de 2015, início do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff e antessala do seu afastamento do cargo em 2016, a Selic chegou a 12,25% ao ano – exatamente onde está hoje. A taxa básica surfava a onda que atingiria o pico em julho de 2015, a 14,25%, e aí permaneceu por nove reuniões consecutivas do Comitê de Política Monetária (Copom).
A primeira de uma prolongada sequência de queda aconteceu em outubro de 2016, quando a Selic declinou a 14%. O juro nas alturas marcou um período de tensão fiscal e inflação ascendente que entrou para a história pela troca de governo – impeachment de Dilma Rousseff e posse de Michel Temer – e uma recessão inédita. Em dois anos, a economia brasileira encolheu 7,5%.
Neste janeiro de 2025, uma década depois do biênio fatídico, a escalada da Selic e o descrédito nas intenções do governo de conter a dívida pública despertam a avaliação de que o Brasil está à beira da dominância fiscal.
Um cenário em que a política monetária perde eficácia para controlar a inflação e leva o BC a pagar juros cada vez mais altos provocando deterioração acelerada da dívida pública, gerando mais desconfiança e pressão sobre o câmbio que potencializa a inflação se o governo não endurecer a política fiscal.
A coincidência das taxas de juros praticadas pelo BC num hiato de 10 anos e a defesa de agentes financeiros e empresários por cortes de gastos reforçam a tese de que a dominância fiscal está à espreita. Mas não há consenso (ainda) quanto a esse diagnóstico, o que não quer dizer que o cenário é tranquilo à frente.
O ministro da Fazenda Fernando Haddad disse, em entrevista à CNN Brasil, em 17 de janeiro, não acreditar em dominância fiscal. Acrescentou que a política monetária fará efeito sobre a inflação e deu um spoiler: “Efeito muito maior do que se imaginou.”
A declaração de Haddad não freou as projeções de inflação e grandes bancos apontam 6% para 2025, mas reforçou a percepção de que a atividade arrefecerá neste ano e no próximo por força do juro real ao redor de 9%, ao menos até o quarto trimestre – proeza que colocará à prova a declaração/compromisso do presidente Lula de que o BC de Gabriel Galípolo terá autonomia para fazer o seu trabalho.
Bancos e consultorias apontam desaceleração do PIB de cerca de 3,5% em 2024 para algo em torno de 2% neste ano. E, mantido o ritmo da carruagem a Selic de 15% ou mais, o PIB de 2026 poderá recuar a 1,5%. Crescimento pífio que, se combinado à inflação pressionada, poderá travar qualquer melhoria da popularidade do presidente e até sua disposição a concorrer à reeleição.
Bancos centrais abrem o calendário de 2025
Nos próximos meses de BC na vitrine, o binômio crescimento e inflação terá repercussão política invulgar. E esse é o pano de fundo que revestirá a primeira reunião do Copom de 2025, prevista para 28 e 29 de janeiro, coincidente com a decisão de juros pelo Federal Reserve (Fed), o BC americano. No dia 30, o Banco Central Europeu (BCE) também definirá sua taxa que poderá recuar devido à fragilidade da economia na Zona do Euro.
Em meio à divulgação massiva de indicadores nos próximos dias – mercado de trabalho e reunião do conselho de administração da Petrobras no Brasil e PIB e inflação nos EUA no quarto trimestre de 2024 – o Fed deverá manter sua taxa no intervalo de 4,25% a 4,50%. E o Copom deverá elevar a Selic em 1 ponto percentual, para 13,25%.
Nos EUA, a expectativa é de um corte de juro ainda neste ano, mas há apostas em elevação, a depender das medidas a serem tomadas pelo governo Trump – por ora, com sinalização mais branda do que o esperado quanto à imposição de tarifas comerciais. No Brasil, o Comitê deve ratificar, no comunicado ou na ata, a sinalização de emplacar mais 1 ponto na Selic em março, instalando a taxa em 14,25% - o pico da “era Dilma”.
Apesar do aperto em curso, a meta de inflação, de 3%, está longe de ser atingida neste e nos próximos anos. Porém, o esforço monetário do BC – somado ao eventual resultado da força-tarefa que o governo deve lançar para reduzir os preços dos alimentos – poderá atuar sobre as expectativas que seguem desancoradas, inclusive, por refletirem a mudança de patamar do câmbio. Dólar a R$ 6,00 passou a ser visto como o “novo normal”, apesar do declínio a cerca de R$ 5,90 nos últimos dias, replicando a trajetória da moeda no exterior.
A moeda americana atravessou dezembro acima de R$ 6,00. Deslizou em consistência. Em parte, graças ao fortalecimento do dólar ante todas as divisas, sobretudo, a partir da vitória de Trump à Casa Branca. E à perspectiva – ainda a confirmar – da adoção de sua plataforma protecionista e inflacionária, a exigir suporte de juros elevados.
Porém, em parte, a valorização do dólar também refletiu a incorporação de prêmios de risco pela persistente incerteza quanto ao empenho do governo em estabilizar sua dívida. Haddad acenou com novas providências que dependem, entretanto, da aprovação do Orçamento de 2025 pelo Congresso Nacional – talvez em março.
Até lá, é improvável que o mercado financeiro promova mudança substantiva nas projeções de déficit primário que, em proporção do PIB, se mantêm em 0,60% para 2025, 0,50% para 2026 e 0,30% para 2027. Ainda sem anúncio oficial, a Fazenda aponta déficit de 0,1% em 2024 e confia em zerar a conta neste ano. Na quinta-feira, 23 de janeiro, a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, confirmou o déficit nanico do ano passado.
Já o déficit nominal, que inclui despesas com juros da dívida pública só avança. No início do Lula 3, o déficit por esse critério estava em 4,6% do PIB. Em 2024 aproximou-se de 8%. Em 2026, poderá colar em 10%, se a política monetária permanecer esticada. Considerando o alerta de Lula de que “2026 já começou” – e a visão corrente de que campanha eleitoral turbina gastos – 10% será mais que um “número redondo”. Mas um risco e tanto até para destemidos investidores e, talvez, apresse o governo em suas decisões. A ver.