A rede de tratamento oncológico Oncoclínicas está em meio a uma disputa que envolve os seus principais acionistas em torno de uma Oferta Pública de Aquisição (OPA). De um lado estão a Centaurus Capital e o Goldman Sachs. E de outro a gestora de distressed assets Latache e os acionistas minoritários. O xis da questão são os fundos Josephina.
A Latache Capital, de Renato Azevedo, entende que a gestora Centaurus Capital tem de convocar uma OPA de ações da Oncoclínicas. O motivo é que o fundo Josephina controlado pela Centaurus ultrapassou o limite de 15% de participação na companhia de tratamento oncológico.
Pelo estatuto da empresa, aquisições acima desse percentual acionam a cláusula de poison pill, que obriga a realização de uma OPA por, no mínimo, 120% da cotação mais alta das ações nos últimos 12 meses. A exceção a essa regra vale apenas para acionistas que, na data do anúncio de início do IPO, já detinham participação relevante na companhia.
É aí que entra o “mistério” de Josephina. Em novembro do ano passado, o Goldman Sachs, que era acionista majoritário da Oncoclínicas, promoveu uma reorganização nos seus fundos. A nova estrutura, antes dividida entre os fundos Josephina I e II, passou a contar com um novo veículo, o Josephina III. Até esta reordenação, a Centaurus não aparecia como acionista da Oncoclínicas.
Mas, nesse processo realizado pelo banco de investimentos, houve uma transferência de 15,79% de ações do Goldman Sachs para a Centaurus, que passou a ser o incorporador direto dessa participação na Oncoclínicas.
Na ocasião, o Goldman Sachs informou que “até a conclusão da reorganização, a participação indireta da Centaurus na companhia [Oncoclínicas] era detida através de um veículo de investimento no exterior, gerido discricionariamente por entidade afiliada ao acionista controlador dos Fundos GS, que tomava as decisões de gestão e investimento relativas à participação da Centaurus”.
Nos últimos dias, o NeoFeed ouviu fontes próximas aos quatro envolvidos nessa disputa para entender os desdobramentos da história. Uma delas disse à reportagem que, ao abrir mão dessa gestão discricionária, o Goldman promoveu uma transferência de controle, com os novos detentores dos papéis representando interesses distintos dos do banco.
“Ter uma participação direta e depois consolidá-la aciona a OPA, especialmente porque o Goldman tinha a administração discricionária das ações. Era quem mandava. Ou houve transferência de ações ou o Goldman não agia com discricionariedade. Nesse caso, estaríamos diante de uma fraude”, afirma essa fonte, que pediu para não ser identificada.
Por meio da banca Warde Advogados, a Latache solicitou ao Goldman Sachs documentos que comprovem a participação prévia da Centaurus e a estrutura acionária envolvida. O pedido, contudo, foi negado.
“As informações solicitadas por V.Sas. dizem respeito à organização interna dos fundos e são confidenciais. Não há, na legislação aplicável, qualquer obrigação de que os Fundos GS ou o Centaurus compartilhem essas informações com outro acionista da Oncoclínicas”, respondeu o banco.
Na atual estrutura acionária da Oncoclínicas, há cinco acionistas com posição relevante: o fundo Josephina III, com 31,83%; o Banco Master, com 19,9%; a Latache, com 10,19%; e o fundador e CEO Bruno Ferrari, com 8,41%. Abaixo deles está o Josephina II, com 4,97%.
Um dos questionamentos extrajudiciais feitos pela Latache, por meio da Warde Advogados, para o Goldman Sachs era que a participação da Centaurus não era conhecida no IPO da Oncoclínicas, o que fugiria da regra de exceção da abertura de capital e exigiria a OPA.
“A Centaurus está incluída nessa exceção porque já era detentora de direitos sobre ações de emissão da Oncoclínicas, em percentual superior a esse patamar [15%], desde fevereiro de 2018 e, especificamente, detinha essa participação na data de publicação do anúncio de início da oferta pública inicial de ações da companhia. Assim, qualifica-se como acionista detentor de Participação Acionária Relevante e está isenta de realizar a OPA estatutária”, diz a íntegra da resposta do Goldman Sachs que o NeoFeed teve acesso com exclusividade.
Fundada pelo bilionário John Arnold, a Centaurus é comandada por Allen Gibson, CIO da gestora. Ele ocupa uma cadeira no conselho da Oncoclínicas desde 2021, ano do IPO da empresa.
No prospecto da oferta inicial de ações, não há nenhuma indicação de participação direta da gestora americana na Oncoclínicas. Mas Gibson, como seu representante e não do banco de investimentos, está no documento.
Segundo o mesmo documento, como membros do conselho ligados ao Goldman Sachs estão David Castelblanco, Cristiano Affonso Ferreira de Camargo (atual diretor de RI da companhia) e João Carlos Figueiredo Padin.
O salto de 15 para 30
Se a disputa começou com a transferência da participação de 15,79% para a Centaurus, como a gestora americana dobrou de posição?
Em 19 de março, a Associação Brasileira de Investimento, Crédito e Consumo (Abraicc), em defesa dos minoritários, entrou na briga pela OPA. E notificou a Oncoclínicas sobre a necessidade de OPA.
A companhia, no entanto, informou que "ainda que a Centaurus – ou qualquer outro acionista – estivesse obrigada a lançar a OPA, não caberia à administração da companhia 'convocar a OPA' porque as providências para o lançamento da OPA cabem ao seu ofertante, e não à companhia".
Cinco dias após essa resposta, em 24 de março, o Goldman Sachs informou uma nova operação, cedendo mais 15,89% de participação ao fundo Josephina III, da Centaurus. A transação tornou a gestora americana a maior acionista da empresa, com 31,83%.
"No nosso entendimento, houve transferência das ações para um novo player. Em nenhum momento se falou da participação da Centaurus no negócio", disse Alfredo Lazzareschi, fundador da Abraicc, ao NeoFeed.
Na data dessa operação, um documento assinado por John Arnold afirmava que "as Entidades Centaurus não possuem, tampouco visam adquirir, quaisquer outros valores mobiliários de emissão da Companhia ou instrumentos derivativos, de liquidação física ou financeira, referenciados em ações".
A Centaurus também informou que não pretende alterar a composição de controle e estrutura administrativa e que as movimentações refletem apenas estratégias de investimento.
"O que tentaram fazer foi transferir as ações para a Centaurus por meio de uma reorganização dos fundos de modo que não acionasse a poison pill", diz uma fonte ligada aos minoritários.
De quanto seria a OPA
A ação da Oncoclínicas foi uma das que mais caíram em 2024, acumulando desvalorização de 82%. Neste ano, o cenário virou. Os papéis já subiram 136%, movimento impulsionado, em parte, pela entrada da Latache, que comprou cerca de 10% da companhia.
O fluxo comprador, acompanhado por outros investidores, provocou um short squeeze na segunda metade de fevereiro. Naquele momento, 69 milhões de ações estavam alugadas — o equivalente a 47% dos papéis em circulação fora do bloco de acionistas de referência, segundo a Rockettrader.
Sem novos papéis disponíveis para aluguel, a taxa de tomador saltou para 81%. Fontes próximas à operação afirmam que parte relevante dos aluguéis estava concentrada em um investidor com preço médio por volta de R$ 2,50.
Com a escalada dos preços e o encarecimento do aluguel, a posição vendida teve que ser desmontada, gerando ordens de compra em série e impulsionando as ações a R$ 6,10 em poucos dias. Esse patamar só foi superado no fim de março, quando os papéis tocaram R$ 6,50 — alta de 273% desde a mínima do ano.
Apesar da disparada, o preço de uma eventual OPA ainda teria como base valores significativamente mais altos.
A máxima dos últimos 12 meses foi registrada em maio do ano passado, quando os papéis chegaram a R$ 9,72. Considerando o prêmio estatutário de 120%, o valor por ação seria de R$ 21,38 — cerca de 8% acima do preço do IPO e quase 300% acima da cotação atual, de R$ 5,46.
Procurados pelo NeoFeed, o Goldman Sachs e a Centaurus Capital não quiseram se manifestar. Em nota, a Oncoclínicas afirmou que "já se posicionou sobre o assunto por meio de comunicado oficial e, portanto, não fará comentários adicionais".