O aumento das tarifas americanas sobre importações está, por ora, em período de trégua, enquanto líderes globais tentam negociar com representantes do presidente Donald Trump. Mas, com prazo de validade para esse momento de paz na guerra comercial, o mundo busca alternativas para driblar as restrições tarifárias impostas pelos Estados Unidos.
Nesse cenário, o Brasil aparece em posição potencialmente vantajosa, especialmente por suas relações com a China — principal alvo das políticas comerciais do republicano. No curto prazo, espera-se que o principal benefício para o Brasil seja o aumento do volume de exportações do agronegócio para a China e da indústria para os Estados Unidos.
Mas, para Pedro Brites, professor de relações internacionais da FGV, o impacto mais relevante desse novo cenário é o que ele define como uma “melhora de qualidade” na relação bilateral com a China, envolvendo cooperação tecnológica e investimentos estruturais.
Na semana passada, durante visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim, foi anunciado um investimento chinês de R$ 27 bilhões no Brasil, abrangendo setores como indústria automotiva, energia e tecnologia.
“A China pode oferecer ao Brasil coisas que hoje os Estados Unidos não parecem interessados em oferecer. Parece ser um momento bastante relevante no incremento da qualidade dessas relações bilaterais entre Brasil e China”, diz Brites.
Harold Takahashi, sócio da boutique de M&A Fortezza Partners, vem monitorando esse movimento chinês em direção a ativos brasileiros e nota um interesse crescente por investimentos de longo prazo.
“A estratégia chinesa no Brasil vem se diversificando e ganhando escala em 2024/2025, e tende a acelerar após o tarifaço dos Estados Unidos. Os investidores chineses, tradicionalmente focados em commodities e ativos minerais, agora estão ampliando sua presença em setores de alto valor agregado e com produção local”, afirma Takahashi.
Um exemplo desse esforço chinês em produzir localmente é a fábrica da BYD em construção em Camaçari, na Bahia, que deve entrar em operação ainda este ano. A planta é a primeira da companhia fora da Ásia e já teve anunciada a contratação de 10 mil empregados. Mais recentemente, a GAC confirmou investimento superior a US$ 1 bilhão em uma planta em Goiás.
Takahashi também destaca o interesse da China por ativos de infraestrutura e logística agropecuária. “A presença chinesa nesses setores estratégicos tende a reforçar a posição do Brasil como um player relevante no suprimento de recursos e alimentos.” Ele cita como exemplo os investimentos chineses no Porto de Santos e na nova rota de escoamento do Porto do Pecém para a China.
O mercado vem especulando sobre a transição de uma postura puramente exportadora dos chineses para uma busca por produção local, visando contornar barreiras comerciais e acessar mercados regionais.
Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, diz que esse movimento tende a se intensificar com o aumento das tarifas sobre produtos chineses. Segundo ele, o efeito já é visível há alguns anos, especialmente no México. “Em Tijuana, metade das grandes empresas são chinesas. Eles compraram meio mundo no México para aproveitar essa porta de entrada para os Estados Unidos.”
Até a nova rodada de tarifas, os produtos mexicanos tinham trânsito quase livre para os Estados Unidos, graças a acordos de livre comércio. Antes da trégua global, no entanto, o governo Trump chegou a aplicar tarifas de 25% sobre o México — com exceção dos produtos cobertos pelo USMCA —, chegando a superar a alíquota de 10% imposta aos produtos brasileiros.
Apesar das potenciais oportunidades, Gala pondera que uma redução das exportações chinesas para os Estados Unidos pode levar a um excesso de produtos chineses no mercado brasileiro.
“A indústria brasileira é a que mais perde. O maquinário é o que mais está sofrendo”, afirma o economista. A expectativa é que, sem a demanda americana, o preço das máquinas chinesas caia, tornando o cenário mais desafiador para os fabricantes locais. “É muito difícil competir com a China."
Aproveitando esse contexto, a CCM Indústria, maior fabricante de fraldas adultas do Brasil, fechou, em abril, a compra de uma nova máquina da China e travou o preço de uma segunda. “Conseguimos uma condição muito melhor do que nas últimas compras”, afirma Lucio Bueno, CEO da CCM Indústria.
Segundo Bueno, as aquisições foram realizadas durante uma feira bianual do setor, neste ano, nos Estados Unidos. Presente frequente no evento, ele diz ter notado um aumento na participação de representantes chineses.
“Na feira, ouvimos bastante que ‘é melhor vender um pouco mais barato do que parar a produção’. Isso é uma máxima da indústria. E a China tem isso", diz ele.