Do latim, pro, “para frente”, e crastinus, “dia de amanhã”. Procrastinar, adiar, delongar, retardar, postergar. Procrastinar, o comportamento universal de deixar para depois. Não importa a época, o país ou a cultura; o gênero, a idade ou a classe social, onde houver um prazo a ser cumprido, haverá alguém a protelá-lo — e outro alguém a condenar o procrastinador.

Até recentemente, atrasar uma tarefa que poderia (e deveria) ser realizada aqui e agora era sinônimo de preguiça e desorganização. Não mais.

Graças aos avanços de tecnologias capazes de flagrar o cérebro em pleno funcionamento e dos progressos nos conhecimentos das emoções, a ciência vem revelando que há muito mais no comportamento do que apenas desleixo.

Do ponto de vista neural, a procrastinação resulta de uma espécie de embate entre duas regiões cerebrais poderosíssimas. De um lado, o metódico córtex pré-frontal, responsável pelo planejamento, o raciocínio lógico e as tomadas de decisão. Do outro, o imediatista sistema límbico, uma das porções mais primitivas do sistema nervoso, associado às emoções, à sensação de recompensa, aos impulsos sexuais e ao instinto de sobrevivência.

Pois bem, quando uma obrigação é postergada, celebra-se a vitória do prazer fugaz sobre a organização a longo prazo.

Mas, uma vez satisfeito nosso desejo de driblar a obrigação, além da angústia pelo prazo ainda mais apertado, sobram apenas vergonha e culpa pelo desperdício de um recurso valiosíssimo na contemporaneidade — o tempo.

Mesmo assim, apesar de toda a aflição, continuamos a procrastinar. E, mantida a tendência atual, procrastinaremos cada vez mais.

A vida digital, com seu ritmo acelerado, atualizações constantes, comunicação instantânea, interatividade e estímulos múltiplos, forma o cenário ideal para o popular “empurrar com a barriga”.

“Você pode ter planejado terminar uma tarefa, mas, quando percebe, está há horas no TikTok, no Instagram ou no YouTube, assistindo vídeos de gatinhos ou navegando por compras online”, diz a australiana Catherine Houlihan, professora sênior de psicologia clínica da University of the Sunshine Coast, em Queensland, uma das mais influentes estudiosas do assunto.

As razões para a procrastinação vão muito além do aborrecimento provocado pelas tarefas mais chatas. “Pode ser também uma forma de lidar com emoções delicadas”, diz ela em entrevista ao NeoFeed. Ou estar associado a problemas como déficit de atenção e hiperatividade. Ou sinal de perfeccionismo e/ou de baixa autoestima e sintoma de transtornos mentais, como ansiedade e depressão.

Nos casos mais graves, o adiamento dos compromissos e os sentimentos negativos associados a ele funcionam em feedback — onde são, ao mesmo tempo, causa e consequência um do outro.

Se "deixar para depois" se transforma em hábito, é grande o risco de ele se consolidar em procrastinação crônica, um mal comum a dois em cada dez habitantes do planeta. É muita gente, mas há tratamento: a terapia cognitiva-comportamenta, como lembra Catherine.

Longe do campo da patologia, a procrastinação pode até ser útil — um alívio para as exigências da vida contemporânea. Algumas pessoas inclusive usam-na como estratégia de motivação. "Mas se houver consequências negativas, provavelmente é melhor tentar cumprir a obrigação logo", sugere a psicóloga.

E, para evitar que o adiamento se transforme em hábito, a especialista criou um roteiro de cinco etapas. São elas:

Aceite a realidade — Você está procrastinando e avalie se isso é um problema.

Descubra o porquê — Entender os motivos pelos quais você procrastina é fundamental para a compreensão de suas emoções.

Priorize — Os compromissos mais importantes devem estar no topo. Dividir a tarefa em partes menores e fazer pausas regulares evita a sobrecarga.

Evite distrações — Coloque o celular no modo “não perturbe” e avise às pessoas ao seu redor que você precisa se concentrar por um tempo.

Mime-se — Às vezes, o rol de tarefas parece interminável. Aumente a motivação criando recompensas após concluí-lo.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista de Catherine ao NeoFeed.

Só os preguiçosos procrastinam?
Procrastinação não é falha de caráter nem sinônimo de preguiça, tampouco inabilidade para administrar o tempo. Encarar a questão dessa forma pode fazer com que as pessoas se sintam culpadas, o que impede que elas descubram os verdadeiros motivos por trás do comportamento.

Então, por que procrastinamos?
A procrastinação é um comportamento humano muito comum — e o adotamos por vários motivos. Em geral, adiamos tarefas que consideramos chatas e frustrantes, que nos incomodam ou que carecem de significado pessoal. A procrastinação pode ser também uma forma de lidar com emoções delicadas. Alguém com dificuldades financeiras, por exemplo, pode atrasar o imposto de renda [para não ter de entrar em contato com a penúria de sua conta bancária].

A cultura digital contribui para a adoção desse comportamento?
Sem dúvida. As distrações diárias, como nossos celulares enviando o tempo todo notificações sobre mensagens, e-mails ou notícias de última hora, além da rolagem interminável pelas redes sociais, facilitam muito a procrastinação. Você pode ter planejado terminar uma tarefa, mas, quando percebe, está há horas no TikTok, no Instagram ou no YouTube, assistindo vídeos de gatinhos ou navegando por compras online.

O ato de procrastinar, portanto, nem sempre é consciente.
Como outros vários comportamentos, a procrastinação pode ser automática e/ou inconsciente. Mas, se estivermos cientes da nossa procrastinação, temos a opção de não procrastinar da próxima vez.  Admitir para nós mesmos que estamos procrastinando é o primeiro passo para não procrastinar.

"Estamos todos muito ocupados ultimamente e a procrastinação é uma resposta normal a essa rotina atribulada"

Uma vez decidido procrastinar, deveríamos conseguir relaxar. Mas, normalmente, isso não acontece e, durante a procrastinação, seguimos atormentados por nossa escolha. A procrastinação é uma armadilha que armamos para nós mesmos?
Tudo depende das consequências que são únicas para cada um de nós, em cada situação. Se é possível jogar uma tarefa mais para frente e não houver consequências (práticas ou emocionais) por não fazê-la, certamente é possível adiá-la para fazer algo mais prazeroso. Mas se houver consequências negativas, provavelmente é melhor tentar cumprir a obrigação logo.

Por quê?
A procrastinação é frequentemente uma solução de curto prazo para emoções desagradáveis associadas a uma tarefa específica. Embora comum, ela pode ser frustrante e levar a sentimentos de vergonha, culpa e ansiedade. E, a longo prazo, pode nos fazer sentir muito mal. Podemos ficar presos em ciclos posteriores de humor e comportamento negativos, nos quais nos sentimos mal por procrastinar. Quando acontece, a tarefa fica ainda mais avassaladora, o que nos faz querer evitá-la ainda mais. Com isso, há risco de desenvolvimento de um quadro de procrastinação crônica, cujas consequências são muito negativas.

Quais?
As pessoas que procrastinam muito têm maior probabilidade de experimentar sentimentos de ansiedade e mau humor. Pesquisas recentes constataram que, entre os perfeccionistas, por exemplo, a procrastinação é um fator importante para o agravamento dos quadros de estresse. O adiamento frequente de tarefas mina a confiança das pessoas em sua capacidade de realizar suas atividades, o que, por sua vez, dificulta o cumprimento das tarefas… e assim segue o círculo vicioso da procrastinação.

O hábito pode ser sintoma de condições mais sérias?
Pode haver razões subjacentes para a procrastinação, como nos casos de ansiedade e depressão. Ela também está relacionada ao déficit de atenção e à hiperatividade. Tais condições criam obstáculos para o início e término das tarefas. E há ainda o perfeccionismo, quando o medo de falhar é tão intenso que impede a pessoa até mesmo de começar uma tarefa. Pessoas com baixa autoestima também tendem a procrastinar porque não se julgam capazes de realizar bem uma tarefa.

Quais são os impactos da procrastinação crônica na prática? 
Os estudos indicam que, a longo prazo, a procrastinação crônica está associada ao mau desempenho nos estudos e, no ambiente de trabalho, a salários mais baixos e maior risco de demissão. O hábito também está associado a comportamentos de risco, como o adiamento de consultas médicas e atraso no pagamento de contas importantes. Por isso, é tão importante conhecer as causas da procrastinação.

A procrastinação nunca é útil? 
Algumas pessoas, por exemplo, gostam da pressão de um prazo apertado. Para elas, a procrastinação pode funcionar como uma estratégia de motivação.

Como você lida com a sua própria procrastinação?
Eu sigo os cinco passos e tento ser gentil comigo mesma. Estamos todos muito ocupados ultimamente e a procrastinação é uma resposta normal a essa rotina atribulada. Tento definir um horário claro de início e término para, digamos, limpar o carro — algo que costumo procrastinar. E planejo algo mais agradável para depois.