Tradicionalmente, o varejo é conhecido por ser um setor “nervoso”, que exige mudanças de direção e decisões rápidas. Poucas vezes, no entanto, essa capacidade foi colocada à prova com tanta frequência e pressão como nas últimas semanas.
Uma das grandes redes em operação no Brasil, a C&A é uma das varejistas que está lidando com esse desafio de se adaptar à velocidade e à gravidade dos impactos relacionados ao coronavírus. Entre eles, o número crescente de medidas impondo restrições de horários ou mesmo o fechamento das lojas.
“Temos que manter o foco no negócio e proteger o caixa”, disse Paulo Correa, CEO da C&A, em teleconferência com analistas realizada nesta sexta-feira. “Nossa abrangência geográfica nos expõe a diferentes realidades. E o cenário está mudando muitas vezes dentro do próprio dia.”
Nesse contexto, a Renner, concorrente da C&A, decidiu se antecipar e anunciou o fechamento de todas as suas mais de 500 lojas no Brasil e no exterior. Incluindo nesse pacote as bandeiras Camicado, YouCom e Ashua. A mesma estratégia foi adotada logo depois pelo McDonald's.
A C&A, por sua vez, está seguindo as orientações das autoridades de cada praça onde tem presença. No momento, cerca de 60% das lojas da rede estão fechadas; 40% funcionam em horário reduzido; e um parcela mínima segue operando normalmente. No total, a varejista tem 197 lojas no País.
Reação
Para enfrentar a crise e definir táticas diárias de reação aos seus efeitos, a varejista montou um comitê multidisciplinar, conectado ao alto escalão da empresa, no fim de fevereiro. As medidas adotadas envolvem três frentes.
Na primeira delas, a C&A colocou todos os seus funcionários de escritório no modelo de home office, além de cancelar viagens e a convenção anual da empresa, que seria realizada em abril. Ao mesmo tempo, a companhia conseguiu a liberação de exames de detecção do vírus pelo plano de saúde para os profissionais e seus dependentes.
As lojas ainda em operação estão trabalhando com equipes reduzidas. Para minimizar os riscos de contaminação, a empresa retirou equipamentos de pagamento móvel, reforçou as equipes de limpeza nos locais de maior exposição e intensificou o e-commerce como canal de contato com os clientes.
“Dada a gravidade e a falta de visibilidade da duração da crise, os investimentos estão, por tempo indeterminado, em contingência”, diz Paulo Correa, CEO da C&A
Outro foco são as negociações com os fornecedores, iniciadas nessa semana, para ajustar às oscilações na demanda. “Estamos olhando todas as possibilidades, caso a caso, e discutindo o que podemos reaproveitar, cancelar ou receber”, afirmou Correa. “Todos estão com a agenda de preservar o caixa. E vamos ter conversas honestas e transparentes para conseguir executar isso corretamente, da melhor forma possível.”
Nessa ponta, o executivo citou como um ponto favorável a estratégia implementada há alguns anos pela C&A, de redução dos prazos entre os pedidos e as entregas, o que reduz a exposição da empresa aos compromissos com itens em produção.
Com o dólar acima de R$ 5, Correa também destacou a política de hedge adotada há tempos pela empresa. “Estamos bem protegidos esse ano, com taxas bem interessantes, especialmente nesse semestre, que tem um volume maior de importações.”
Diretor financeiro da C&A, Milton Lucato Filho afirmou que ainda é cedo para identificar os impactos relacionados aos fornecedores do mercado asiático, que hoje respondem por 20% do portfólio da rede. Mas citou um ponto que, ao menos no curto prazo, tem minimizado um eventual efeito na oferta. “Por sorte, já havíamos prolongado o fornecimento por 15 dias, prevendo o impacto do Ano Novo Chinês.”
Sob a ótica de preservação do caixa, no âmbito de aberturas e reformas das lojas, a empresa dará continuidade apenas aos projetos em vias de serem concluídos. “As demais, nesse instante, vamos paralisar”, afirmou Correa. “Dada a gravidade e a falta de visibilidade da duração da crise, os investimentos estão, por tempo indeterminado, em contingência.”
Correa observou ainda que a rede vai reforçar outra estratégia iniciada nos últimos anos. “Estamos olhando linha a linha o que pode ser renegociado em termos de valor e de prazos”, ressaltou. “Tudo está no escopo. Vamos entender oportunidades, prós e contras. Não há nenhuma despesa que seja uma vaca sagrada.”
Resultado
Hoje pela manhã, no primeiro pregão após a divulgação do resultado de 2019, as ações da C&A chegaram a registrar alta de 13,3%. Por volta das 14h30, os papéis subiam 8,5%. A varejista fechou o ano passado com um lucro líquido de R$ 214,2 milhões, um salto de 23,4% na comparação com 2018. A receita líquida cresceu 2,8%, para R$ 5,2 bilhões.
“Nós vínhamos em um momento muito favorável até a semana passada”, afirmou Correa. “É um momento crítico, mas quando essa crise passar, vamos retomar o que estávamos vivendo”, completou.
Como todas as empresas, de todos os setores, a C&A, no entanto, já sentiu o impacto pesado desse cenário no curto prazo. Desde 21 de fevereiro, data do último pregão antes do início da crise no País, seu valor de mercado recuou de R$ 5,39 bilhões para R$ 1,84 bilhão.
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