Em meio ao debate sobre a Medida Provisória 1.303, que propõe mudanças na tributação de investimentos, a gestora Sparta se debruçou sobre um estudo publicado pelo Tesouro Nacional que mostra que as emissões primárias de Notas do Tesouro Nacional (NTN-Bs) ficaram menores “em decorrência da competição existente com as debêntures incentivadas do setor privado”.
Na sua carta mensal de junho, a que o NeoFeed teve acesso, a Sparta, que detém mais de R$ 17 bilhões sob gestão, dedica uma seção especial para contestar estudo do Tesouro Nacional que sugere correlação entre o crescimento dos títulos isentos e as dificuldades de rolagem da dívida pública.
Na análise, a gestora rebate a tese do governo de que as debêntures incentivadas estariam prejudicando as emissões de NTN-Bs de longo prazo.
"Nem sempre a correlação entre dois fatores indica relação de causa e efeito", afirma a Sparta, criticando o diagnóstico oficial.
Para a gestora, o governo está invertendo a causalidade: não são as debêntures incentivadas que encarecem as NTN-Bs, mas sim o risco fiscal elevado e a taxa Selic que tornam os títulos públicos mais caros. A análise destaca que o juro real no Brasil já estava elevado antes do boom das debêntures incentivadas.
"Com a taxa Selic acima de 12% por um período prolongado e uma inflação entre 5% e 6%, o juro real naturalmente se desloca para a casa dos 7%", mostra a Sparta.
A Sparta destaca uma diferença fundamental entre os instrumentos: enquanto as debêntures incentivadas direcionam capital privado para ativos produtivos (energia renovável, saneamento, infraestrutura), os títulos públicos atendem prioritariamente à rolagem da dívida governamental.
"Um modelo transfere risco e disciplina para o setor privado; o outro concentra passivos no balanço da União", compara a gestora.
Evolução sem precedentes
Os números apresentados pela Sparta mostram a evolução desses títulos. As emissões de debêntures incentivadas saltaram de R$ 2 bilhões em 2012 para R$ 133 bilhões em 2024 - mais que o dobro do recorde anterior de 2023. Apenas nos dois últimos anos, o volume superou todo o acumulado da década anterior.
Mais importante que o crescimento quantitativo foi a evolução qualitativa. "Hoje, cerca de metade do estoque está nas mãos de fundos de investimento", diz a gestora.
O que nasceu como alocação direta para o varejo transformou-se em um mercado profissional, com gestores especializados, carteiras diversificadas e análise rigorosa de risco.
A Sparta argumenta que os spreads das debêntures incentivadas estão entre os mais baixos da história, indicando que capital existe e investidores estão dispostos a financiar projetos de longo prazo. O problema não é a falta de recursos, mas o custo elevado da taxa básica.
"O que segura os projetos é o custo de capital. E o principal componente não é o spread de crédito, mas o nível das taxas dos títulos públicos", diz a gestora.
O privilégio do emissor soberano
Um ponto pouco explorado no debate é a flexibilidade única do Tesouro Nacional. Quando não consegue colocar NTN-Bs longas, o governo simplesmente encurta prazos e emite LFTs (Letras Financeiras do Tesouro). "Nenhum emissor privado tem esse luxo", observa a Sparta.
Mesmo com o crescimento explosivo das debêntures incentivadas, o Tesouro não apenas continuou emitindo como quebrou recordes. Em 2025, o ritmo de emissões de NTN-B superou todos os anos anteriores.
A gestora não poupa críticas à situação fiscal brasileira. Apresenta dados que mostram resultados primários consistentemente negativos desde 2014, com a dívida pública saltando de 56% do PIB em 2014 para 77% em 2024. As projeções apontam crescimento contínuo até 105% do PIB em 2031.
"Com isso, não é muito difícil concluir que a necessidade de emissão de títulos públicos será crescente, o que tende a pressionar as taxas em níveis elevados", mostra o texto.
O desempenho do IMA-B 5+ (índice dos títulos longos) nos últimos anos ilustra as dificuldades: investidores em NTN-Bs longas enfrentaram volatilidade extrema e retornos negativos em vários períodos.
Para a Sparta, tratar as debêntures incentivadas como distorção é desperdiçar um dos poucos avanços institucionais brasileiros em financiamento de longo prazo. "Se o objetivo for arrecadatório, é legítimo que isso seja debatido abertamente — e não mascarado como ajuste técnico."
O debate promete esquentar conforme a MP 1.303 avança no Congresso, com o mercado de capitais de um lado defendendo um instrumento que considera exitoso, e o governo do outro buscando aumentar a arrecadação em meio ao aperto fiscal.