A rapidez com que a inteligência artificial (IA) obtém avanços no processamento de dados acaba ofuscando um efeito na infraestrutura de energia elétrica ainda pouco avaliado: o risco de apagão causado por picos de energia da IA.

O alerta é de Andreas Schierenbeck, presidente-executivo da Hitachi Energy, o maior fabricante de transformadores do mundo. Segundo ele, o aumento no uso de eletricidade pelas grandes empresas de tecnologia, enquanto treinam a inteligência artificial, deveria ser controlado pelos governos para manter o fornecimento estável de energia.

Por isso, ele sugere a criação de regras claras para alertar as concessionárias sobre as grandes flutuações na demanda dos data centers, sob o risco de que essas flutuações, dependendo da quantidade de energia usada por um data center, em especial de IA, possam causar um apagão na rede elétrica que derrube o fornecimento de uma cidade ou mesmo de uma região no entorno.

“Os data centers de IA são muito diferentes desses data centers de escritório porque eles realmente geram picos de desempenho”, disse Schierenbeck, em entrevista ao jornal britânico Financial Times.

“Se você iniciar seu algoritmo de IA para aprender e fornecer dados para eles digerirem, eles atingirão o pico em segundos e chegarão a 10 vezes o consumo normal", complementa.

O executivo observa que nenhum outro segmento da indústria teria permissão para um uso de energia tão volátil quanto o setor de IA. Citou como exemplo o projeto de abrir uma fundição, que precisa de autorização da concessionária de energia, para avaliar se a carga a ser usada pode comprometer o sistema.

Para atenuar o problema, Schierenbeck sugere a integração de algoritmos de IA mais sofisticados e modelos de aprendizado de máquina que podem prever e gerenciar melhor as flutuações da demanda elétrica. Esses sistemas avançados são projetados para responder com rapidez e precisão a picos repentinos, evitando assim a potencial desestabilização das redes elétricas.

A Hitachi está no centro de uma escassez global de transformadores de energia — os componentes essenciais da rede que ajudam a ajustar a tensão. Schierenbeck explicou que a empresa japonesa enfrentou uma falta de empreiteiros especializados capazes de construir o piso reforçado necessário para a fabricação de transformadores, que pesam centenas de toneladas, o que impediu a expansão da fábrica.

Com isso, a Hitachi deve demorar até três anos para colocar em dia a carteira de pedidos, que chega a US$ 43 bilhões.

Brasil em vantagem

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) de maio mostram que data centers em todo o mundo já consomem tanta eletricidade quanto países com alta produção industrial, como França ou Alemanha.

A previsão é de que, até 2030, a demanda mundial de energia por data centers será igual ao consumo total de eletricidade da Índia.

As tensões já estão começando a aparecer: o primeiro “apagão de bytes” do mundo foi evitado por pouco no estado americano da Virgínia no verão de 2024 , quando um raio derrubou um transformador perto de um conjunto de 20 data centers.

Percebendo uma queda repentina de energia elétrica na rede principal, os operadores dos data centers ligaram os geradores de energia de reserva no local, causando um aumento repentino no fornecimento de energia para a rede principal, o que ameaçou causar apagões em todo o estado e fez com que os operadores da rede corressem para procedimentos de emergência.

Além de grande quantidade de eletricidade, os data centers de IA também consomem muita água para resfriamento dos servidores – um data center em hiperescala, por exemplo, consome o equivalente a uma cidade de 30 mil habitantes.

Nesse cenário de risco à rede elétrica, o Brasil desponta como um dos países mais promissores para receber investimentos em data centers de IA, graças à sua matriz energética predominantemente renovável, à abundância de recursos naturais e ao crescente mercado consumidor.

Atualmente, cerca de 89% da eletricidade brasileira provém de fontes renováveis, como hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa. Em contraste, a média global é de apenas 30%, e países como os Estados Unidos e a China ainda dependem fortemente de combustíveis fósseis.

Como a demanda energética dos data centers é colossal e a IA generativa, em especial, exige energia constante e de alta qualidade, a oferta de energia firme e limpa do País torna-se um diferencial competitivo.

O Nordeste brasileiro, com um grande parque de energia solar e eólica, tende a atrair os data centers de IA – pois a energia a ser exigida fica próxima da geração. Data Centers de cloud, por sua vez, exigem a transmissão de dados, por isso são instalados no Sudeste, com melhor oferta de linhões.

Além da matriz renovável, o custo da energia no Brasil é até 50% menor que nos EUA. Isso reduz significativamente os custos operacionais dos data centers, que têm na energia um dos seus principais gastos.