As eleições recentes em vários países do mundo mostraram que é possível chegar ao poder dividindo a sociedade. Veremos agora se é possível governar assim, principalmente num ambiente de crise como nunca vimos antes.
Nas últimas semanas, o mundo foi acometido de uma das maiores crises de saúde nos últimos 100 anos. Como consequência, instalou-se uma crise econômica que já supera a crise financeira de 2008 e tem potencial de se igualar à depressão de 1929.
Enquanto alguns países do mundo buscam união para enfrentar os dois problemas, no Brasil criou-se novamente uma guerra em cima de um debate falso e surreal: optar pela crise econômica ou sanitária.
Críticos do isolamento social argumentam que o país pode quebrar, criando um caos econômico além do grave problema de saúde. Defensores dessa tese usam argumentos à margem da moralidade e da ética para defender seu ponto de vista. Alguns empresários toscos usaram as redes sociais para relativizar a vida de velhos e doentes em defesa de seus negócios.
Já o debate político dividiu-se entre o populismo e o oportunismo. O populismo convoca a população a retomar a vida normal enquanto o oportunismo torce para que um debacle da economia encurte seu caminho ao poder. Mas é evidente que esse debate político também é falso.
É improvável que o presidente queira realmente que todos voltem às ruas imediatamente, arriscando-se a entrar para a história como um genocida. Seu intuito mais provável é simplesmente jogar a conta no colo de governadores ou prefeitos. Esses, por sua vez, tampouco querem quebrar empresas e trabalhadores, mas veem uma oportunidade de buscar um protagonismo no meio do caos.
A realidade é que ambas as crises, tanto a sanitária quanto a econômica, já se instalaram e terão consequências gravíssimas para o país. As curvas de infectados em vários países mostram que teremos um desafio enorme no Brasil, com muitas perdas para a sociedade. Negar isso não terá qualquer efeito. A população está assustada e fragilizada. Ninguém voltará aos bares ou restaurantes por decreto. A divisão política só agrava essa situação, gerando mais desconfiança.
Do lado econômico, na melhor das hipóteses, estamos jogando as economias da tão suada reforma da previdência na lata do lixo. Não sabemos se a recuperação virá na forma de L, V ou U, mas o fato é que os custos serão enormes e as consequências serão sofridas por vários anos.
Não sabemos se a recuperação virá na forma de L, V ou U, mas o fato é que os custos serão enormes e as consequências serão sofridas por vários anos
Não há saída simples para uma crise dessas proporções. O governo pode optar por continuar dividindo a sociedade e disseminando a desinformação. Talvez colha frutos políticos com isso, mas certamente não resolverá nenhum dos dois problemas.
A sociedade tem feito sua parte. Estamos vendo um nível de solidariedade entre as pessoas que nunca vimos antes. Escolas e empresas se adaptaram rapidamente ao novo cenário, trabalhando de casa, fazendo vídeo aulas e ajudando os mais carentes. Pessoas usam sua criatividade para criar os memes que nos proporcionam algum divertimento durante a difícil quarentena e empresas mudam suas linhas de produção para oferecer à população produtos para combater a crise. Vida que segue.
Agora devemos cobrar dos políticos o fim dessa guerra de interesses. É hora de unir o país e buscar a cooperação de todos para enfrentar o maior desafio das nossas gerações.
Ricardo Lacerda é sócio fundador do BR Partners Banco de Investimento. Foi presidente do Goldman Sachs no Brasil e do Citigroup na América Latina. É mestre em finanças pela Universidade de Columbia em Nova York