Ainda menino, Marcus Teles costumava subir na pilha de livros estocados no apartamento da família, em Belo Horizonte. “Coisa de criança”, diz. Ele deixara a pequena Dores do Indaiá (MG) aos três anos. A mãe era professora e contadora de histórias. O pai, fazendeiro e poeta.

Anos antes, em 1967, Emídio, seu irmão mais velho, já tinha seguido para a capital mineira, onde fundou, ao lado do primo Lúcio, a livraria Lê, as iniciais dos seus nomes. Nesse início, o catálogo era formado, em sua maioria, por livros usados, vindos do acervo do próprio clã e de doações de amigos.

A loja vingou. E, com o tempo, boa parte da prole — eram 15 filhos no total — trabalhou no negócio. Para Teles, os livros deixaram de ser uma brincadeira aos 13 anos, quando se tornou o office-boy da Lê. E, principalmente, na década de 1990, ao assumir a frente da operação, já rebatizada como Leitura.

Sob seu comando, a Leitura expandiu suas fronteiras — mesmo em um país que pouco lê — e sobreviveu à trama que colocou um ponto final em livrarias como a Saraiva. Hoje, a rede é a maior do Brasil em lojas físicas, com 128 unidades. E, no que depender de Teles, essa história ainda guarda muitos capítulos.

“Redes como a Leitura e a Livraria da Vila estão recuperando as prateleiras que o livro perdeu no Brasil”, diz Teles, CEO da Leitura. “Outras fecharam as portas e sobrou espaço. É claro que essa margem está diminuindo, mas o País é muito grande e ainda tem muita região carente de uma boa livraria.”

Nessa equação, a Saraiva faliu em 2023, após entrar em recuperação judicial, cinco anos antes. Também em 2018, a Laselva fechou suas portas e a francesa Fnac deixou o País. No mesmo ano, a RJ foi o caminho da Cultura, que hoje opera com poucas lojas em São Paulo e, majoritariamente, no online.

No saldo entre fechamentos e aberturas, o Brasil já está próximo da base que tinha antes dessas baixas. Hoje, são cerca de 2,9 mil livrarias no País, segundo a Associação Nacional de Livrarias (ANL). E a Leitura já está traçando as próximas linhas para seguir ampliando esse número.

Neste mês, a rede chegou a 128 lojas, com duas novas livrarias nos shoppings SP Market, em São Paulo, e DF Plaza Shopping, em Águas Claras (DF). Com projetos ainda em Anápolis (GO), Rio de Janeiro e Volta Redonda (RJ), a projeção é fechar 2025 com 131 unidades.

“Para 2026, a meta é chegar a 140 lojas”, diz Teles. “Já temos duas certas, em Fortaleza e no interior de Minas. E outras em negociação, em praças como a região metropolitana de Recife, Centro-Oeste e São Paulo.”

Além de avançar sobre os espaços deixados pela concorrência, a Leitura vai seguir “comendo pelas beiradas”, em um modelo que, à parte do declínio das rivais, ajuda a explicar, em boa medida, seu crescimento. Tanto que, em 2018, a empresa já tinha cerca de 70 livrarias.

Essa tese se traduz em lojas em cidades do interior e nas regiões metropolitanas das capitais – Teles calcula que o País comporta uma livraria a cada 50 mil habitantes. Esse foi o plano adotado em praças como São Paulo, onde a Leitura desembarcou em 2016, com uma primeira unidade em Jundiaí.

A mesma abordagem vale para periferias das capitais e grandes cidades. Na capital paulista, por exemplo, a rede tem uma loja no Shopping Aricanduva, em Itaquera, zona leste da capital, de olho nos potenciais leitores não apenas do local, mas também dos bairros no entorno.

“Não precisa ser rico para gostar de livro”, diz ele. “O preço médio de um título no Brasil é de R$ 51,60. Sim, é mais caro que outros meios culturais. Uma ida ao cinema custa R$ 40, mas é um programa de 1h30.”

Marcus Teles, CEO da Leitura

Em outra conta, a Leitura também começa a baixar um pouco sua régua. Se até pouco tempo, a prioridade eram cidades acima de 300 mil habitantes, agora, a rede começa a abrir espaço para cidades com mais de 200 mil habitantes.

Aqui, novamente, uma leitura mais ampla embala essa estratégia. “Volta Redonda, por exemplo, tem 260 mil habitantes. Mas, ao lado, tem Barra Mansa, com 170 mil. E é uma região carente de livrarias”, diz Teles, citando ainda aberturas recentes que seguem essa mesma linha, como a loja de Indaiatuba (SP).

Em contrapartida, ele vê menos espaço para megastores, especialmente no tamanho em que o formato avançou antes da crise do setor — de 3 a 4 mil metros quadrados. Hoje, as lojas da Leitura variam, em média, de 200 a mil metros quadrados, com investimentos de R$ 700 mil a R$ 2 milhões.

Outros personagens e uma "grande vilã"

Há mais fios condutores nesse enredo. A família Teles de Carvalho controla a Leitura, com dois terços da operação. Mas abre espaço para outros personagens. A fatia restante está dividida entre gerentes de lojas com melhor desempenho, que, a cada ano, são convidados a serem sócios em novas unidades.

O clã detém uma porcentagem de, no mínimo, 51% dessas lojas. E entende que, além de ampliar o vínculo e dividir o risco com esse novo sócio, ganha uma vantagem ao ter um acionista na ponta da operação, assim como já acontece com as unidades tocadas diretamente pela família.

“Nossos administradores estão dentro das lojas. Não são diretores ou vendedores que estão no escritório”, explica. “Temos mais de 2,6 mil funcionários e menos de 2% estão na nossa central. Boa parte deles está enxergando o cliente no dia a dia.”

Essa proximidade também se reflete no mix. Cada loja tem autonomia para escolher o catálogo mais aderente ao perfil da sua região. Assim, pelo menos 15% a 20% dos seus acervos seguem essa proposta.

Hoje, com esse modelo, a Leitura não tem presença apenas nos estados do Acre, Roraima e Paraná. E entende que essa capilaridade é também sua maior fortaleza no digital, já que cada uma das suas lojas opera como um estoque avançado para as entregas e retiradas dos livros comprados pelo canal online.

“Meu concorrente pode conseguir entregar rápido em São Paulo e no Rio”, diz o CEO. “Mas quero ver ele entregar em menos de 24 horas em Macapá, Caruaru, Porto Velho ou no interior de Minas.”

Distante das lojas físicas, o tal concorrente citado por Teles atende pelo nome da Amazon. E ele entende que, assim como aconteceu em outros países, e, à parte dos problemas específicos de cada operação, a chegada da gigante fundada por Jeff Bezos, em 2012, foi o que acelerou a derrocada das rivais.

“Infelizmente, o comércio eletrônico começou pelo livro, com a Amazon”, diz. “Ela entra vendendo livro, normalmente com prejuízo, para crescer rápido e como isca para um ecossistema muito maior, aí sim, bastante lucrativo. Para eles, perder US$ 0,90 por livro não é nada.”

Para ele, o grande erro de redes como Saraiva foi tentar acompanhar essa toada, com o peso adicional, porém, de suas lojas físicas, do portfólio mais restrito e do menor poder de fogo. “Alguns tentaram ser a Amazon do Brasil e cresceram no virtual. Mas tinham lojas que já nasciam deficitárias. E não fechavam.”

A Leitura, por sua vez, é comedida em descontos no canal online. E não tem nenhum “apego” às suas lojas. No modelo da rede, uma unidade tem, na maioria dos casos, até dois anos para operar no azul. Do contrário, suas portas são fechadas.

Nessa mesma linha, o CEO ressalta que “mais de 95%” dos investimentos da Leitura são financiados com caixa próprio. Ele guarda a sete chaves, porém, os números da operação. E só revela que a rede já bateu a meta de vender 13,2 milhões de livros em 2025. A nova projeção aponta para 13,6 milhões de títulos.

Os livros representam cerca de 65% da receita da companhia. O que, levando-se em conta o preço-médio de R$ 51,60 e as categorias restantes, já apontaria para um faturamento acima de R$ 1 bilhão. Nas estimativas mais recentes do mercado, esse número foi de R$ 770 milhões em 2024.