Analistas e gestores utilizam diversas métricas e indicadores de mercado para avaliar se uma ação está barata ou cara. O Preço/Lucro (P/L) das empresas, por exemplo, está entre os mais usados. Mas, individualmente, nenhum deles é mais eficaz para medir os valuations, segundo Warren Buffett, do que a soma do valor de mercado das empresas listadas dividida pelo PIB do ano.
A tese foi defendida pelo fundador da Berkshire Hathaway em artigo publicado em 2001 na revista Fortune, pouco após o estouro da “bolha da internet”. Na época, ele também alertou sobre níveis extremos, dizendo que, se a relação se aproximasse de 200% — como havia ocorrido em 1999 e parte de 2000 — “você estaria brincando com fogo”.
Nos Estados Unidos, o indicador tem ganhado destaque após voltar a subir nos últimos anos e rondar a máxima histórica, perto de 214%. Coincidência ou não, a alta do indicador, que saltou quase 80 pontos percentuais desde 2022, ocorreu paralelamente à redução da exposição da Berkshire em ações no país, sendo vendedora líquida nos últimos 11 trimestres consecutivos.
Se fosse aplicado no Brasil, no entanto, o indicador de Buffett revelaria um cenário favorável à compra de ações. Essa relação, de acordo com um levantamento da consultoria Elos Ayta feito a pedido do NeoFeed, estaria em 35,3% – o que, pela teoria do investidor, indicaria uma pechincha.
É preciso, no entanto, ajustar a medida à realidade brasileira, já que o mercado local carrega um desconto estrutural e conta com um número menor de empresas em relação ao americano. Ainda assim, a relação estaria abaixo da média histórica dos últimos 25 anos, de 46,7%, e seria a quarta menor deste século. Somente em 2001, 2002, 2015 e 2024 essa taxa esteve menor, em 29,1%, 25,7% 30,6% e 33,7%, respectivamente.
“O mercado é cíclico. Então, vejo isso como uma oportunidade, porque, quando o ciclo vira, as ações tendem a andar bastante”, afirma Raphael Figueredo, estrategista de ações da XP. Ele pontua, porém, que há ressalvas a serem feitas sobre o uso do indicador no mercado brasileiro.
Além da menor representatividade das empresas listadas no PIB, o estrategista ressalta que a boa performance do PIB nos últimos anos foi puxada por estímulos ao consumo e não por aumento da produtividade, o que sustentaria uma maior valorização das empresas.
“Esse consumo não necessariamente é para as empresas que estão listadas. Ainda passamos por período de vacas magras. Pouca oferta, não tem IPOs, empresas sendo recompradas”, complementa.
Fernando Siqueira, head de research da Eleven, avalia também que, embora possa ajudar a entender o valuation de mercado, o indicador de Buffett é mais eficiente nos Estados Unidos do que no Brasil. Um dos pontos é que, como aqui os ciclos são mais intensos, ondas de IPOs ou recompras de ações podem ter impactos significativos sobre o resultado final.
“Aqui, eu acho que tem esse problema de que a gente tem muita e pouca empresa na bolsa. Então, quando chegam ondas de IPOs, esse número aumenta relativamente rápido. Mas não quer dizer que o mercado está muito caro, quer dizer que está entrando mais empresa na bolsa. É reflexo de um mercado que não é tão desenvolvido”, diz Siqueira.
Efeito semelhante ocorreu em 2007, quando o indicador atingiu a máxima do século, indo a 80,9%. Naquele ano, em meio ao superciclo de commodities e alto fluxo estrangeiro para mercados emergentes, a B3 registrou o maior número de IPOs de sua história, com 64 ao todo. Outro ano de destaque foi 2020, também marcado um movimento intenso de emissões de ações, com 53 ofertas, entre IPOs e follow-ons.
Outro ponto de atenção é o aumento do número de empresas brasileiras que emitem capital no exterior e, portanto, não entram na conta do valor de mercado da bolsa local – fenômeno que inexiste nos Estados Unidos. Lá, afirma Siqueira, esse indicador pode ser muito útil, especialmente no longo prazo.
“Não quer dizer que, se está caro, não vai mais subir ou vai cair amanhã. Aqui no Brasil, a Bolsa está barata e ainda não sobe. Nos Estados Unidos, está caro e continua subindo", afirma o head de research da Eleven.
Mas é um sinal que, a médio e longo prazo, talvez não valha a pena aumentar a posição. Tem alguma chance de ter uma correção, de ter um período mais fraco daqui para frente”, complementa.
Apesar das limitações do Indicador de Buffett no mercado local, Siqueira concorda com a sinalização de que os preços estão deprimidos. “É uma outra forma de ver que o mercado aqui está barato. Tem muito espaço para subir.”
Entre os potenciais catalisadores para esse movimento de alta, o especialista da Eleven elenca o início da queda da taxa Selic e as eleições presidenciais do ano que vem. “Querendo ou não, os investidores não confiam muito nesse governo. É um ponto de entrada bastante atrativo para aproveitar essa valorização nos próximos dois ou três anos.”