O chef Alex Atala vive um drama. Um dos mais conhecidos e respeitados chefs de cozinha do Brasil, ele se equilibra como pode entre a preocupação com os funcionários, as negociações com os fornecedores e as muitas contas para pagar.

Apesar disso, ele, de forma resignada, já se prepara para um longo período de prejuízos, mesmo quando os restaurantes voltarem a funcionar.

“O DOM deve ficar no vermelho por pelo menos 18 meses”, afirmou Atala, nesta entrevista exclusiva ao NeoFeed, referindo-se ao seu mais estrelado restaurante, fechado há três semanas, que já foi eleito o 6º melhor do mundo na lista do World's 50 Best Restaurants, de 2013.

Por enquanto, as entregas por delivery, que funciona no seu restaurante Dalva e Dito, de comida brasileira, e que atualmente lhe permite desovar estoques, é um canal que está tendo uma importância maior na crise.

Mas admite que apenas o delivery é insuficiente para manter a operação. “Os ingredientes foram para o delivery ou para os funcionários. Nunca sofremos tanto e comemos tão bem”, diz Atala.

Nesta entrevista, Atala fala sobre as negociações com os fornecedores e o que espera para o futuro. “Será um mercado mais solidário. O problema e a solução [para os vírus] são coletivos”, diz o chef.

Além do DOM e do Dalva e Dito, Atala é dono também do Bio, que tem uma proposta sustentável, e atua no Instituto ATA, que incentiva pequenos produtos. Acompanhe:

Como foi fechar o DOM no dia 19 de março?
Foi pegar o coração e colocar na geladeira. Estamos em um momento de agir racionalmente e não emocionalmente. Primeiro pensei em só abrir o restaurante no jantar, com os funcionários que moram mais perto. Mas era o momento de fechar. Ao fechar, não é só o dono que sofre. A equipe também sofre emocionalmente e porque depende do dinheiro das comissões de venda.

Você fala da sequela social?
O elemento humano é fundamental. 90% da equipe do DOM é bilíngue, são insubstituíveis. Não dispensei a equipe, mas fiz contratos de suspensão e os acordos possíveis, sempre dentro da lei. Me preocupa muito o começo de maio. Para o pagamento de abril, eu tinha a caixinha de março, o que não terá no de maio. O rendimento vai cair para menos de um terço. Espero não precisar demitir. Isso é uma sombra na vida da gente. Hoje, entre DOM e Dalva e Dito, são 126 funcionários.

"Foi pegar o coração e colocar na geladeira", diz Atala, sobre o fechamento do DOM

Ao fechar, como ficaram os produtos que o restaurante tinha em estoque?
Os ingredientes foram para o delivery ou para os funcionários. Nunca sofremos tanto e comemos tão bem.

E os recursos para superar este momento?
Os bancos públicos, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, têm mais dificuldades de implementar medidas de auxílio aos restaurantes, por suas estruturas mais engessadas. Os bancos privados são mais ágeis. Acredito que muitos restaurantes não vão aguentar até chegar o recurso. E temos de pagar o aluguel. São poucos os donos que têm imóveis próprios. Temos o embate dos impostos e temos os embates com os bancos privados, que não têm sido nada flexíveis e estão bastante agressivos nas taxas. Há muitas inseguranças e incertezas. Vamos sofrer muito, mas vamos sair do outro lado.

Como foi a conversa com os fornecedores?
Peguei meu capital de giro e pedi descontos para quitar dívidas. Era o dinheiro que tinha e a aplicação financeira é menos rentável do que uma boa negociação. Aí você conhece o caráter do seu fornecedor, quem é parceiro e quem não é.

Esses são os grandes fornecedores. E os pequenos, aqueles que você, o Instituto ATA e outros ajudaram a desenvolver?
Não sei como vai ficar. Vou te contar um exemplo: o seu Eriji, que fornece pirarucu. Ele traz o peixe ainda filhote de Rondônia para sítio dele em São Paulo e engorda o peixe aqui. Eu compro 90% da produção dele. É um fornecedor absolutamente dependente de mim. Indiquei ele para o Best Farmer, um prêmio internacional para os produtores e ele não aceitou porque não quer crescer o negócio dele. Ele quer ter poucos e bons clientes. Com o DOM parado, ele quebra. Chamei ele para uma reunião. Ele contou que este ano foi mais frio e que o peixe não iria crescer tanto e me disse: “Alex San, se você usar o meu peixe só no delivery, eu consigo sobreviver”. Foi uma solução mágica. Sobre os demais pequenos produtores, como os do Mercado de Pinheiros, ou dos projetos do ATA, estamos procurando caminhos para vazar os estoques. Mas ainda não conseguimos colocar um projeto em pé. As taxas de entrega são um dos entraves.

Por quê?
Tem empresas pedindo 27%, 28% do valor bruto. Essas empresas aumentaram as taxas neste momento. Mas, para os pequenos, muitas vezes, é a única saída para não travar o negócio. Alguns estão colocando em lojas virtuais, mas não é fácil. Também estamos engajados em um coletivo de gastronomia periférica. Na periferia, já tem uma onda de fome, de pessoas que não têm o que comer. A mãe é empregada doméstica que foi mandada embora. O pai está afastado e tem de alimentar a família. Tem muitas famílias deste jeito. Vamos passar por um momento muito duro.

O delivery do Dalva e Dito cresce de importância neste momento?
Sim, estamos indo muito bem com o delivery, conseguindo de 10% a 15% do faturamento de antes da crise. Mas continuamos com o custo de 100% do faturamento. Fazemos promoções, o que nos dá mobilidade com ingrediente. Tem promoções de café da manhã, com cestas, que são vantajosos para os clientes e nos permite desovar o estoque. Temos muita coisa em estoque ainda. Além disso, sou parceiro de muitos fornecedores, no plantio, da roça e da horta. Eu não compro o produto finalizado, compro a semente, dou condição para ele trabalhar e estes produtos estão indo para o delivery, na medida do possível.

O DOM não fecha. Vou conseguir reabrir, mas a operação será deficitária por pelo menos um ano e meio

Há o risco de o DOM fechar?
O DOM não fecha. Vou conseguir reabrir, mas a operação será deficitária por pelo menos um ano e meio. O DOM está 100% desligado, mesmo com a equipe da manutenção trabalhando. Sei que vou perder equipamento, que vai estragar câmaras frias. Sei que vai ter problema. O mercado precisa saber que a retomada não é desligar e ligar a luz. A gente não vai voltar a todo vapor. Talvez nem funcionaremos todos os dias, pela conjuntura mundial. Temos muitos clientes de turismo de negócios, que também vão demorar a retomar. As pessoas vão estar com suas economias combalidas. Se eu não vou comprar luxo, os outros não vão. Isso é a realidade. Tenho gráficos que mostram que o consumo de alto luxo deve sofrer muito. Acredito que o DOM vai sofrer mais que o Dalva e Dito, esta ressaca da crise, da recuperação. Vou adorar estar errado, mas acho que não estou.

Passada a pandemia, você vai reformular o DOM?
O DOM vai continuar. Não sei quanto aos preços, ao menu, mas vai continuar. É uma certeza que eu tenho. Tenho uma emocionalidade com o restaurante. Seria como tirar um filho da minha vida. Não tenho palavras firmes para este momento, mas sei que o Geovane (Carneiro, seu braço direito) e mais alguns funcionários com certeza vão ficar no DOM.

E o Dalva e Dito?
Acredito que terá ajuste de cardápio, de preços. Ainda quero acreditar em parcerias pós esta pandemia, em um mercado mais solidário. O problema e a solução são coletivos. Todo mundo vai ter de ceder. Este é o meu otimismo para a retomada.

Será um novo mercado?
Deve haver ajustes, novos realinhamentos. A famosa caixinha, por exemplo, que não é compulsória, deve tomar um novo formato. De um modo geral, hoje ela vai mais para o salão, mas deve ter um novo entendimento dentro dos restaurantes. Acho que mais gente deve entrar nesta caixinha. O setor de compras, que é cobrado por saber comprar bem, pode estar nesta divisão da comissão. Meu ponto é que todo mundo vai ter um salário menor e precisaremos de rearranjos.

Você se relaciona muito com os chefs internacionais. O que eles te falam?
Eles estão sofrendo mais do que a gente, muito mais. Na Europa, países como Itália, Espanha, Portugal, a crise está mais forte. A Holanda está melhor, mas, em geral, eles estão sofrendo mais. Nos EUA, não está diferente. Nova York está trágico. Falo quase que diariamente com os amigos de lá. Não vou dizer que o nosso copo está mais cheio do que os deles, mas eles estão mais “panicados” do que a gente, talvez por terem vivido as guerras. Aqui, por toda a nossa instabilidade, o brasileiro tem medo, mas não tem pânico. O medo é fundamental para sobreviver, o pânico emburrece as pessoas. É preciso olhar com perspectivas. Os europeus estão mais na trincheira, estão em pânico, mais assustados.

Nesta semana, você começou uma série de vídeos patrocinados pela Mastercard. Como é o programa?
Topei porque é uma experiência pessoal que eu tenho. Tenho a virtude de cozinhar em qualquer lugar, com o ingrediente que tem na hora. Tenho esta segurança. As dicas são pensadas para compartilhar conhecimento, de passar um conhecimento útil. De ter o hábito de cozinhar e aproveitar melhor o que se tem em casa. Uso o mesmo azeite para três preparações, logo nos primeiros programas, por exemplo. Uso pão velho, o talo da couve. É uma experiência que vem com o restaurante Bio, de utilizar tudo. O programa traz um conteúdo de qualidade, que me faz voltar para a televisão, que não é o meu prazer primeiro.

Dessas três semanas de quarentena, qual foi o seu dia mais difícil?
A semana passada. Porque vai caindo a ficha que a situação é muito grave. Recebo pressão de todos os lados. E as pessoas ainda não entenderam que não é através da pressão que vai se sair desta crise. Semana passada foi a mais difícil por isso. Mas acredito que mês que vem vai ter uma depressão coletiva. Tenho medo do começo de maio, quando os funcionários perceberem o quanto vão receber, que será bem menos. A gente precisa entender que os bancos estão capitalizados, mas que a gente vai ganhar menos dinheiro. Será uma ressaca grande. Precisamos entender que o isolamento ainda é a forma mais segura.

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