Uma cura ou vacina para o novo coronavírus poderá surgir dos trabalhos de pesquisa de uma healthtech. À medida em que a Covid-19 empurra a população para uma quarentena forçada e por tempo indeterminado, os olhares de pacientes, familiares e investidores se voltam para o segmento. Não é exagero afirmar que uma grave questão de saúde pública está redefinindo nossas vidas. Essa pandemia nos modifica em muitas dimensões. Mas é inegável que as healthtechs têm um charme natural e agora também viraram sinônimo de esperança.
Um relatório da KPMG aponta que entre 2010 e 2017 o volume de investimentos em startups da área de saúde cresceu 90%. Já em 2018, de acordo o relatório Money Tree, elaborado pela PwC, o setor foi o segundo que mais recebeu capital de risco – o primeiro foi a internet. Os efeitos desses aportes se traduzem na previsão de que até 2024 este mercado continue crescendo 12% ao ano até alcançar um valor global de cerca de US$ 432 bilhões.
Com a maior população da América do Sul e a economia até então em ascensão, o Brasil já via esses números se refletindo por aqui. Entre 2015 e 2019, o número de healthtechs passou de 235 para 374 em todo o País. São Paulo é o Estado que mais concentra esse tipo de empresa, com 34% das companhias.
Bola da vez entre as startups e nos fundos de venture capital, sobretudo em tempos de crise, investir em healthtechs demanda alguma cautela e muita observação. É preciso lançar um olhar real para compreender sua complexidade, levando em consideração o contexto brasileiro para dosar o “oba-oba” de retornos financeiros em torno dessas companhias.
Um sem-fim de empresas e serviços podem entrar dentro desta categoria. Desde softwares de gestão hospitalar, de prontuários, análises de big data, linhas de crédito para cirurgias eletivas, conteúdo para pacientes... A lista é imensa até alcançar as chamadas ciências da vida. É aí que entra o tipo mais fascinante de healthtech, aquelas que nos trazem os riscos de produto e mercado.
Existem muitas explicações para a alta taxa de mortalidade das empresas que se arriscam na seara da pesquisa por novos fármacos, moléculas e tratamentos. Entre as duas principais estão os custos pré-operacionais, como pesquisa, testes clínicos, fábricas e as barreiras regulatórias – entraves e exigências minuciosas de órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As healthtechs enfrentam particularidades que, por exemplo, várias Agtechs e Fintechs não encontram. No preço final de um produto na área de saúde está diluído o enorme investimento pré-operacional e todo o tempo da burocracia. Isso sem contar a paciência dos investidores e a resiliência dos empreendedores. Em suma: é tarefa para poucos. Uma vez o risco de produto resolvido, chega a hora de enfrentar o mercado, o chamado risco de go-to-market.
A mão de obra especializada é outro ponto delicado, não por carecermos de instituições educacionais sólidas. Pelo contrário, a academia brasileira produz profissionais extremamente capacitados e com grande potencial. Contudo, falta diálogo com o mercado e ainda é desafiador encontrar um ambiente propício para pesquisadores-empreendedores prosperarem. Uma prova disso é o baixo número de CEOs de startups com mestrado e doutorado. Potências empreendedoras, como Israel e o Vale do Silício, progrediram assim e aqui não deveria ser diferente.
Entre 2015 e 2019, o número de healthtechs passou de 235 para 374 em todo o País
Principal mercado de saúde na América Latina e o sétimo maior do mundo, o Brasil já tem ótimas iniciativas em curso. Para a Associação Brasileira de Startups (Abstartups) o segmento de saúde é uma das principais apostas de crescimento para os próximos anos no País. Por exemplo, o Eretz Bio é uma incubadora de startups com impacto em saúde do Hospital Israelita Albert Einstein. A proposta é estimular a criação de produtos com tecnologia e potencial de crescimento, com validação científica. Outras iniciativas, como o Centro de Diagnóstico em Genômica, da Dasa, com investimento de R$ 60 milhões, também mostram o fôlego do segmento.
As transformações são nítidas nos últimos anos e as healthtechs já são mais do que uma tendência, mas uma realidade e uma esperança de repostas em tempos de incerteza. Já não parece tão improvável que uma possível vacina ou tratamento contra a nova doença possa vir de renomados institutos de pesquisa globais, grandes farmacêuticas ou então de uma jovem empresa com olhar fresco e inovador. Ou ainda de uma parceria entre vários desses atores. Que ganhem a força que merecem.
* Renato Ramalho é CEO da KPTL, fruto da fusão entre as gestoras de fundos de venture capital A5 e Inseed