Trinta anos atrás, o Chile vivia um momento de abertura política, com o fim da ditadura militar de Augusto Pinochet em março de 1990. Nessa época, o Chile exportava US$ 38 milhões em vinhos, a imensa maioria brancos e tintos simples, nada muito especiais, e com preço muito baixo.
Foi quando a então pequena e jovem Viña Montes lançava um cabernet sauvignon diferenciado, chamado de Montes Alpha, e destinado, principalmente, ao mercado externo.
O novo rótulo, desenvolvido em parceria com o importador para os Estados Unidos, se destacou e foi um dos pioneiros que ajudou a mudar a imagem do vinho chileno.
“Eu queria fazer um vinho de maior qualidade, trouxe barricas francesas, queria dar um passo acima”, conta o enólogo Aurélio Montes, um dos sócios da vinícola.
Hoje, o Montes está presente em 110 países. Mas não foi só o Montes Alpha que ganhou o mundo. O vinho chileno também cruzou as fronteiras e se tornou global. Em 2019, o Chile exportou US$ 1,5 bilhão em vinhos engarrafados, quase 40 vezes mais do que há 30 anos.
“A Montes se tornou uma referência no segmento de média e alta gama. Tem uma exportação relevante e preços médios sempre acima do mercado’, afirma o consultor Rodrigo Lanari, representante no Brasil da consultoria inglesa Wine Intelligence.
O rótulo foi tão importante que ganhou uma edição especial para comemorar os seus 30 anos, lançada nesta semana. Ele é atualmente um vinho "balzaquiano", expressão que se refere ao escritor francês Honoré de Balzac, que escreveu um famoso livro que elogia as qualidades da mulher depois dos 30 anos.
A edição especial é um corte de 94% cabernet sauvignon e 6% de cabernet franc, com um ano de passagem em barricas de carvalho, da safra de 2018. Ele é vendido no Brasil por US$ 89 + IPI (Imposto sobre Produto Industrializado), na Mistral. Além do vinho especial, a nova safra do Montes Alpha Cabernet Sauvignon veio com o rótulo tradicional, para relembrar os velhos tempos.
A história deste vinho mescla-se com a da viticultura moderna do Chile. Em 1990, o país andino produzia 430,5 mil hectolitros, entre vinhos engarrafados e a granel.
Três décadas depois, o Chile tem uma capacidade de produção de 1,3 bilhão de litro por ano, segundo dados da ProChile, entidade que promove os produtos do país, o vinho entre eles, pelo mundo. “Na média, desde o início da década de 1990, a produção do país cresceu 5% ao ano”, informa Felipe Becerra, gerente para a América Latina da Wines of Chile.
Nos anos 1990, a exportação do vinho chileno focava nas Américas: 44% ia para os Estados Unidos e Canadá, e 37% para a América do Sul, com foco no Brasil. Nestes 30 anos, o Chile soube construir a sua fama internacional. Atualmente, o país exporta 76% de sua produção. E o seu maior mercado, em valores, é a China.
Apesar da liderança em valores, o gigante asiático ocupa o quarto lugar em volume de garrafas. Isso porque a China tem um apetite voraz pelos vinhos mais premium do país andino.
Becerra diz que a China exemplifica o trabalho do país andino de vender vinhos de maior valor agregado. O valor médio da caixa de 9 litros, o equivalente a 12 garrafas, dos vinhos chilenos despachados para a China é de US$ 32,70. Para comparar, o Brasil paga US$ 22 pela caixa de 9 litros. O foco por aqui são os rótulos mais baratos.
É na fama dos vinhos premium que o Chile conseguiu se tornar o quarto maior exportador do mundo, atrás apenas da França, Itália e Espanha. É um feito e tanto para um país comprido e estreito, que atualmente é o maior exportador do chamado Novo Mundo, a frente de Austrália e África do Sul.
Para isso, conta com o trabalho não apenas da Viña Montes, que tem no Montes Alpha M, o seu rótulo mais badalado e que custa R$ 1.220, para moldar a imagem do país.
Um bom exemplo é o Almaviva, projeto que nasceu da parceria entre a gigante Concha y Toro, a maior vinícola do país, com o Château Mouton Rothschild, um dos premier grand cru classé de Bordeaux.
O vinho, que teve a primeira safra em 1998, é um marco de qualidade para o país, cobiçado pelos apreciadores de tintos mais sofisticados.
Outro exemplo é o Seña, um projeto de Eduardo Chadchik, que nasceu com uma parceria com o americano Robert Mondavi. Para divulgar seu vinho ícone, Chadwich criou o Cata de Berlin, uma degustação às cegas (sem saber qual rótulo está na taça) entre seus vinhos e grandes rótulos de Bordeaux e da Itália.
O empresário chileno se baseou no modelo do “Julgamento de Paris”, a degustação que colocou os vinhos californianos em destaque. Realizada em 1976 pelo especialista Steven Spurrier, então dono de uma badalada loja de vinhos em Paris, a prova foi vencida pelos americanos.
Chadwick contratou o próprio Spurrier para a prova com os seus vinhos. E correu o mundo com o projeto. A primeira degustação foi em Berlim, daí o seu nome. A segunda, em São Paulo.
A lista de grandes rótulos chilenos conta ainda com Don Melchor, vinícola premium da Concha Y Toro, e dos modernos Vik e Gandolini, entre outros. Juntos, mostram como os vinhos de qualidade foram importantes na construção da imagem do Chile vitivinícola.