Em algum lugar do além, no fim dos tempos. Este é o cenário de Afterworld: The Age of Tomorrow, um game, lançado no início de dezembro, que virou febre entre fashionistas. Nem tente encontrá-lo para jogar no PlayStation e muito menos no Xbox. Ele foi criado sob medida para a apresentação da coleção de inverno 2021 da grife de moda Balenciaga e está disponível no site videogame.balenciaga.com.
O game retrata um fictício 2031, no qual os jogadores percorrem uma jornada heroica, que começa em uma loja da marca e tem o caminho indicado por setas iluminadas. Passa, então, por ruas de uma metrópole em construção, por um submundo sombrio e por uma selva, em diferentes zonas de desafios e interações. Importante: as roupas dos avatares – com uma qualidade de imagem impecável – se transformam ao longo do trajeto.
A mensagem transmitida pelo diretor criativo Demna Gvasalia é a sustentabilidade, pois ele fala sobre o processo de envelhecimento da matéria-prima e a proposta de vestir algo por décadas, ressignificando as peças. Mas nesse “desfile”, as roupas acumulam outra função: oferecer orientações para o jogador sobre como se movimentar diante dos obstáculos.
Se por um lado as roupas ainda não tinham sido protagonistas de um game, por outro elas ganham uma importância crescente neste universo. “A maioria dos games tem uma área gratuita e outra cosmética, que é a paga. E ela está ganhando um poder cada vez maior. É um movimento aspiracional: o jogador compra a roupa para se diferenciar e postar nas redes, mesmo que ele não possa comprar na vida real”, diz Leo de Biase, cofundador da holding BBL, especializada em games, e-sports e entretenimento.
Chamados de skins, os looks dos campeões são assunto entre os praticantes de e-sports, como Animal Crossing: New Horizons e League of Legends (LoL, para os íntimos). E as marcas de moda estão cada vez mais ligadas nisso. Foi justamente este último o game escolhido no ano passado pela Louis Vuitton para uma parceria on/off-line.
Skins “prestígio” foram criadas pela marca para o LoL e, na vida real, roupas e acessórios ganharam esse tema nas mãos do diretor criativo Nicolas Ghesquière. Logo na sequência veio a Burberry com seu jogo online B Bounce, em que o objetivo era chegar até a Lua junto com o novo mascote da marca. O look do personagem? Burberry dos pés à cabeça, claro.
Essas parcerias acontecem em diversas frentes: existe a verba de mídia, que as grifes pagam para chegar à base de usuários dos desenvolvedores, pode haver um patrocínio de campeonato, como aconteceu com LV e LoL, tem o faturamento que vem da ‘venda’ da parte cosmética dos jogos e ainda os direitos autorais sobre os personagens que vão parar nas roupas das marcas.
A lista de grifes estreladas aproveitando esse nicho só cresceu em 2020 – ano em que, isolados fisicamente, muitos jovens mantiveram suas relações sociais jogando online. Em junho, a Gucci anunciou uma parceria com a organização de e-sports Fnatic, que reúne cerca de 15 milhões de fãs, na produção de um relógio, o Gucci Dive. Criado nas cores laranja e preta e com o logo do grupo, era limitado a 100 peças e custava £1150 (cerca de R$7.900).
Aqui no Brasil, a mesma Gucci fez uma parceria com uma startup unicórnio, a desenvolvedora de games para mobile Wildlife. A grife criou quatro linhas de roupas para o jogo Tennis Clash: duas para a personagem Diana e duas para Jonah. Com acessórios e roupas, a linha também pode ser comprada online, com link dentro do game, para que as pessoas possam usar as mesmas roupas de seus personagens no mundo offline.
Agora, todos os olhos estão voltados para o lançamento da vez: o Cyberpunk 2077, jogo estrelado pelo ator Keanu Reeves com ricos detalhes de cenário e vestimentas criados com tecnologia de última geração. Podemos esperar por um verdadeiro desfile de moda na plataforma. Longe dos teclados, a Adidas já anunciou uma linha de tênis – por enquanto apenas disponível em alguns mercados da Ásia.
São dois os principais motivos para as grifes de moda darem o start no universo gamer. O mais óbvio é o financeiro, afinal, este é um mercado que deve fechar o ano com faturamento de US$ 159,3 bilhões e reunindo 2,7 bilhões de jogadores, de acordo com relatório da Newzoo, empresa referência em análise de mercado de e-sports.
A preocupação das grifes em se manterem atuais e cool é outra razão. “As marcas estão buscando um caminho para se aproximar de um novo público, que em breve terá poder de compra. "Se eles não rejuvenescerem, vão vender para quem?”, indaga Lorena Mello Borja, pesquisadora de tendências.
Esse novo público, no caso, é a geração Z – a primeira composta por 100% de nativos digitais e que já representa 32% da população global (quase 2,5 bilhões de pessoas) e 20% da população no Brasil. “A geração Z é radicalmente inclusiva. Eles não fazem distinção entre amigos que fazem no mundo online ou offline”, diz a pesquisa “True Gen: como a geração Z impactará as empresas de bens de consumo”, realizada pela consultoria McKinsey.
Portanto, nada mais natural que, ao pensar em uma experiência de compra que encante esses jovens (90% dos quais são gamers, de acordo com pesquisa da Kantar), as marcas recorram ao universo dos games. Quem não faz isso, afinal, corre o risco de virar um camper* e pode até ser kicked*. Entendedores entenderão.
*Camper: jogador que fica parado e não ajuda o time
*kicked: banido do jogo
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