O que faz de “The Crown” uma das séries mais populares do momento? Com a quarta temporada, que apresenta Lady Diana Spencer como a futura princesa, o drama televisivo alcançou o total de 100 milhões de espectadores desde o seu lançamento na Netflix, em 2016.
“Lidamos com figuras incrivelmente conhecidas. E, vamos ser honestos, a realeza é sempre um assunto mais complicado para interpretar (na ficção)”, disse o criador da série, o inglês Peter Morgan, tentando explicar o sucesso e a polêmica que “The Crown” desperta.
Por mais que as temporadas anteriores tivessem abordado escândalos da família real, a quarta parece ser a que mais incomoda os membros da realeza britânica. Talvez por resgatar um período turbulento mais recente, como o que abrange o começo e o fim do relacionamento do Príncipe Charles e da Princesa Diana, a traição do príncipe com Camilla Parker-Bowles e a bulimia de Diana.
Aparentemente, o Príncipe Charles estaria descontente com a frieza com que ele é visto tratando a esposa na versão ficcional. Segundo publicações inglesas, os príncipes William e Harry também estariam incomodados com o modo “falso e simplista” com que os seus pais são “explorados” no drama.
Mas o público e a crítica aprovam. Na quarta-feira, 3 de fevereiro,“The Crown”, foi a série campeã de indicações ao Globo de Ouro. Na premiação da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Los Angeles, que será realizada no dia 28 de fevereiro, o programa disputará seis troféus.
Entre eles, o de melhor série dramática, o de melhor ator (com Josh O’Connor, no papel do Príncipe Charles) e o de melhor atriz, concorrendo duas vezes nesta categoria: com Emma Corrin, na pele de Diana, e Olivia Colman, como a Rainha Elizabeth II.
“Há algo de fascinante em usar a família real como avatar quando viajamos pelo passado, resgatando o que aconteceu desde a segunda metade do século 20 até hoje”, contou Morgan, por videoconferência. De sua casa, em Londres, o escritor e produtor participou de um evento online sobre a série, que teve cobertura do NeoFeed.
“A realeza nos faz conectar com os nossos pais e com os nossos filhos. E não somente na Inglaterra como nos outros países. E eu digo isso mesmo sem ser um monarquista”, afirmou Morgan. Ele também é conhecido como o roteirista de “A Rainha”, filme de 2006 que deu à atriz Helen Mirren um Oscar pela performance como Elizabeth II, na fase em que a governante lida com a morte de Diana.
“Em todo o mundo, a rainha é uma figura constante. É certamente uma das grandes figuras públicas há 70 ou 80 anos, o que faz dela uma espécie de tecido conectivo de todos nós internacionalmente ”, disse Morgan.
Ao mesmo tempo, quando colocado de lado todo o seu significado histórico, a série é “mais um drama familiar”, na visão de seu criador. “Para mim, os programas de TV de longa duração mais satisfatórios são aqueles que tratam de famílias. Como ‘Família Soprano’ (1999-2007) ou ‘Sucessão’ (que estreou em 2018).”
As disputas internas em uma família, sobretudo quando o que está em jogo é o poder, é “sempre uma alegria para um escritor”. “Os membros da realeza têm mesmos problemas de todas as famílias que incluem várias gerações e ainda outros, por eles terem responsabilidades específicas também”, afirmou Morgan.
Um tópico com potencial para desestabilizar qualquer família, como quem será o sucessor do chefe, fatalmente é exacerbado no clã de um monarca. Para Morgan, a relação entre a Rainha Elizabeth II e sua irmã, a Princesa Margaret (atualmente vivida por Helena Bonham Carter), é um exemplo disso na série.
“Margaret sempre se sentiu menor que a irmã, embora ela não fosse tão mais baixa que Elizabeth. Provavelmente isso tinha mais relação com o fato de Margaret ser a segunda na linha de sucessão. Ela precisava lutar para ser notada”, comentou o criador da série.
Para Helena, indicada pelo papel ao Globo de melhor atriz coadjuvante em série de TV, Margaret era mais do que “a imagem pública negativa” que projetava – sobretudo pela vida amorosa menos convencional que a da irmã.
Depois que seu relacionamento com Peter Townsend, um membro da corte, não foi aprovado (por se tratar de um divorciado), a princesa se casou com o fotógrafo Antony Armstrong-Jones, mas a união também resultou em divórcio, em 1978.
“Procurei ir além do que todo mundo pensa de Margaret na minha interpretação”, contou Helena, que também participou do evento online, por videoconferência. Para desvendar quem a princesa era, de fato, a atriz conversou com vários amigos de Margaret.
“Ela foi vítima de muito preconceito e de opiniões negativas. Mas era muito mais complicada do que muitos retratos que pintaram dela. Margaret tinha várias outras facetas pelas quais ninguém se interessava. Tudo o que é positivo, de certa forma, não ganha destaque nos jornais”, disse a atriz.
Helena chegou a conhecer Margaret, em um breve encontro ocorrido em 2000 – dois anos antes da morte da princesa, aos 71 anos. “Ela era realmente muito baixinha (com 1m55). Quando fui falar com Margaret, ela sabia quem eu era por ela ter conhecido o meu tio (Mark Bonham-Carter).”
A atriz lembrou exatamente o que a princesa disse ao encontrá-la: “Helena, você está melhorando na atuação”. “O comentário foi bem característico dela, de quem elogia e, ao mesmo tempo, coloca você para baixo”, contou Helena, rindo.