O investidor Wilson Rosa, sócio do fundo de private equity Advent, recebe diariamente, por volta das 7 horas da manhã, e-mails detalhados com diversos indicadores de algumas empresas nas quais atua no conselho de administração.
Nos supermercados Big, ele analisa dados de vendas por formato e região e sabe até a margem por categoria de produtos. Na rede de autopeças Fortbras, os dados mostram vendas por região e a posição de estoque. Na de chocolates Kopenhagen, as informações destacam o desempenho por lojas e franquias. “Quando algum dado sai da curva, ligo para o CEO da empresa para saber o que está acontecendo”, diz Rosa, ao NeoFeed.
Pode parecer que Rosa esteja microgerenciando as empresa nas quais a Advent investe – em especial, as da varejo, área na qual ele cuida no fundo de private equity. Mas esse é o estilo da Advent de investir e de gerir as empresas nas quais têm colocado seus cheques milionários (às vezes, bilionários), comprando, na maioria das vezes, participações majoritárias.
Aparentemente, até aqui, os resultados têm sido mais positivos do que negativos – vide a venda do Big (ex-Walmart no Brasil) por R$ 7,5 bilhões para o Carrefour no Brasil, na quarta-feira, 24 de março. O negócio aconteceu após um turnaround comandado pela Advent, que comprou 80% da companhia com o plano de investir R$ 2 bilhões até 2021.
Com a transação, estima-se que a Advent tenha tinha um retorno de quatro vezes o capital investido no Big. No caso da varejista Quero-Quero, que abriu o capital em agosto do ano passado, a empresa investiu R$ 300 milhões, em 2008, e levou R$ 1,96 bilhão no IPO, quando deixou o negócio. Apesar do retorno, nem tudo saiu como o planejado - a empresa está inaugurando a sua 400ª loja nesta semana, mas, no plano original. isso deveria ter acontecido no fim de 2013.
O NeoFeed conversou com Rosa para tentar entender o jeito Advent de investir e, principalmente, de gerir uma empresa. O investidor diz que não há uma receita de bolo, mas alguns princípios que permeiam todas as companhias nas quais o fundo aposta para obter um bom resultado.
Hoje, na área de varejo, a Advent tem participação em Fortbras, Kopenhagen, Allied (distribuidora de produtos de tecnologia) e Restoque, dona das marcas Le Lis Blanc e Dudalina, na qual mantém uma fatia de menos de 15%, embora não tenha mais assento no conselho de administração. Além do Big, no qual ficará com uma fatia de apenas 4%, quando o negócio for aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Desde que iniciou suas operações na América Latina, em 1996, a gestora americana aportou US$ 8 bilhões na região. Os negócios têm se concentrado em setores tradicionais e empresas maduras que atuam em varejo, educação, alimentação, saúde e financeiro.
A Advent conta três fundos em que pode aportar recursos no Brasil. Um deles é o Latin American Private Equity Fund VII (Lapef 7), captado em novembro do ano passado, que tem US$ 2 bilhões. A gestora também acabou de captar para o Advent Tech, com US$ 2 bilhões, para investir em empresas de tecnologia. E, por fim, há o fundo global, com US$ 19 bilhões – o Big recebeu recursos do fundo da América Latina e do global, por exemplo.
Confira a conversa com Rosa, organizada por tópicos:
1 – Grupo de elite
A Advent criou a figura do operating partner, um "grupo de elite" que atua em conjunto com a equipe do fundo para analisar investimentos, definir planos e, depois, ajudar na gestão ou atuar no conselho de administração. “Eles são mais do que consultores. Eles têm o papel de dono junto com a gente”, afirma Rosa.
Entre as pessoas que atuam como operating partner da Advent estão Luiz Antonio de Carvalho, ex-CEO da C&A, que participou da transação da varejista de construção e eletrodomésticos Quero-Quero. O executivo também atuou nos negócios do grupo de educação Kroton (hoje Cogna) e no do Fleury. Nos três, contribuiu com sua visão de expansão.
No grupo de elite do Advent está também Flávio Jansen, fundador da varejista virtual Submarino, que participou em transações como Quero-Quero, Cetip, Estácio, IMC e Allied. Outro nome é Alberto Carvalho, ex-presidente da empresa de bens de consumo P&G, que ajudou na due dilligence da Kopenhagen.
“Ele tem visão de marca”, afirma Rosa. “Ele nos ajudou a mapear a força da Kopenhagen e como poderíamos usar a marca para crescer de forma mais rápida.” Hoje, Carvalho atua no conselho de administração da empresa.
2 – Tirar mais do mesmo
É claro que expandir os pontos de vendas é essencial. Mas, antes de crescer, a Advent investe para aumentar as receitas das lojas existentes.
“Sempre focamos muito em criar um plano de vendas nas mesmas lojas”, diz Rosa. No Big, o plano foi converter hipermercados em pontos de atacarejo sob as marcas Sam's Club e Maxxi, que tem um volume de vendas maior. No total, mais de 100 lojas foram reformadas de um total de 387,
Além disso, a Advent aumentou o sortimento de produtos em 35% e apostou em itens regionais no Big para aumentar as vendas. “Se você vai numa loja de Recife, o mix de produtos é diferente da loja de Salvador, São Paulo, Curitiba ou Florianópolis”, afirma Rosa. “O Walmart tinha os fornecedores nacionais.” Resultado: as vendas nas mesmas lojas reformadas aumentaram em mais de 20%.
3 – Abrir lojas, mas com rentabilidade
O plano da Advent não se restringe a apenas aumentar o resultado das vendas nas mesmas lojas. Ele inclui também uma estratégia agressiva de expansão. Na rede autopeças Fortbras, por exemplo, o número passou de 15, em 2016, para os atuais 150.
Mas há algumas regras nessa estratégia. A principal delas: a nova loja precisa dar resultado em menos de seis meses. “A gente acredita pouco nesse negócio de abrir loja que fica um ano e meio sangrando para depois ser lucrativa”, afirma Rosa.
Outra regra é o tempo de retorno do investimento, que precisa voltar para o bolso da Advent em até quatro anos. “Na Quero-Quero, voltava em dois anos e meio. No Big, está voltando em três anos e meio”, diz Rosa. “Essa é uma fórmula que usamos em todos os varejistas.”
4 – Varejo com retorno
O varejo bom é aquele que vende, certo? Com certeza. Mas, no caso da Advent, a lógica é que cada venda precisa ter retorno. “Não vou abrir primeiro a loja que vende mais. Mas sim a que vai se pagar mais rápido e que vai dar melhor retorno”, avisa Rosa.
A Advent atua também para reduzir o capital de giro através da redução dos estoques. No caso do Big, foi economizado R$ 1,5 bilhão em capital de giro com a redução do estoque. “Mas não faltou produto nas gôndolas”, diz Rosa. “Como começamos a gerir o negócio para dar retorno, você começa a ser mais criterioso.”
5 – Gente certa no lugar certo
Não há uma regra para a formação dos times que vão tocar as operações sob a gestão da Advent. No caso da Kopenhagen, o fundo não fez alterações na equipe que estava à frente da empresa, mantendo Renata Moraes Vichi como CEO. “A empresa estava voando e a Renata deve ser a pessoa que mais conhece de chocolate no Brasil. Por que eu vou trocar?”, pergunta Rosa.
No caso do Big, a situação foi totalmente diferente. “Pisamos no Big com um plano do que fazer”, diz Rosa. “Dos 12 diretores, 11 deles foram trocados.” A operação ficou sob os cuidados de Luiz Fazzio, ex-CEO do Carrefour no Brasil, escolhido para tocar a operação desde o primeiro dia. “Precisávamos dar um choque cultural na empresa”, argumenta Rosa, sob as mudanças na rede varejista.
6 – Ativo bom não é ativo em crise
De acordo com Rosa, não é verdadeira a afirmação de que a Advent busca ativos em crise financeira para que possa recuperá-los e vendê-los por um bom preço (sem trocadilhos). “O pessoal fala muito que o Walmart era um caso perdido. Na verdade, não era”, afirma o sócio da Advent.
Ele reconhece que o Walmart passava por dificuldades, mas tinha um Ebitda positivo, porém pequeno (na época da compra, era de R$ 127 milhões e quando foi vendido, R$ 928 milhões). Além disso, a rede varejista tinha boas e reconhecidas marcas, como o Bompreço e o Sonae.
O alvo da Advent, segundo Rosa, são empresas rentáveis, geradoras de caixa e que estejam crescendo de 20% a 30% anualmente, como foram os casos de Kopenhagen, Fortbras e Allied. Com a gestão do fundo, a meta é aumentar essa taxa de expansão para 50% a 70%. “Investimos em negócios que são bons, com boas pessoas e criamos métodos que viabilizem que cresçam em nossas mãos”, afirma Rosa.
7 – Saiba que nem sempre dá certo
Apesar desses princípios para gerir um negócio do varejo, nem sempre a receita dá certo. Esse foi o caso da Restoque, dona das marcas Le Lis Blanc e Dudalina. “Foi uma pena. Era um bom negócio. Mas uma crise gerou uma instabilidade societária e a empresa sofreu”, diz Rosa. “Saímos da gestão e o negócio foi tocado de uma forma que não deu certo.”
A companhia sofreu com a crise econômica a partir de 2015 e com conflitos entre a visão de investidores, como a própria Advent e a Warburg Pincus, e os fundadores das marcas adquiridas pelo grupo. Hoje, a Restoque está em recuperação extrajudicial e está renegociando uma dívida de R$ 1,4 bilhão. A Advent diz ter uma fatia menor do que 15%.