Nos últimos anos, as marcas francesas Citroën e Peugeot foram como irmãs siamesas no Brasil. Pertenciam à mesma montadora, a PSA, tinham um comando centralizado e até o mesmo posicionamento. Resultado? Até as vendas eram as mesmas. Em 2020, a diferença foi de apenas um carro: 13.477 para a Peugeot e 13.476 para a Citroën.
Com esse desempenho, Peugeot e Citroën amargaram o 13º e o 14º lugar, respectivamente, do mercado brasileiro, com uma participação de 0,7% cada uma. Um resultado bem distante de 2011, quando ambas estavam entre as 10 marcas mais vendidas do País e detinham, somadas, uma fatia de 5,1%.
Mas isso vai mudar. Agora sob o comando do grupo Stellantis, fusão entre FCA e PSA, a Citroën vai começar a se “separar” da Peugeot no mercado brasileiro. E, pela primeira vez em sua história, terá um posicionamento mais próximo de seu DNA de inovação no Brasil.
Na semana passada, o presidente da Stellantis na América do Sul, Antonio Filosa, disse que as duas marcas terão um posicionamento diferente. A ideia é usar uma estrutura parecida com a que havia na FCA para as marcas Fiat e Jeep.
Em resumo: Citroën e Peugeot passam a ter uma pessoa responsável pela marca, respondendo diretamente a Filosa. Vanessa Castanho assumirá a Citroën. Já Felipe Daemon comandará a Peugeot. Ana Theresa Borsari, que era a responsável por Peugeot e Citroën no Brasil, foi deslocada para uma operação de experiência digital na França.
A escolha dos nomes já dá pistas de como atuarão Citroën e Peugeot no Brasil. Vanessa Castanho trabalhou 23 anos na Renault, marca francesa que conquistou mercado ao se posicionar em um segmento mais popular. Agora, ela terá uma missão semelhante: tornar a Citroën mais acessível a todos. Felipe Daemon, por sua vez, passou os últimos dois anos cuidando de picapes e comerciais leves da Fiat. A Peugeot, em breve, terá uma nova picape, a Landtrek.
A diferenciação das marcas francesas não será um trabalho simples. Quando a antiga PSA assumiu a operação conjunta de Peugeot e de Citroën no Brasil, em 2000, o posicionamento estava invertido. Na França e em todos os outros mercados do mundo, a Peugeot sempre foi a marca premium do grupo. A Citroën sempre atuou em segmentos mais populares.
No Brasil, entretanto, era o inverso. Isso porque a Citroën chegou pelas mãos do importador Sergio Habib (atual CEO da JAC Motors), que levou sua experiência de importador da Jaguar para a Citroën e lançou-a como marca premium.
A missão de Vanessa Castanho será reposicionar a marca Citroën no Brasil. E ela já terá de mostrar o seu cartão de visitas com o Citroën C3, um hatch compacto que poderá ser apresentado já em sua configuração Aircross como um crossover (mistura de hatch com SUV).
O Citroën C3 usará a mesma plataforma do Peugeot 208 e também será produzido em Porto Real (RJ), mas não será um hatchback aspiracional, com versão elétrica, mas sim um veículo capaz de brigar com Volkswagen T-Cross, Nissan Kicks e Chevrolet Tracker, estrelas do segmento.
É bastante provável que ele siga a linha do C4 Cactus, que é hatch na França e crossover no Brasil. Uma fonte da Stellantis informa que o nome ainda não está definido. Pode ser C3 Aircross, C3 Cactus ou até mesmo C3X, já projetando uma semelhança com um novo produto inovador da marca, o C5X.
Algumas diferenças entre Citroën e Peugeot, já praticadas na França, devem ser adotadas no Brasil. Um exemplo é o inédito Citroën C5X, uma mistura de SUV com station wagon que não tem similar na linha Peugeot. É um carro familiar que reforça a tradição da Citroën de lançar produtos inovadores, como o Traction Avant (anos 1930), o 2CV (após a Segunda Guerra Mundial), o DS (anos 1950) e o Xsara Picasso (anos 2000).
No futuro, a Citroën pode trazer para cá algumas de suas apostas francesas, como o microcarro Ami, que é 100% elétrico. O nome (amigo, em francês) faz referência a um modelo de sucesso da Citroën nos anos 1960 e 1970. Mas o novo Ami é uma espécie de Romi-Isetta, com apenas dois lugares. Há inclusive um Ami Cargo, para entregas rápidas dentro da cidade.
O Citroën Ami tem apenas 2,41 m de comprimento e um motor elétrico de 6 kW (8 cavalos). Ele atinge no máximo 45 km/h e, por isso, pode ser conduzido por qualquer pessoa a partir de 14 anos, segundo a Citroën. O carrinho tem o mesmo design na frente e atrás e é difícil saber se ele está indo ou voltando -- o que muda são as luzes (faróis ou lanternas).
Com uma enorme tradição em corridas de rali, com vários títulos mundiais, a equipe de Vanessa Castanho discute se deve explorar a tradição da Citroën nessa categoria automobilística, dado o desinteresse do público brasileiro pelas corridas em estradas de terra.
Vale lembrar que a japonesa Mitsubishi há 30 anos explora a equação rali = terra = aventura = off-road = SUV. Porém, a Mitsubishi não é uma marca generalista e popular, como pretende ser a nova Citroën, que finalmente se separará da sua irmã siamesa Peugeot.