Na América Latina, o céu é o limite para a Stellantis, fusão da FCA (Fiat Chrysler) e PSA (Peugeot Citroën), que deu origem à quarta maior montadora do mundo. Quem deu a dica foi o próprio CEO global da Stellantis, o português Carlos Tavares, durante uma entrevista nesta quinta-feira, 11 de março, da qual o NeoFeed participou.

Tavares esteve na fábrica da Stellantis, em Goiana (PE), ao lado do COO da América Latina, Antonio Filosa. Na conversa, o chefão da Stellantis explicou como será a estratégia da empresa para a América Latina.

“O plano de sinergias que nos foi apresentado pelo Filosa é superior àquilo que representava nossas expectativas do plano global”, afirmou Tavares. “Há mais ideias, há mais oportunidades do que aquelas que podíamos observar a partir de Paris ou de Turim. Lá de longe não se vê tão bem como de perto.”

Globalmente, a Stellantis tem 14 marcas de automóveis: Fiat, Jeep, Chrysler, Dodge, Ram, Peugeot, Citroën, DS, Opel, Vauxhall, Maserati, Alfa Romeo, Lancia e Abarth. Segundo Tavares, não há intenção de descontinuar nenhuma delas, mas todo o poder foi dado ao chefe de operações regional.

“Os patrões das regiões têm autoridade da minha parte para decidir o que vão utilizar em tal e tal marca, em tal e tal sítio (lugar)”, explicou Tavares. “Se ele achar que dessas 14 marcas, algumas devem focar em um ou dois mercados específicos, enquanto outras marcas vão brigar em outros mercados, a decisão é do patrão da região. Ele tem essas 14 marcas e pode decidir qual é a melhor estratégia em função dos mercados em que está. Ele pode usar uma determinada marca em uma região e utilizar as outras em outro lugar.”

No Brasil, a Stellantis produz carros de quatro marcas em três fábricas: Jeep em Goiana; Fiat em Betim (MG) e Goiana; Peugeot e Citroën em Porto Real (RJ). O CEO global disse que esse conceito de produção acabou. “Não há ligação entre uma marca e uma fábrica”, disse Tavares. Segundo ele, qualquer fábrica da Stellantis pode produzir automóveis e motores para qualquer uma das marcas “desde que haja uma lógica industrial”.

A lógica é aumentar a produção para negociar melhor com os fornecedores e reduzir custos. Além das marcas com produção nacional, a Stellantis importa veículos das marcas Ram, Dodge e Chrysler para o Brasil. O dono da bola é Antonio Filosa. Na prática, ele tem o mapa da América Latina aberto em sua mesa e pode decidir quais marcas devem atuar onde. Inclusive pode trazer marcas da Europa.

Seria possível ter um Mobi (carro da Fiat) com logotipo da Citroën? Sim. Ou uma Landtrek (picape da Peugeot) com logotipo da Fiat? Sim. Não há limites. O limite, claro, é estabelecido pela margem. “Se não houver lucro, não há futuro, este é o primeiro critério”, disse Tavares. “O segundo critério é o crescimento da cota de mercado e o terceiro é a satisfação do cliente do ponto de vista do produto e do ponto de vista do serviço.”

Tavares veio ao Brasil para uma visita de três dias. Conheceu a fábrica de Betim, onde começa a ser produzida uma nova família de motores turbo. Depois foi a Goiana. Disse que saiu de lá impressionado com o que viu. E, apesar das dificuldades, afirmou estar empolgado com o mercado da América Latina, que vê em forte crescimento tão logo a crise sanitária seja superada pelos países da região.

“A operação na América Latina é uma maravilha, pois aqui temos tudo: design, engenharia, logística, compras, fabricação, marcas, concessionárias.” É isso que dá a Filosa uma enorme autonomia. Até porque na região, ao contrário da Europa, a companhia não sofre forte pressão dos governos pela introdução acelerada de carros “emissão zero”, ou seja, 100% elétricos.

Tavares disse ainda que a pressão sobre as montadoras é gigante na Europa e que, por causa disso, haverá um custo social. “Não temos medo de mudança, mas isso necessita de um certo tempo”, afirmou.

Segundo o chefão da Stellantis, na Europa, não houve diálogo e os fabricantes de carros estão correndo para trocar totalmente uma tecnologia que teve apoio dos governos europeus durante 20 anos ou 30 anos. Assim, muitos fabricantes terão aumento de 40% nos custos, por causa das baterias que alimentam os motores elétricos.

Antonio Filosa é responsável pela operação da Stellantis na América Latina

Em sua visão, “não há qualquer dúvida” de que o Brasil e a América Latina entrarão no mundo dos carros elétricos. Mas, por estar atrasada em relação à Europa, a região deve oferecer melhores condições às montadoras. O executivo português disse que a região deve buscar uma tecnologia que seja segura, limpa e que os consumidores possam comprar. Hoje, isso não ocorre, pois o preço dos carros elétricos é altíssimo.

“O custo de um veículo elétrico é muito elevado”, disse Tavares. “Se ele é muito caro, o público não compra. Se o público não compra, é preciso reduzir o preço, mas, se for barato, não dá lucro. Nosso desafio é fazer com que os veículos elétricos sejam rentáveis com preços próximos aos dos veículos convencionais.”

E prosseguiu: “Se os carros elétricos forem reservados a uma pequena elite, o volume será pequeno. E se o volume for pequeno, não terá impacto ambiental”, disse Tavares.

Da mesma forma, o CEO da Stellantis disse que a falta de componentes que está prejudicando a produção de algumas fábricas atualmente é um problema que só poderá ser resolvido pelos governos de cada região.

Atualmente, todas as compras de semicondutores de fibra óptica, que equipam os chips eletrônicos dos carros, são realizadas em fábricas da Ásia. Segundo Tavares, os custos seriam menores se houvesse uma unidade de semicondutores em outra região do planeta. A indústria automobilística, no entanto, não tem capacidade de arcar com esse investimento, que seria altíssimo.

Em relação ao mercado em 2021, que pode ter mudanças no posicionamento das marcas e fabricantes, Tavares disse que a falta de componentes vai durar o ano inteiro. “Quem vai ganhar é quem for mais forte para comprar e mais ágil para encontrar soluções”, comentou.

É aí que entra Filosa e o time da América Latina. Tavares, entretanto, deixou claro uma coisa: o produto não pode perder qualidade. “Estou há 40 anos na indústria de automóveis. Há sempre coisas que podem melhorar. Nossos consumidores querem sempre mais segurança, mais conforto e mais performance por um preço cada vez menor.”