O mercado de renda fixa no Brasil cresceu exponencialmente nos últimos anos. O estoque do crédito privado soma cerca de R$ 6 trilhões. Porém, a negociação desses títulos parou no tempo e continua sendo realizada de forma analógica. Até agora, não havia um ambiente eletrônico para compra e venda desses papéis.

Mas esse mercado está a poucos cliques de mudar. A SL Tools foi credenciada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na noite de terça-feira, 8 de julho, para atuar como mercado de balcão organizado em crédito privado.

Com aval da área técnica da autarquia, o presidente João Pedro Nascimento, a diretora Marina Copola e o colegiado da CVM deferiram o pedido de autorização para a fintech de André Duvivier. E quebraram uma barreira de quase 40 anos - o último ambiente de negociação e registro de renda fixa privada havia entrado em operação em 1986, quando a antiga Cetip foi criada.

“Esse é o resultado de três anos de construção junto à CVM. É uma licença super importante porque é um chassi regulatório, que está no mesmo nível regulatório da camada de mercados organizados. Então, é bolsa e balcão”, diz Duvivier, CEO da SL Tools, ao NeoFeed. “A plataforma está 100% pronta, aguardando agora a ata da CVM com a instrução operacional”, complementa.

A plataforma de renda fixa da fintech permitirá que investidores institucionais negociem ativos de crédito privado em um ambiente eletrônico como acontece com a compra e venda de ações. Tanto os preços de ativos IPCA indexados à curva de juros como a conexão com a clearing acontecerão em tempo real.

Para o investidor de varejo, a mudança será sentida através dos bancos e corretoras. Uma instituição financeira, por exemplo, poderá conectar-se via API e oferecer preços dinâmicos em tempo real para seus clientes, similar ao que acontece com a renda variável.

“A tecnologia vem para contribuir justamente no momento em que o mercado cresceu muito. Para você ter ideia, hoje são milhares de tickers de debêntures, CRAs e CRIs que são negociados. Há 15 anos, eram 30 tickers. Hoje, são 10 mil”, diz Fernanda Crivelenti, head de renda fixa da SL Tools. “É inviável o mercado ficar rodando e distribuindo planilha de excel com um monte de ticker, e de preço para negociar”, complementa.

No início de julho, a nova plataforma da SL Tools passou a disponibilizar os chamados ativos bancários, como CBDs, Letras Financeiras (LFs), LCAs, LCIs e LIGs. A partir dessa autorização da CVM, estarão disponíveis debêntures, CRA e CRIs e outros títulos privados.

Um mercado trilionário

O timing para entrar no crédito privado não poderia ser melhor. De janeiro a maio deste ano, houve um total de R$ 246,4 bilhões em emissões. Segundo dados da Anbima, em 2024 o segmento captou R$ 783,4 bilhões em 2024, com as debêntures liderando com R$ 473,7 bilhões.

No mercado secundário, o volume negociado de debêntures em 2024 chegou a R$ 707,6 bilhões, o maior patamar da série histórica, com um crescimento de 59,2% em relação a 2023.

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André Duvivier, CEO da SL Tools

O mercado de crédito privado movimenta cerca de R$ 6 trilhões em investimentos brasileiros. Para se ter uma ideia da sua importância, a indústria de fundos já tem mais dinheiro nesses ativos do que em ações.

O percentual do patrimônio dos investidores institucionais alocado em debêntures mais do que dobrou nos últimos 4 anos, saindo de 4% em dezembro de 2020 para quase 9% em maio de 2025, atingindo a marca de R$ 640 bilhões e superando o montante de ações, na série publicada pela Anbima.

"Tem mais dinheiro da indústria de fundos hoje investido só em debênture do que em ações. Só que as ações negociam R$ 29 bilhões por dia e o crédito privado negocia R$ 2 bilhões", afirma Duvivier.

A expectativa da fintech é que a negociação de crédito privado possa multiplicar por até cinco vezes, aproximando-se dos níveis proporcionais do mercado de ações.

A discrepância revela o potencial inexplorado. Enquanto o mercado de ações movimenta volumes proporcionais ao investimento, o crédito privado permanece travado por processos analógicos que limitam a liquidez.

Do excel ao algoritmo

A entrada da SL Tools no mercado de renda fixa privada ganha ainda mais relevância quando se considera a trajetória da fintech. A empresa já provou que pode desafiar monopólios estabelecidos.

Em fevereiro de 2024, quebrou o domínio de mais de uma década da Cetip Trader, da B3, no mercado secundário de títulos públicos, que movimenta cerca de R$ 100 bilhões por dia, quando os nove maiores dealers do Tesouro Nacional votaram para incluir uma segunda plataforma de negociação.

A SL Tools vem processando entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões por dia nesse mercado - um volume que multiplicou por sete apenas em 2025. E tem mais de 100 instituições, incluindo todos os grandes bancos brasileiros e internacionais, operando com a plataforma.

"Andamos 28 anos em dois anos, ou seja, saímos do mercado de telefone e chegamos em algoritmo de negociação”, afirma Duvivier.

Os avanços da tecnologia trouxeram resoluções de problemas impossíveis ao telefone, como funcionalidades avançadas como dark pools - negociações anônimas que escondem quantidade e preço de grandes lotes e evitam distorções de preço em grandes lotes.

Nativa digital, a SL Tools foi criada por Duvivier, um ex-trader da Merrill Lynch e Bank of America (BofA), e por Ricardo Miraglia, um ex-executivo da então Bovespa.

Em sete anos de operação, eles atraíram apenas três investidores - um anjo e uma rodada seed. No fim do ano passado, abriram uma nova rodada e captaram com ex-conselheiros da B3 e ex-executivos do Banco Central (os valores e os últimos investidores são sigilo).

Todos, porém, têm uma característica em comum: são estratégicos e conhecem o mercado financeiro. Foi assim com Luiz Fernando Figueiredo, chairman da JiveMauá, que foi o primeiro investidor da empresa.

Em seguida vieram a 2TM, fundo de venture capital do Mercado Bitcoin, e a Parallax Ventures, que tem entre os sócios ex-executivos da BM&F, a antiga bolsa de mercadorias e futuros.

"Esse segundo semestre vamos colocar tudo o que estava no plano. Para o investidor, é uma fase de colheita de um movimento que plantamos alguns anos atrás", diz Duvivier.

“A SL Tools está numa trajetória de rerate. Era um risco regulatório, que estamos conseguindo lidar. Estamos com a empresa em um momento importante de de-risking do projeto: tem licença, tem produto, tem clientes, então liga esses motores todos”, complementa.