Após conquistar um espaço nobre na renda fixa, a SL Tools quer avançar sobre outros ativos do mercado financeiro. E a fintech de André Duvivier tem um objetivo maior: encarar a B3 com o lançamento de uma nova bolsa de valores.

Nas contas dele, isso não deve demorar. A SL Tools está em processo de certificação com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para se tornar um mercado de balcão organizado. Após a licença, que pode sair ainda neste primeiro semestre, a fintech vai solicitar a certificação como bolsa.

É bom que se diga que há outras licenças concedidas pela CVM para mercado de balcão organizado, mas nenhuma tem a especificação de permitir a negociação de valores mobiliários como feita pela SL Tools.

“Há 30 anos, o Brasil tinha 13 bolsas, mas com a consolidação ficou com apenas uma, a partir de 2017. É preciso reverter esse quadro”, diz Duvivier, cofundador e CEO da SL Tools, em entrevista ao NeoFeed.

Ele se fia em dois dados para defender a ampliação de participantes no mercado brasileiro. Nos Estados Unidos, há 16 bolsas de valores e 33 balcões organizados; e a Índia, que passou a ser o quarto maior mercado de ações do mundo no início deste ano, tem 21 bolsas regionais, com duas nacionais.

A tentativa de criar um concorrente para a B3 é antiga e, até aqui, sem sucesso. Talvez quem tenha chegado mais próximo tenha sido a empresa de tecnologia de negociação eletrônica de ativos financeiros Americas Trading Group (ATG), que foi vendida para o Mubadala Capital no início do ano passado.

Mas a primeira mudança alcançada pela SL Tools, que foi criada em 2017 para resolver o problema de operações em tempo real no aluguel de ações, aconteceu na renda fixa.

Desde quarta-feira, 14 de fevereiro, os dealers do Tesouro Nacional começaram a apregoar (termo que indica que um operador quer divulgar a sua intenção de realizar a compra ou a venda de um ativo) títulos públicos no mercado secundário pela plataforma da SL Tools.

Há mais de uma década, apenas uma plataforma eletrônica recebia essas ofertas no pregão dos títulos públicos do Tesouro Nacional no mercado secundário: a Cetip Trader, da B3.

Mas, no início de fevereiro deste ano, os nove bancos (Bradesco, BTG Pactual, Banco do Brasil, Santander, Votorantim, Bank of America, Caixa, Goldman Sachs e Itaú Unibanco), responsáveis pelo maior volume de negociação, votaram e decidiram que a incumbente desse mercado teria concorrência.

“Grandes mudanças estão acontecendo no mercado e essa do mercado secundário de títulos públicos está no contexto de saída de um monopólio”, diz Duvivier. “A aprovação do Tesouro é uma certificação para nós.”

Atualmente, o mercado secundário de títulos públicos movimenta em torno de R$ 100 bilhões por dia. Desse montante, 93% é analógico (por telefone) e apenas 7% eletrônico - uma combinação estável há muitos anos. Nos mercados mais maduros, a negociação eletrônica ultrapassa 70% nos treasuries americanos e 60% nos bonds europeus.

Para se ter uma ideia, a SL Tools já chegou a receber 126 mil ordens em um único dia. Um montante impossível de se fazer com o viva-voz. E o volume financeiro médio diário negociado gira em torno de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões neste momento.

“Ao aumentar a capacidade de processamento de ordens por segundo e permitir a escalabilidade na negociação, poderemos ver a renda fixa negociando na mesma dinâmica do mercado de ações ou derivativos”, afirma Fernanda Crivelenti, head da área de renda fixa na SL Tools.

A tecnologia cria uma nova dinâmica nesse mercado, assim como uma segunda plataforma de negociação deixa o mercado mais eficiente e resiliente - o título público, que é o ativo livre de risco, sempre estará sendo negociado mesmo que um participante tenha instabilidade, por exemplo.

Com 70% de todo investimento anual (não revelado) direcionado para a área de tecnologia aprimorar e desenvolver novos softwares, a SL Tools já colocou em tela um dark pool, uma negociação anônima que esconde os lotes que comprador e vendedor têm.

Embora, à primeira vista, pareça algo obscuro, essa ferramenta tem como principal objetivo não criar grandes deslocamentos e distorções de preços em um ativo.

Se um ativo negocia de 10 mil em 10 mil e há uma ordem de compra de 100 mil, é natural que haja um desequilíbrio temporário entre oferta e demanda.

“O dark pool evita isso ao esconder a quantidade e o preço desses grandes lotes. O eletrônico traz resoluções de problemas impossíveis ao telefone”, diz Duvivier.

Neste momento, quase 100 instituições, entre eles os maiores bancos do Brasil e do mundo, já têm contrato com a fintech e muitos negociam pela nova plataforma. A expectativa é que, no fim deste ano, esse número fique entre 250 e 300 instituições - o que significa 90% dos clientes de renda fixa.

Vem novo sócio aí?

Neste momento, a CVM abriu uma consulta pública para discutir a mudança em um dos pontos da sua resolução 135 que limita a participação nas empresas que fazem parte do mercado organizado.

Bancos e corretoras, por exemplo, não podem ter mais de 10% do capital social de uma empresa. E um investidor precisa da aprovação da CVM para deter mais de 15%.

A tendência, na visão da SL Tools, é que os participantes do mercado possam ter uma fatia maior nos negócios. A Cetip, por exemplo, foi criada dessa maneira pelas instituições financeiras, com apoio do Banco Central.

“Uma fintech está sempre aberta a captar dinheiro. Um novo round pode acontecer com pessoas, um VC ou um dos participantes”, afirma Duvivier.

Nativa digital, a SL Tools foi criada por Duvivier, um ex-trader da Merrill Lynch e Bank of America (BofA), e por Ricardo Miraglia, um ex-executivo da então Bovespa.

Em seis anos de operação, eles atraíram apenas três investidores - um anjo e uma rodada seed (os valores continuam em sigilo). Mas todos têm uma característica em comum: são estratégicos e conhecem o mercado financeiro.

O primeiro investidor da empresa foi Luiz Fernando Figueiredo, chairman da Jive Investments. E mais recentemente a 2TM, fundo de venture capital do Mercado Bitcoin, aportou na empresa e trouxe profissionais experientes em negociação em bolsa. Junto com eles, a Parallax Ventures, que tem entre os sócios ex-executivos da BM&F, a antiga bolsa de mercadorias e futuros.