Morto aos 78 anos, em fevereiro último, Larry Flynt será sempre lembrado como o “rei da pornografia”. Afinal, o magnata americano construiu um império a partir da revista masculina “Hustler”, fazendo fortuna na indústria do sexo com a sua abordagem mais explícita e escandalosa.

Mas não é necessariamente o lado empreendedor de Flynt, um caso típico de “self-made man” nos EUA, que um documentário sobre a sua vida vai destacar. Dirigido por Nadia Szold, “Larry Flynt for President” coloca em primeiro plano a sua luta pela liberdade de expressão.

Com première mundial no próximo sábado, dia 12, em Nova York, durante o Festival de Tribeca (de 9 a 20 deste mês), o filme resgata mais precisamente a tentativa de Flynt de se candidatar à Casa Branca. Em 1983, ele lançou uma breve e improvável campanha para presidente brigando pela vaga de Ronald Reagan, como candidato pelo Partido Republicano.

“Nunca poderá haver paz na terra até aprendermos a respeitar o direito de existir das outras pessoas”, afirmou Flynt, um discurso feito durante essa campanha. “Você paga um preço por tudo. E o preço que pagamos para viver em uma sociedade livre é a tolerância. Você deve tolerar coisas das quais não gosta necessariamente”, continuou ele, no discurso revisitado no filme.

Montado a partir de imagens inéditas, o documentário segue os passos do milionário durante a sua campanha, na qual o ativista indígena Russell Means era seu vice-presidente. Em tudo o que fazia, Flynt deixava claro que sua inusitada candidatura era mais um grito de guerra contra as “forças do puritanismo e da hipocrisia” nos EUA.

“Larry Flynt for President” resgata um episódio de campanha em que o magnata teria comprado uma fita de vídeo comprometedora para atacar o adversário. O material teria sido fornecido por Vicki Morgan, a amante de Alfred Bloomingdale, um empresário que prestava assessoria a Reagan. Mas a fita com imagens de uma orgia com membros do alto escalão do governo, em que Reagan supostamente era perseguido por uma mulher, acabou desaparecendo.

Na época da campanha, Flynt já era dono de um império do sexo, que chegou a ser avaliado em US$ 150 milhões no seu auge. Além das publicações de conteúdo explícito, seus negócios envolviam publicações convencionais, clubes privês, um cassino, canais de TV adultos, produção e distribuição de filmes e mercadorias eróticas, entre outros.

Nada mal para quem teve uma infância miserável no Kentucky e conseguiu virar o jogo após abrir uma casa de striptease em 1965, em Ohio, na sua juventude. O Hustler Club (daí o nome da revista que veio depois) foi um dos primeiros clubes do gênero nos EUA.

Quando o magnata se lançou para presidente, ele já sabia que não tinha a menor chance de ser apontado como candidato pelo partido. Até por que ele queria concorrer pela chapa conservadora, a republicana, na qual Reagan almejava ser reeleito nas eleições de 1984, o que acabou acontecendo.

A candidatura do empresário, que via a “Playboy” como um conceito “desatualizado”, foi mais uma provocação de Flynt, muitas vezes em tom de sátira. O que ele queria mesmo era atacar Reagan, que tinha vencido as eleições de 1980 com o slogan “Let’s make America Great Again” (“Vamos fazer a América grande novamente”).

Por mais que Flynt fosse contra a política de Reagan, que estava acabando com os programas sociais, sua campanha para presidente foi mais um exemplo da sua cruzada pelo direito de expressão e pelas liberdades individuais. Algo que o acompanhou desde os anos 70.

No início de sua luta, o empresário obviamente defendia os próprios interesses, já que ele sempre sofreu muita perseguição, principalmente por parte de conservadores, desde que fundou a “Hustler”. Criada em 1974, a revista de sexo explícito logo despertou polêmica pelo conteúdo obsceno. Perto dela, as rivais como “Playboy” e “Penthouse” eram publicações até tímidas.

Para que a pornografia fosse não só aceita, mas encarada com naturalidade, Flynt recorreu à Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão e de imprensa. Foi assim que ele se defendeu das inúmeras acusações e das ações judiciais que sofreu ao longo da vida pelo conteúdo que produzia.

Mas a causa que abraçou quase custou a sua vida. Em 1978, quando era acusado de obscenidade no Estado da Geórgia, Flynt levou um tiro ao sair do tribunal, o que o deixou paralisado da cintura para baixo.

O milionário foi baleado por Joseph Paul Franklin, um defensor da supremacia branca que teria ficado ultrajado ao ver uma sessão de fotos da “Hustler”. A edição trazia cenas íntimas entre um negro e uma branca.

O incidente que o deixou na cadeira de rodas (que muitos afirmavam ser banhada a ouro) foi revivido na sua cinebiografia, “O Povo Contra Larry Flynt”. A produção realizada em 1996, pelo cineasta Milos Forman, destacou os principais confrontos que o empresário enfrentou na justiça – encarnado aqui por ator Woody Harrelson.

A mais emblemática das batalhas foi travada com o religioso Jerry Falwell. Depois que Flynt publicou uma paródia insinuando que o reverendo teria iniciado a vida sexual com a própria mãe, Falwell o processou por difamação. O caso foi parar na Suprema Corte americana que, em 1988, deu a vitória ao magnata, por considerar que a paródia representava, sim, a liberdade de expressão.