É atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan uma frase que ficou célebre. “No Brasil, até o passado é incerto.”
A venda da Oi Móvel, um negócio de R$ 16,5 bilhões, para os concorrentes TIM, Vivo e Claro é um exemplo do mais puro suco de Brasil, em que a insegurança jurídica e as confusões de última hora fazem qualquer investidor pensar duas, três ou até quatro vezes antes de investir no País.
Às vésperas de a venda ser analisada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá anular duas reuniões realizadas nos dias 28 e 31 de janeiro que trataram e aprovaram a venda da Oi Móvel por “vício de competência”. Os dois encontros foram presididos por Emmanoel Campelo, que não poderia ter exercido esse papel.
A anulação poderá acontecer depois de a própria agência já ter dado sua anuência prévia ao acordo de venda da Oi Móvel. Segundo fontes com as quais o NeoFeed conversou, a decisão de anular as reuniões não prejudica a venda da operação de telefonia móvel da Oi. “É um ato administrativo comum”, diz uma pessoa a par das negociações. “É só fazer uma nova reunião.”
Mas essa confusão promovida pela própria Anatel poderá não ter uma conclusão rápida. O prazo mínimo previsto pelo regimento interno da Anatel para a tramitação do recurso da Copel Telecom, controlada hoje pelo investidor Nelson Tanure, é de 30 dias.
“É importante registrar que, até que haja a decisão final sobre o citado caso, todos os atos praticados pela Anatel presumem-se legais e permanecem válidos”, informa uma nota da própria Anatel, divulgada na noite de segunda-feira, 7 de fevereiro, para tentar esclarecer a confusão.
A única certeza é que esse imbróglio cria uma cortina de fumaça que tumultua a venda da Oi Móvel, um passo considerado vital para que a Oi possa cumprir o prazo de 31 de março deste ano para sair da recuperação judicial. Em outras palavras: traz uma imensa insegurança jurídica ao processo.
Outro fator de alerta à Oi foi o parecer do Ministério Público Federal (MPF), motivado por uma representação da Algar Telecom, para que o Cade não aprove a venda da Oi Móvel. O procurador regional da República Waldir Alves encaminhou o documento três dias antes de reunião do conselho, que deve acontecer na quarta-feira, 9 de fevereiro, e que analisará o caso.
A Algar Telecom pedia uma investigação de uma possível prática de “gun jumping”, que é troca de informações concorrencialmente sensíveis, definição de cláusulas contratuais que impliquem uma integração prematura e a condução de certas atividades que caracterizem a efetiva consumação de ao menos parte da operação.
O argumento do MPF é que TIM, Vivo e Claro formaram um consórcio para a oferta de aquisição e que a compra aumentaria a concentração no mercado de telefonia móvel. Alves escreve ainda em seu parecer que os remédios propostos, inclusive pela Anatel, seriam ineficazes.
Em nota, a TIM defendeu que uma saída desordenada da Oi Móvel do mercado terá consequências caóticas para todo o sistema de telecomunicações, com impactos negativos para a competição, o consumidor e o avanço digital do país.
“Os remédios previstos pela Anatel, os que vierem a ser estabelecidos pelo ACC Cade, o êxito do leilão 5G e a intensa regulação setorial são garantias de um ambiente saudável de competição e investimentos”, informa o texto do comunicado da TIM.
Qual a saída para a Oi?
Não há nada de errado que concorrentes contestem a compra da Oi Móvel e aleguem que ela afeta a concorrência e os prejudica. Não são poucos os que acham que a venda da Oi Móvel para as três maiores empresas de telefonia do Brasil seja lesiva à competição.
Ao longo de todo o processo, muitas empresas e associações divergiram dos termos do acordo. Entre os contrários ao negócio estão a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp) e Neo, associação que reúne provedores de internet como Brisanet, Algar e Sercomtel, além de TVs por assinatura e fornecedores de soluções e equipamentos.
O que chama atenção é que tais medidas estão vindo à tona à beira do fim da recuperação judicial da Oi, quando há pouco tempo para manobras que evitem uma falência. “A Oi Móvel é um dos principais ativos vendidos. O que significa que a não conclusão dessa operação vai trazer dificuldades tremendas para a empresa”, diz uma fonte próxima a Oi. “Vai faltar a principal perna de seu plano de recuperação judicial.”
Vale lembrar: a venda da Oi Móvel já passou pelo crivo dos credores, do Juiz da Recuperação Judicial, da Anatel (que pode anular a anuência prévia sem anulá-la) e do Ministério Público do RJ, que acompanha a recuperação judicial da operadora.
A Oi fez um plano de reestruturação para vender diversos ativos e se transformar em uma empresa de banda larga fixa. Além da Oi Móvel, a operadora comandada por Rodrigo Abreu vendeu sua operação de fibra, rebatizada de V.tal, para fundos geridos pelo BTG Pactual por R$ 12,5 bilhões, em 2021. O negócio foi aprovado pelo Cade e falta ainda o sinal verde da Anatel.
A operadora de telefonia se desfez também de sua divisão de torres para a Highline, em um negócio de pouco mais de R$ 1 bilhão, em novembro de 2020. Naquele mesmo mês, a área de data center foi comprada pela Piemonte Holding por R$ 325 milhões.
Com a venda desses quatro ativos, a Oi arrecadou mais de R$ 30 bilhões, recursos que vão entrar para os seu caixa para a reduzir dívida e acelerar investimentos na área de fibra óptica residencial.
Remédios mais duros
Neste último ato da Oi Móvel, o Cade pode vetar a operação. Segundo apurou o NeoFeed, TIM, Vivo e Claro negociam com o Cade quais serão os remédios, em conversas que devem se estender ao longo desta terça-feira, 8 de fevereiro.
A tendência é o Cade não rejeitar o acordo, mas conselheiros do órgão têm indicado que podem ser mais duros nos remédios. Em especial, na questão sobre os acordos de uso de frequências.
Caso opte por não aprovar a venda da Oi Móvel, a pergunta que se faz é qual seria a alternativa da Oi? Haverá tempo para um novo leilão de venda? E, tão importante quanto, haverá interessados? O que será feito com os 41 milhões de consumidores que usam o serviço de telefonia móvel da Oi?
Um investidor que assiste de camarote essa confusão lembrou ao NeoFeed a venda da Embratel, no longínquo ano de 2004. A americana MCI, que controlava a empresa, recebeu duas propostas de compra: uma, de US$ 400 milhões, da mexicana Telmex (hoje Claro); e outra de US$ 550 milhões, do consórcio formado por três operadoras de telefonia fixa, Telefônica, Telemar e Brasil Telecom, e pela empresa Geodex.
No fim, a MCI decidiu pela menor oferta: a da mexicana Telmex. Na opinião da empresa americana, o consórcio de empresas brasileiras poderia ser questionado na Justiça por prejudicar a concorrência no mercado.
“Se a Oi tinha pressa, poderia ter optado pela opção acima do preço mínimo e a transação seria mais rápida”, afirma este investidor, referindo-se a oferta da Highline, que era acima do preço mínimo de R$ 15 bilhões, mas inferior a de TIM, Vivo e Claro. “Agora, precisa arcar com as consequências.”
A balbúrdia final da recuperação judicial da Oi, que começou em junho de 2016, com uma dívida de R$ 65 bilhões, está perto de chegar ao fim. Para o bem ou para o mal. É o mais puro suco do Brasil.