Aceita um digestivo? E lá vinha aquela garrafa decorada com os cálices para a mesa. O licor passou a ocupar um espaço bem diferente nos últimos anos e, em especial, na pandemia. Saiu da bandeja e foi para a coqueteleira. No ano passado registrou o recorde de importação dos últimos cinco anos, segundo dados da consultoria Product Audit.
A cultura da coquetelaria está na base dessa expansão. E, com a restrição de funcionamento de bares e restaurantes, foi preciso cultivá-la no happy hour doméstico. “Houve todo um esforço da indústria em incentivar as pessoas a fazer seus drinks em casa com aulas virtuais e, para isso, era preciso que fossem fáceis de executar”, explica a mixologista e consultora de bebidas, Néli Pereira.
Neste contexto, o licor se tornou um aliado essencial por ser adocicado e compor bem em várias misturas. Um coquetel em especial teria, segundo ela, ajudado a turbinar a categoria neste período. “O carajillo combina café com Licor 43 e gelo, nada complicado e com ingredientes que se tem em casa.”
Muitos destilados que estavam adormecidos, “despertaram com a força de um coquetel, como aconteceu antes com o aperol spritz e o gin tônica,” lembra ela. O Licor 43 já vinha ensaiando seu resgate há quatro anos quando passou a figurar nas baladas com o minibier, um shot servido numa canequinha com chantilly em cima (tudo para parecer um minichope). Mas o embalo veio mesmo com o carajillo.
“Não é uma invenção brasileira. Vem da Espanha, mas teve um boom no México. A estratégia é a simplicidade, o 1 para 1, uma dose de 43 e um café expresso, gelo”, explica Mauricio Leme, diretor da Aurora Fine Brands, importadora do Licor 43 que leva 43 ervas em sua composição.
“É também um coquetel muito versátil que pode ser consumido antes, durante ou depois de uma refeição ou numa conversa no meio da tarde e transita na casa e no bar”, diz ele. Para se ter uma ideia do potencial de combinações de licor e café, há até um campeonato mundial de 43 para incentivar novas criações.
O carajillo esteve na sustentação das estratégias da Aurora para o Licor 43 com reforço no varejo e deu resultado. “Crescemos três dígitos em 2021 em relação a 2020”, diz ele. Agora, a Aurora busca ampliar a importância do licor em seu portfólio com uma estratégia de drinks para o Villa Massa, um limoncello. Afinal, "enquanto todo o mercado de destilados aumentou 89%, a categoria licor cresceu 103% no ano passado”, destaca Leme.
Pelos dados da Product Audit, foram importadas 362 mil caixas de nove litros de licor em 2021, um crescimento de 98% em relação a 2020 e de 38% comparado a 2019.
A liderança é de Amarula que até novembro do ano passado já registrava um crescimento de 120% em volume. A marca já é consolidada, mas tem investido em inovação com novos sabores como Vanilla Spice e Ethiopian Coffe, este último lançado na pandemia.
Para rejuvenescer, ampliou as ocasiões de consumo com um milkshake no Bob's, e picolé e ovo de Páscoa com a Cacau Show. A estratégia do drink com café também figura na marca com o Amarula Iced Coffee.
“A pandemia, quando as pessoas ficaram integralmente em casa, foi exatamente a ocasião de consumo mais forte. Não só na coquetelaria, mas também com receitas gastronômicas pudemos oferecem momentos de descompressão para o consumidor”, diz Bárbara Ramos, responsável por Amarula na distribuidora Distell.
No caso de Baileys, o licor não só faz par em coquetéis com café, como entrou na cápsula, numa parceria com a 3 Corações. “Com os lançamentos da cápsula Baileys Supremo Macchiato, do bolo Baileys com a Sodiê e um plano robusto de ativação, a marca tem expandido e apostado na busca dos consumidores pela indulgência adulta”, diz Paula Lopes, head de drinks, gin e licores da Diageo.
Cointreau, outra marca símbolo da categoria, registrou melhor desempenho em 2021, com a retomada dos bares, quando importaram 25% acima de 2020. O coquetel de resistência, neste caso foi o Cosmopolitan, cuja receita original leva o licor. A marca investiu em uma semana inteira dedicada ao drink clássico, incentivando novas versões em bares de São Paulo.
“Fizemos um planejamento de importação muito afiado e acreditamos nos sinais de recuperação do mercado. Não deixamos de investir. Crescemos dois dígitos no ano passado e devemos ter dois dígitos este ano também”, diz Rafael Martins, gerente de destilados da Interfood, que importa o Cointreau.
O diferencial do licor neste fortalecimento da coquetelaria estaria também na própria identidade da bebida. “A vodca, por exemplo, não muda a personalidade de um coquetel. Já licores são em geral insubstituíveis na construção das receitas”, avalia Leme.
O gim na vice-liderança
Para estimular ainda mais as coqueteleiras caseiras, a Diageo patrocinou a minissérie em 13 episódios “Happy Hour com Mariana Ximenes”, exibida no GNT e na Globoplay. Apresentada pela atriz Mariana Ximenes, traz encontros e histórias por trás de drinks como Caipiroska, Gin Tônica, Old Fashioned, Rabo de Galo, Negroni, entre outros.
Com os mixologistas domésticos e a retomada dos bares, o consumo de gin que já era crescente também performou bem em 2021. Entre os importados o crescimento foi de 65% em volume, segundo a Product Audit. Pelos dados Nielsen, Tanqueray é a marca líder com mais de 1/3 do mercado em valor (34,3%). Gordon’s, outra marca da Diageo, assumiu a vice-liderança chegando a fatia de 12,8% em 2021.
Para navegar neste mercado, a Beam Suntory decidiu “atacar pelos flancos” com um gin mais acessível, o espanhol Larios, abaixo de R$ 100, porque “nesta faixa de preço o consumidor acaba optando pela vodca”, diz Walter Celli, presidente da Beam Suntory Brasil.
Na outra ponta investiram no sofisticado Roku, que foi trabalhado nos restaurantes de luxo japoneses “que deixaram de ser essencialmente vendedores de sakê e cerveja japonesa e abriram-se a essa tendência de coquetelaria.” Agora a companhia planeja trazer o Sipsmith, um London Dry Gin autêntico, o oficial de Wimbledon.
“Alguns hábitos adquiridos durante o período do ´fique em casa’ ainda vão prevalecer pois melhoraram a qualidade de vida das pessoas em seus lares. A preparação de drinks é certamente uma delas. Para 2022, nosso objetivo é seguir crescendo nosso portfólio premium próximo ao triplo digito”, diz Celli.
Entre os artesanais e nacionais, o gin Arapuru já se prepara para a primeira rodada de investimentos em que espera captar R$2 milhões para estrear na categoria ready to drink. A marca criada pelo eslovaco Mike Simko, cresce dentro de uma proposta de “capitalismo consciente” e de conexão com a cultura brasileira.
“2020 foi um ano bem difícil porque tivemos que mudar toda a empresa para estrear no varejo, afinal nosso principal canal eram bares e restaurantes. Foi uma longa negociação para entrar nas grandes redes como Carrefour. Nos recuperamos em 2021 e agora vamos lançar novos sabores e partir para a internacionalização.”
Sua coquetelaria privilegia os ingredientes nacionais de sua formulação, como o caju. A marca apoia, por exemplo, o projeto “Anjos do sertão”, que trabalha com mini empreendedores rurais do Piauí, na qual a cada duas garrafas vendidas plantam um cajueiro.
Os drinks propostos pela Arapuru também se inspiram na arte. O mais recente deles é o Malfatti (gin Arapuru, limão cravo, mexerica, xarope e espumante), uma homenagem a artista plástica Anitta Malfatti. A marca incentivou os consumidores reproduzi-lo em casa em comemoração à Semana de Arte Moderna de 22.