Muitos compradores dispostos a pagar preços estratosféricos têm movimentado o mercado mundial da arte neste ano, que se mantém superaquecido apesar da conjuntura econômica preocupante decorrente da guerra na Ucrânia. “Vimos performances extraordinárias no primeiro semestre”, ressalta ao NeoFeed Julien Pradels, diretor-geral da casa de leilões Christie’s na França.
A Christie’s, com sede em Londres, lidera esse mercado eufórico com os leilões de arte mundo afora. A companhia controlada pelo empresário francês François Pinault, dono do grupo de luxo Kering (de marcas como Gucci e Yves Saint-Laurent), faturou US$ 4,1 bilhões nos primeiros seis meses de 2022, o que representa crescimento de 17% na comparação com igual período de 2021, quando o mercado global de arte retomou os níveis de antes da pandemia de Covid-19.
Este ano marca o retorno das vendas presenciais, o que permite aos clientes admirar as obras antes dos lances. “Conseguimos em nível mundial, mas isso também vale para a França, a transição das vendas em transmissão ao vivo à distância para os leilões presenciais, mantendo, ao mesmo tempo, uma parte da vendas online, sobretudo para a Ásia, onde ainda há restrições ligadas à pandemia”, diz Pradels.
Mas apenas a volta das vendas físicas não explica o aquecimento do mercado. “É uma conjunção de fatores”, ressalta Pradels, acrescentando que há muita liquidez no mundo por conta da pandemia de Covid-19 (quando muitas fortunas cresceram por conta do desempenho das bolsas) e um maior interesse dos compradores em diversificar seu patrimônio.
Além disso, esse período em que pessoas ficaram em casa acabou levando muitos a querer embelezar suas residências, diz o diretor-geral da Christie’s na França. Um outro fator contribuiu para a performance considerável do mercado global de arte neste ano: a realização de leilões em Nova York, Londres, Paris e Hong Kong com obras-primas excepcionais, que valem vários milhões e atraem um público de colecionadores de perfil mais elevado no setor.
Em Paris, o leilão do coleção do costureiro Hubert de Givenchy, em junho, realizado pelo Christie’s, deixou o mercado mundial em ebulição. A venda, considerada excepcional também em razão do nome do proprietário das obras, reuniu 200 quadros de pintores antigos e modernos, de desenho de Picasso a telas de Miró, a uma centena de esculturas, além de inúmeros objetos e móveis raros. A receita ultrapassou 114 milhões de euros, mais do que o dobro da estimativa mais conservadora.
Neste leilão, foram batidos dezenove recordes de preços de móveis antigos, segundo a Christie’s. O principal lote, da escultura “A Mulher que Caminha”, de Alberto Giacometti, foi vendida por 27 milhões de euros, se tornando a obra mais cara vendida em um leilão na França desde o início do ano e também quebrando o recorde para uma obra do período surrealista do artista.
“A coleção Givenchy ultrapassou nossas expectativas. Sabíamos que o nome Givenchy tornaria essa venda excepcional, mas não esperávamos tamanho frenesi”, diz Pradels. Esse leilão atraiu mais clientes que já eram conhecidos, enquanto o da coleção Jacqueline Matisse Monnier, neta do pintor Henri Matisse, realizado em abril em Paris, atraiu 30% de novos clientes, acrescenta o diretor-geral.
Contribuiu para a performance da venda Givenchy vídeos filmados no apartamento parisiense do costureiro e em seu castelo de Jonchet, no Vale do Loire, difundidos no mundo todo, afirma Pradels. Mais de 10 mil pessoas foram visitar a coleção exibida antes do leilão. No primeiro dia, que reuniu grandes obras-primas, cerca de 1,3 milhão de pessoas acompanharam nas redes sociais a transmissão ao vivo da venda, realizada num importante teatro parisiense, com uma cenografia criada para dar uma dimensão ainda mais excepcional às obras.
Outra particularidade do leilão das obras de Givenchy foi a participação significativa de mulheres millenials da Ásia. Os millenials já representam cerca de um terço dos novos clientes da Christie’s em termos globais. Geralmente, diz Pradels, eles se interessam por objetos de moda de luxo, arte contemporânea, design e fotografia.
“Em Paris, mesmo se retirássemos a receita obtida com a coleção Givenchy, ainda estamos bem na frente dos nossos concorrentes, que também tiveram bons resultados neste semestre. Nós lideramos em todos os segmentos, todas as categorias do mercado da arte”, acrescenta Pradels.
A Christie’s também vendeu a obra mais cara leiloada neste ano: um retrato da Marilyn Monroe pintado por Andy Warhol, adquirido por US$ 195 milhões. Mas mesmo se o mercado se mantém de vento em popa, há uma incógnita em relação à clientela asiática, que vem desacelerando progressivamente. No primeiro semestre, a Ásia representou 22% das vendas globais da Christie’s, enquanto no mesmo período do ano passado ela chegou a 39%.
A rival Sotheby’s deve divulgar seus números no próximo mês, mas uma estimativa da ArtTactic aponta que as vendas de arte da casa de leilões americana atingiu US$ 3,2 bilhões no primeiro semestre, aumento de 12% em relação a igual período de 2021.
Um outro grande evento nesse setor, a feira de arte de Basel, na Suíça, considerada a mais importante de arte contemporânea e que reúne as principais galerias internacionais, mostra o dinamismo do mercado atualmente, com vários recordes batidos logo nas primeiras horas do evento, realizado em junho.
Uma escultura de Louise Bourgeois, realizada em 1966, representando uma aranha com altura de três metros, foi vendida por US$ 40 milhões, o maior valor já desembolsado em uma obra da artista