Grupo holandês que reúne os investimentos internacionais do fundo sul-africano Naspers, a Prosus já tem uma relação estreita com o Brasil, ao manter em seu portfólio participações em empresas locais como a Movile, holding de investimentos em companhia de tecnologia, a fintech Creditas e a Kovi, startup de carros por assinatura.

Agora, a companhia está reforçando seu apetite por negócios no País. Nesta sexta-feira, a empresa anunciou a compra da fatia remanescente de 33,3% que a Just Eat detinha no iFood, companhia dona do principal aplicativo de delivery de comida no mercado brasileiro.

O acordo envolve o pagamento de € 1,5 bilhão, em dinheiro, além de um valor adicional de até € 300 milhões. Na prática, os termos do negócio avaliam o iFood entre € 4,5 bilhões e € 5,4 bilhões (algo entre R$ 22,75 bilhões e R$ 27,30 bilhões).

Com a transação, a Prosus e a Movile, que já investia no iFood desde 2013, passarão a controlar integralmente a operação. Fundador do grupo brasileiro, Fabricio Bloisi é, inclusive, desde 2019, o CEO do aplicativo.

“Aumentar nossa participação para uma propriedade plena reflete nossa confiança no potencial de longo prazo do iFood. Estamos entusiasmados em continuar sendo um parceiro ativo e solidário do iFood, à medida que a empresa entra em sua próxima fase de inovação e crescimento”, afirmou, em nota, Bob van Dijk, CEO da Prosus.

Fabricio Bloisi acrescentou, no comunicado: “A Prosus tem sido uma parceira comprometida com o iFood e a Movile na última década. Estou muito feliz que eles continuem acreditando tão fortemente em nossa visão e capacidade de construir um negócio de sucesso.”

Ao “abocanhar” a participação remanescente do iFood e assumir 100% da operação, a Prosus reforça também seu cardápio de investimentos no setor de delivery. Hoje, seu portfólio global no segmento inclui empresas como a Delivery Hero, presente em mais de 50 países, e a Swiggy, que atua na Índia.

O iFood traz números relevantes para a mesa. Fundado em 2011, a empresa tem 330 mil restaurantes e 200 mil entregadores cadastrados em sua base, com um volume mensal de cerca de 70 milhões de pedidos e presença em 1,7 mil cidades.

Além da Prosus, da Movile e da Just Eat, a companhia já atraiu, em sua trajetória, aproximadamente US$ 2,1 bilhões em aportes, de investidores como a Warehouse e Innova Capital. Em 2018, a empresa entrou oficialmente no grupo dos unicórnios brasileiros.

Desde então, o iFood passou a ampliar seu escopo para outras áreas. Entre elas, a categoria de entregas de compras de supermercados e, mais recentemente, no segmento de benefícios. Mas é em seu negócio principal que a empresa deslanchou, de fato.

Essa evolução se traduz, por exemplo, na saída do Uber Eats do Brasil, em 2021. A decisão do braço de delivery de refeições da gigante americana Uber de deixar o País foi motivada, entre outros fatores, justamente por não conseguir competir com a rival local.

Tal domínio, no entanto, veio acompanhado por uma série de polêmicas. O aplicativo já esteve na mira, por exemplo, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que acusa o iFood de cobrar taxas abusivas e exigir exclusividade dos restaurantes cadastrados em sua base

De acordo com um levantamento feito pela Abrasel, em setembro do ano passado, o iFood tinha 80% dos restaurantes, enquanto Uber Eats aparecia com 24% e o Rappi com 18%. A soma das participações supera 100% porque alguns estabelecimentos trabalham com mais de um aplicativo.

Em 2020, como parte desse fogo cruzado, um grupo formado pela Abrasel e por rivais como Rappi e Uber Eats, registrou uma reclamação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) centrada justamente na questão da exigência de exclusividade nos contratos mantidos pelo iFood.

A denúncia motivou uma investigação por parte do órgão, ainda em curso, e que gerou, entre outras consequências, a publicação de uma medida preventiva impedindo o aplicativo de firmar novos contratos nesses moldes, em março de 2021.

Em entrevista ao NeoFeed, em janeiro deste ano, Tijana Jankovic, CEO do Rappi no Brasil, falou sobre a investigação em andamento no Cade, além de comentar a decisão do Uber Eats de deixar o País.

“É muito triste ver um competidor, um colega de jogo, sair desse mercado. É uma notícia relevante porque não é um player pequeno saindo, é um player global bem estabelecido tomando uma decisão como essa”, ressaltou. “Eles não estão mais nessa luta do Cade, mas nós continuaremos.”

Em meio a essa disputa, o anúncio desta sexta-feira renova o fôlego do iFood, ao mostrar a confiança da Prosus na operação. E o novo investimento ganha ainda mais importância dentro do contexto de alguns movimentos recente do grupo holandês.

No fim de junho desse ano, a Prosus e sua controladora Naspers anunciaram um programa de recompra de ações financiado por uma “venda ordenada” no mercado de capitais das ações da Tencent, gigante chinesa dona de aplicativos como o WeChat e na qual o grupo detém uma fatia de 28,9%, avaliada, na época, em US$ 134 bilhões.

Com a decisão de se desfazer da sua participação na Tencent, a Prosus descumpriu, na prática, uma “promessa”. Em abril de 2021, a holding embolsou US$ 14,6 bilhões ao vender parte de suas ações na empresa e se comprometeu a não realizar novas operações nessa direção até 2024.

No anúncio realizado em junho, a empresa informou ainda que captou cerca de US$ 3,67 bilhões com a venda da participação que mantinha na também chinesa JD.com, varejista virtual e principal concorrente do Alibaba no país da Grande Muralha.

Atualmente, a Prosus tem mais de 80 empresas em seu portfólio, em segmentos como finanças, turismo, educação e mídias sociais. Esse pacote inclui operações como a OLX, de classificados online, e a Udemy, plataforma americana de ensino online.

As ações da companhia estavam sendo negociadas com ligeira queda de 0,05% na Bolsa de Amsterdã nesta sexta-feira, por volta das 14h (horário local). A Prosus está avaliada em € 160,5 bilhões.