Os saudosistas dos anos 1980, que ainda têm um walkman em casa e se lembram dos bons tempos de ombreiras largas, cores fluorescentes, roupas inspiradas na febre da ginástica aeróbica e cintos bananas, poderão reviver esse período.

Uma exposição no museu das Artes Decorativas de Paris faz um mergulho nessa década que marcou uma reviravolta política e cultural na França, com efeitos que se estendem até hoje.

Em cartaz até 16 de abril, “Anos 80: Moda, Design e Grafismo na França” reúne 700 obras, entre móveis, objetos, roupas, fotografias, pôsteres, clipes publicitários e discos que retraçam uma época frenética e eclética.

É quando surge uma nova geração de designers, como Philippe Starck, Andrée Putman, Élizabeth Garouste e Mattia Bonnetti. E também de costureiros. Entre eles, Jean-Paul Gaultier, Christian Lacroix, Thierry Mugler e Claude Montana.

“Os anos 1980 são uma década à parte. É um período que se situa entre o fim das utopias do movimento estudantil de maio de 1968 e o início de uma globalização mais acentuada, nos anos 1990”, disse à NeoFeed Karine Lacquemant, uma das curadoras da mostra no Museu das Artes Decorativas, que fica no prédio do Louvre.

A exposição começa com a primeira grande mudança nessa década na França: a ascensão da esquerda ao poder, com a eleição do socialista François Mitterrand, em 1981, para um mandado de sete anos. Há nesse momento uma revolução da política cultural, com o objetivo de democratizar as artes.

O orçamento do ministério da Cultura é dobrado e o ministro da época, Jack Lang, lançou eventos que existem até hoje, como as festas do cinema (com ingressos mais baratos) e da música e o dia do patrimônio, onde é possível visitar gratuitamente monumentos, inclusive o palácio do Eliseu e ministérios. Lang também lançou a lei do preço único do livro, aplicada até hoje, e criou o museu da Moda e do Têxtil.

Vestes de nylon de Jean-Charles de Castelbajac; mesa-lápis (Escritório Caderno Clairefontaine,1984); móveis grupo Totem

“Mesmo se havia uma efervescência na Europa naquela época, a França é um caso particular. A esquerda, quando chega à presidência, passa a promover a arte, de maneira geral, com muita ênfase", afirma Lacquemant.

Segundo ela, é nesse momento que "é abolida a hierarquia entre as belas artes que eram consideradas mais nobres, como a pintura, escultura música e arquitetura, e as chamadas artes menores, entre elas a moda, o design e o grafismo.” Os anos 1980 seriam assim um período em que a França voltou a ter protagonismo mundial.

Para promover o mobiliário contemporâneo, Mitterrand solicitou cinco arquitetos e designers - entre eles Philippe Starck e Jean-Michel Willmotte (que criou, em 2017, a Station F, em Paris, o maior campus de startups do mundo) - para decorar alguns espaços do Palácio do Eliseu.

Ainda hoje é difícil imaginar as criações, algumas insólitas, que entraram para as coleções do mobiliário nacional francês, nos ambientes imponentes da sede da presidência francesa.

A década de 1980 também é uma época de grandes obras arquitetônicas, que marcaram a paisagem da capital francesa, com a inauguração da pirâmide do Louvre, da Ópera Bastilha, do Arco de la Défense e do ministério das Finanças, que tem uma parte do prédio sobre o rio Sena.

O ex-ministro francês da Cultura, Jack Lang, e a mesa de escritório da designer Andrée Putman

No período, a publicidade, as mídias e o audiovisual ganharam um dinamismo sem precedentes na França. Canais de TV privados são criados, levando à chamada época de ouro dos filmes publicitários, com diretores como Jean-Paul Goude (que realizou campanhas de perfume da Chanel e de Galeries Lafayette) ou ainda Jean-Baptiste Mondino, chamado de “artista do videoclipe”. As rádios livres, antes chamadas “piratas”, foram liberalizadas no período.

A exposição tem três principais temas – uma nova era política e cultural, a efervescência do design e o visual dos anos 1980 – e tem como fio condutor a superposição de ideias e estilos. Os designers e costureiros abraçaram várias estéticas.

Designers e costureiros se alimentaram do neoclassicismo, do modernismo, do neobárbaro, do neorrenascimento em uma grande liberdade criativa, sem limites”, afirma Lacquemant. Os designers Garouste e Bonnetti, por exemplo, utilizaram o estilo neobarroco para decorar Maison de alta costura de Christian Lacroix, inaugurada em 1987.

Cadeira Miss Dorn, Philippe Stark, (1982)

A moda saiu dos salões privados intimistas nas sedes das grifes e ganhou desfiles espetaculares transmitidos na TV, se tornando também omnipresente no espaço público, com campanhas de publicidade. Com isso, os costureiros passaram a ser conhecidos pelo público em geral.

Houve também uma democratização do prêt-à-porter, com o desenvolvimento de várias marcas francesas com coleções em grande escala, mas que ainda não eram o fast-fashion dos tempos atuais.

Os grandes desfiles e a efervescência cultural acabaram animando também a vida noturna parisiense, como mostra a exposição. Em boates emblemáticas, como o Palace, frequentada por personalidades como Mick Jagger, havia festas de Jean-Paul Gaultier e Kenzo e shows de artistas como Prince. Nessas casas noturnas, a ostentação e o visual excêntrico eram regras.

“Os anos 1980 são um universo alegre, de liberdade extrema. Há muitas tendências, estéticas diferentes. É muito eclético”, destaca a curadora da mostra. Década vista com maus olhos por alguns por conta justamente da mistura de estilos e da excentricidade, a exposição permite observar as mudanças nas artes e na sociedade na França nesse período.