Esta não é a primeira inflação que experimentamos e certamente não será a última, mas, de muitas maneiras, esta é uma “inflação imperfeita”. E para conviver com ela, teremos que pensar de uma forma tão diferente quanto os comportamentos de consumo que, muito provavelmente, não seguirão os padrões conhecidos de outros momentos inflacionários.
Essa inflação imperfeita pode iniciar de forma endêmica em diferentes setores, mas se espalha pelas economias muito mais rapidamente do que no passado, tornando-se sistêmica em um ambiente de cadeia de suprimentos altamente globalizado.
Nessa inflação imperfeita, vemos o aumento nos preços das commodities já sob a influência dos efeitos de um clima fora de época, que diminui a capacidade produtiva. Essa produção ainda sofrerá inflação em seu escoamento, pelo alto custo logístico e, em seu processo de manufatura, pela deficiência de mão de obra que é agravada ainda mais pelas políticas migratórias, como a dos EUA e Europa.
Veremos o efeito direto disso na queda da produtividade, da qualidade e na limitação da expansão da indústria. No Brasil, por exemplo, apesar do desemprego, o país perde bilhões em capacidade produtiva pela falta de mão de obra qualificada.
No fim de toda essa cadeia, pesa também a inflação dos serviços, que atingiu seu maior índice desde 2014. Soma-se ainda a incerteza contínua sobre a pandemia e sobre os conflitos regionais, como o da Ucrânia, que deve ajudar a colocar a Europa em recessão.
Dessa maneira, as economias desenvolvidas estarão em recessão ou próximas à recessão e as emergentes certamente sentirão ainda mais o impacto dessa cadeia complexa. Se estivéssemos em um daqueles programas sobre tornados, da Discovery Channel, teríamos uma tempestade perfeita pela frente. Ou melhor, imperfeita.
O efeito dessa trama complexa está chegando ao brasileiro de maneira muito dura e direta, pelo aumento exponencial dos preços. O “choque da etiquetagem de preços" vai causar mudanças no comportamento de compra durante todo o ano de 2023.
Isso porque os consumidores não costumam reagir drasticamente quando veem aumentos marginais, mesmo que sucessivamente. Por exemplo, se um produto aumenta um por cento ao mês, esses 12% ao ano são menos sentidos do que se aplicados em um choque abrupto na precificação, como vemos hoje.
E isso muda comportamentos. A cesta básica subiu o dobro da inflação em menos de um ano e já consome cerca de 50% do salário mínimo. O aumento de alguns dos itens mais populares da cesta básica, ajuda a reforçar esse choque, como é o caso do café, do leite e seus derivados, que já subiram ;15%, 77% e 39% respectivamente.
São choques como esse que estão impactando profundamente o processo decisório de compra das pessoas e, consequentemente, como as empresas precisam responder a esse cenário.
O que posso dizer sobre a estratégia de negócios em um cenário de inflação imperfeita é que precisaremos olhar para os consumidores de forma mais precisa em suas necessidades, pois eles vão escolher investir "no que vale a pena”. Mas afinal, o que significa "valer a pena"?
Para uma marca líder, a resposta poderia estar atrelada ao seu "equity de marca”, ou seja, o poder que esta marca tem de agregar valor percebido ao produto. Já, para uma marca de combate, a resposta seria a sua boa relação de custo x benefício.
“O que vale a pena” não é um conceito simples de se definir num cenário de inflação imperfeita
Mas, na nossa conjuntura, ambas respostas podem não ser de todo verdadeiras, pois “o que vale” não é um conceito simples de se definir num cenário de inflação imperfeita. Recentemente, um cliente meu, que atua na indústria química de bens de consumo, me trouxe uma visão muito interessante sobre seu desafio em 2023. Desafio esse que ele definiu como a "relativização da escolha".
Na sua visão, em momentos como o que vivemos, mais fatores entram na ponderação dos consumidores na hora de decidir se uma compra é a melhor a ser feita ou não. Ou seja, a "relativização da escolha" numa inflação imperfeita torna-se uma sinapse ainda mais complexa na cabeça das pessoas.
Tive outro bom exemplo disso em uma conversa com executivos de um banco com forte atuação no crédito de veículos seminovos para a classe B e C, mercado que está bem aquecido. Segundo me relataram, o financiamento de um veículo usado é visto como um investimento nesse momento.
Isso mesmo, pois este financiamento compromete uma parcela do salário na aquisição desse patrimônio para a família, ao invés de ser gasto com bens de consumo. Um comportamento que pode parecer contra intuitivo para muitos de nós, mas que mostra que “o que vale” é um conceito relativo, a depender do repertório do consumidor.
O que posso dizer sobre as marcas nesse cenário é que todas tornam-se igualmente vulneráveis aos efeitos da "inflação imperfeita". Não importa o seu status, todas precisarão de novas respostas muito alinhadas aos anseios e ansiedades de um consumidor nessa conjuntura.
Estou certo que em 2023 travaremos uma luta para provar nosso valor aos consumidores
Estou certo que em 2023 travaremos uma luta para provar nosso valor aos consumidores. E seria muito prudente de nossa parte relativizar o que sabemos sobre nossas marcas, sobre seu poder de atração e sobre as necessidades dos nossos clientes, que por vezes julgamos já conhecer.
Certamente, todos os marqueteiros e CEOs terão de fazer aquela velha escolha de Sofia dos momentos de crise: cortar despesas em marketing para compor seu resultado ou continuar construindo valor, posicionando bem seus produtos e serviços.
Eu acredito que deixar que a "relativização da escolha" se resuma ao menor preço e não ao melhor negócio é um caminho perigoso de corrosão de nossas margens. Não é o momento de delegar essa relativização ao consumidor e assistir passivamente quais serão as suas escolhas.
É preciso construir valor na hora dessa ponderação com fatores tangíveis e intangíveis, que prove que cada real investido em nossos produtos e serviços “valeu a pena”.
Para finalizar, deixo aqui uma provocação: você tem uma estratégia de Growth Loop para encarar 2023? Sua empresa está preparada para construir valor em toda a sua cadeia e na jornada de compra dos seus consumidores? Sua estrutura tecnológica, sua inteligência de dados, seu uso das mídias de performance, suas ações de consumer experiencie e pontos de venda, sua estratégia promocional, sua gestão da reputação corporativa e sua estratégia de comunicação e marca estão funcionando integradas e orientadas para construir valor, com KPIs claros e metas desenhadas?
Em épocas de crise, todo país com um bom plano econômico deveria ter também uma boa estratégia de construção de valor em cadeia. O seu Growth Loop. O próprio Brasil tem à frente este desafio de provar valor em suas diferentes cadeias para atrair investimentos. E não será diferente conosco, nossas marcas e nossos consumidores.
*Fernando Diniz é jornalista e CEO da agência DPZ