A política não engoliu a economia, o risco de o Judiciário se transformar em “braço legislativo” do Poder Executivo durou pouco. A aprovação da PEC da Transição pela Câmara dos Deputados fortaleceu o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o governo Lula tem passe livre, no caixa, para iniciar seu mandato cumprindo promessas de campanha.
Congestionada por eventos que poderiam deflagrar instabilidade entre os Poderes, a semana termina sem estresse, com anúncio de mais 14 ministros e indicados à Advocacia Geral da União e Controladoria Geral da União pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e contagem regressiva para a posse em 1º de janeiro.
Outros 13 titulares do gabinete – de 37 Pastas – serão apresentados na segunda ou na terça-feira, 26 e 27 de dezembro
Com foco absoluto no teto de gastos, investidores corrigiram os preços dos ativos em euforia com a aprovação da PEC da Transição na votação em 1º turno na Câmara, na terça-feira, 20 de dezembro, e confirmada na quarta, 21 de dezembro, em 2º turno.
O texto saiu melhor que o esperado. Não apenas pelo valor envolvido ficar distante de R$ 200 bilhões inicialmente proposto pela equipe de transição, mas por ter atendido a diversos atores.
A PEC prevê a expansão do teto de gastos do Bolsa Família de R$ 600 com adicional de R$ 150 por criança até seis anos e acomoda R$ 19,4 bilhões destinados a emendas parlamentares abrigadas no “orçamento secreto” – considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Com a arrumação, a Suprema Corte não foi desautorizada. Os parlamentares vão dispor da metade dos recursos, a outra metade será distribuída a critério do governo e Lula começa o mandato cumprindo promessas de campanha.
A redução de dois anos para um ano do prazo de validade da PEC da Transição trouxe tamanho alívio que passou despercebido do mercado o aumento de salários para o presidente da República, ministros, deputados, senadores e carreiras do Judiciário.
A possibilidade de mudança da Lei das Estatais, que tanto ruído provocou ao colocar sob holofotes o BNDES e a Petrobras, está hibernando no Senado.
A possibilidade de mudança da Lei das Estatais, que tanto ruído provocou ao colocar sob holofotes o BNDES e a Petrobras, está hibernando no Senado
E a lei que evita o uso político de cargos em empresas públicas não será impedimento para que Aloizio Mercadante assuma a presidência do banco de fomento.
O ex-ministro já está em campo. Na quarta-feira, 21 de dezembro, ele apresentou alguns futuros diretores do BNDES a empresários e banqueiros, em São Paulo.
O encontro foi um claro sinal de que o futuro governo se move em direção ao setor privado e sob a bandeira de investimentos. Mercadante garantiu que não haverá uma reedição do BNDES do passado.
Sem amarras
Deu trabalho, mas o governo eleito conseguiu preservar uma boa relação com o Congresso de quem estaria refém, caso o ministro do STF, Gilmar Mendes, não tivesse autorizado a retirada do Bolsa Família do teto de gastos já no início da semana.
A possibilidade de atender ao Bolsa Família com crédito extraordinário livrou Lula de amarras no Congresso.
A decisão de Gilmar Mendes foi um empurrão decisivo para que a Câmara e o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, iniciassem negociações que culminaram com a aprovação do texto.
O mercado financeiro aplaudiu o resultado final, inclusive, por entender que a validade mais curta da PEC – um ano e não dois – impõe urgência na definição da nova âncora fiscal pelo governo.
O Papai Noel não poderia ser mais generoso com Lula, que assume o Palácio do Planalto em terreno, por ora, pacificado e com o titular da Pasta mais importante do governo sendo prestigiado.
Haddad vem ganhando aliados desde sua nomeação por manifestar compromisso com a sustentabilidade fiscal e também pela condução exitosa de negociações com lideranças parlamentares.
A mobilização do Judiciário chegou a semear incertezas quanto à relação entre os três Poderes. Entretanto, no fim das contas, as decisões da Corte fortaleceram Lula e a formação do ministério menos exposto a pressões políticas, avalia Ricardo Ribeiro, sócio da consultoria Ponteio Política.
A mobilização do Judiciário chegou a semear incertezas quanto à relação entre os três Poderes. Entretanto, no fim das contas, as decisões da Corte fortaleceram Lula
Em conversa com a Coluna, o cientista político alerta que a mobilização do STF é um ruído na relação entre Lula, o presidente da Câmara Arthur Lira e o Centrão, mas a ser neutralizado.
Ribeiro observa que se for confirmado o favoritismo de Lira para a reeleição à presidência da Câmara, em fevereiro de 2023, Lula e Lira terão que conviver pelos próximos dois anos.
“É conveniente a ambos que mantenham uma relação não conflituosa. Mas será provavelmente uma relação de altos e baixos e momentos de tensão”, alerta Ribeiro.
Ele acredita que Lula trabalhará para reduzir as tensões entre os Poderes e sobretudo em questões econômicas por entender que a economia será o “core” da próxima administração.
“É assim em qualquer governo. Mas, ao contrário do que ocorreu durante a gestão de Bolsonaro, o Executivo, na figura do presidente da República, terá forte atuação política”, diz.
O cientista político observa que não haverá “posto Ipiranga” no governo Lula, numa alusão à referência dada ao ministro Paulo Guedes pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Haddad é Lula na Fazenda. A condução da economia será balizada pela política, mesmo se, como me parece mais provável, o governo adotar uma política econômica equilibrada e preocupada com a questão fiscal”, acrescenta o sócio da Ponteio Política.
Rebalanceamento de ativos
A aprovação final da PEC da Transição desidratada em prazo restabeleceu a calmaria no mercado. E os preços dos ativos passam por um rebalanceamento que tende a se estender para a próxima semana – a última do ano e de fechamento de balanços de empresas, bancos e fundos de investimentos.
A semana termina com a redução de prêmios de risco, sobretudo, sobre a remuneração de títulos negociados no Tesouro Direto e que marcaram recordes consecutivos de alta nos últimos dias.
Papéis prefixados chegaram a pagar mais de 13,60% ao ano; e os pós-fixados cerca de 6,50% acima da inflação por vinte anos ou mais. É muito juro, por muito tempo.
Apesar da tensão política que marcou o início do trâmite da PEC da Transição na Câmara, a taxa de câmbio não exibiu variações exageradas permanecendo ao redor de R$ 5,20 / R$ 5,30.
Apesar da tensão política que marcou o início do trâmite da PEC da Transição na Câmara, a taxa de câmbio não exibiu variações exageradas
O dólar poderia estar mais forte neste fim de ano por remessas de lucros e dividendos como historicamente acontece. Neste ano, porém, antecipações ocorreram às vésperas da eleição.
Entretanto, Hideaki Iha, operador de câmbio da Fair Corretora, considera arriscado apostar na estabilidade do dólar por longos períodos porque eventos locais e externos afetam a moeda.
A Covid foi um desses eventos. Uma novidade que trouxe inúmeras consequências. Além da questão sanitária e humanitária, pondera Iha, a pandemia comprometeu produção e distribuição de bens em escala global.
“A política de Covid Zero na China ainda se faz sentir e, da própria China, chegam notícias de que as estatísticas sobre a doença podem estar alteradas”, avalia o especialista da Fair, que alerta também para o fato de a guerra na Ucrânia não ter acabado e continuar comprometendo cenários geopolíticos.
Ele aponta a combinação de dólar e juros altos como uma variável a se observar com atenção por considerar concreta a perspectiva de recessão em grandes economias.
“As commodities poderão impactar o câmbio. E, aqui, temos um novo governo. Não dá para descartar eventos políticos à frente’, diz o especialista em câmbio.
Iha comenta que a decisão do STF de considerar inconstitucional o ‘orçamento secreto’ mexeu com os mercados, assim como a decisão do ministro Gilmar Mendes sobre o Bolsa Família.
“Nesse sentido, fator tranquilizador foi a negociação de Fernando Haddad que costurou a aprovação da PEC da Transição na Câmara. Ele ganhou pontos e o mercado desestressou”, observa.