O mercado de gás natural vem passando por uma profunda transformação no País, depois de anos de monopólio da Petrobras. Com a Nova Lei do Gás, aprovada em 2021, estimulando a concorrência, muitas petroleiras começaram a olhar o gás como uma oportunidade de negócio.
Uma dessas empresas é a PetroReconcavo, operadora independente de petróleo e gás com atuação no Nordeste. Avaliada em R$ 8,9 bilhões na Bolsa, a companhia tem atuado para consolidar seu nome no mercado gás natural.
O mais recente movimento ocorreu na semana passada, quando anunciou um acordo com a Sergas, empresa de Sergipe, para fornecer gás natural pelos próximos dez anos. E a ideia não é parar por aí.
Com planos de investir cerca de R$ 1 bilhão para melhorar a eficiência de toda a sua operação em 2023, o maior valor já aportado em seus 22 anos de história, a PetroReconcavo quer que o gás natural ganhe espaço em seu portfólio, sendo um fator importante para elevar a produção total em cerca de 74% em até três anos, para ao redor de 40 mil barris de óleo equivalente ao dia.
“Atualmente, o gás está muito atrativo para desenvolvimento, fazendo com que ele seja quase 40% da minha receita”, diz Marcelo Magalhães, CEO da PetroReconcavo, ao NeoFeed. “E há uma chance de que se torne maior que o petróleo no futuro, a depender de como o preço se comporte.”
Magalhães conta que, até a aprovação da nova lei, não era muito interessante para a PetroReconcavo e outras empresas desenvolverem suas reservas de gás, porque elas eram praticamente obrigadas a vender para a Petrobras.
Toda a infraestrutura de processamento e escoamento era cativa da estatal e ela colocava barreiras para prestação de serviços a terceiros, cobrando preços exorbitantes dos outros players.
A situação começou a mudar com a nova lei e também com o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) firmado entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2019.
Nele, a companhia se comprometeu a se desfazer de alguns ativos, como gasodutos e participação em distribuidoras, e disponibilizar aqueles que poderia manter para empresas privadas.
Com o monopólio quebrado, tanto a PetroReconcavo como outras companhias começaram a ver que a venda de gás natural poderia ser uma atividade rentável, ao poder escolher para quem vender. Elas também passaram a avaliar que a lei permitirá reduzir a importação de gás natural pelo País, oferecendo o produto a preços mais competitivos.
Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura e Energia (CBIE), o País importa 50% do gás natural que consome, enquanto reinjeta – nome técnico para dizer basicamente que o produto é “devolvido à natureza” – 49% da produção local.
Por conta desse desperdício e dos custos de importação, o CBIE avalia que este é um dos principais motivos para que o gás natural represente somente 13% da matriz energética brasileira, contra 34% na América Latina.
Diante destas condições e cenários, a PetroReconcavo começou a se mexer. No começo do ano passado, ela estruturou uma comercializadora, que já começou a vender gás natural a diferentes clientes.
Desde então, já firmou contratos com cinco distribuidoras do Nordeste, além de consumidores industriais, como a Unigel. Diferentemente do petróleo, que sofre com a variação diária do preço do barril no mercado internacional, o mercado de gás permite firmar contratos de longo prazo a preços fixos.
No caso do acordo com a Sergas, o preço de venda foi constituído pela soma do custo de transporte com a chamada parcela da molécula, que se refere ao gás natural.
Para 2023 e 2024, o preço da molécula será de 13,6% da cotação do petróleo tipo Brent. Para o período de 2025 a 2032, ela foi estabelecida em 12,6% da cotação do Brent (para se ter uma ideia, no dia 1º de fevereiro o barril tipo Brent para abril deste ano estava sendo negociado a US$ 82,97).
“Como executivo, estamos sempre planejando a companhia para ela ter agilidade de responder aos ciclos”, diz Magalhães. “Quando o gás entra como um elemento significativo e com preço mais estável, garanto uma estabilidade muito maior para a companhia.”
Diferenciais
A concorrência não será simples. A 3R Petroleum, outra operadora independente listada na Bolsa, assinou um acordo para fornecer gás natural à BahiaGás, em maio do ano passado. Quem também está aproveitando a situação é a portuguesa Galp, que tem acordos com sete distribuidoras, como a BahiaGás e a Potigás.
Para competir, Magalhães destaca a integração vertical da PetroReconcavo, que é dona da maior parte dos equipamentos, como sondas de perfuração e equipamentos de fraturamento.
Segundo ele, isso tem garantido autonomia e custos mais baratos. Em atividades de perfuração, por exemplo, os valores ficam 30% mais baixos do que contratar uma sonda externa.
“Tem um intervalo de economia de 20% a 80%, dependendo do serviço e onde é feito, que minha estrutura verticalizada permite”, afirmavMagalhães. “É uma vantagem competitiva sustentável.”
Outro diferencial, segundo Magalhães, é a expertise da empresa na recuperação de campos. A PetroReconcavo tem um total de 60 concessões, na Bahia e no Rio Grande do Norte, sendo operadora de 58 campos.
De acordo com Magalhães, os reservatórios do Nordeste possuem atualmente um fator médio de recuperação de 23% e a PetroReconcavo entende que conseguirá elevar este fator para 35%, que é a média registrada em operações semelhantes pelo mundo. Para efeito de comparação, em alguns dos campos operados pela Petrobras, a média que obteve foi de 23%, mesmo operando alguns deles há quase 70 anos.
A companhia pretende levar esta capacidade de recuperação de campos para novos ativos. Em dezembro de 2022, ela fechou a aquisição de ativos da Maha Energy, o Campo de Tiê, na Bahia, e o Campo de Tartaruga, em Sergipe, por quase R$ 1 bilhão.
Além disso, a PetroReconcavo segue em negociações junto à Eneva para adquirir o Polo Bahia Terra, da Petrobras. O processo de desinvestimento tinha sido paralisado em junho, por decisão judicial, mas a liminar que paralisava as negociações acabou revogada em novembro do ano passado.
Localizado nas Bacias do Recôncavo e Tucano, é um dos maiores ativos terrestres sendo vendidos pela estatal, com 28 concessões e infraestrutura, incluindo uma Unidade de Processamento de Gás Natural, o que daria ainda mais força à estratégia do lado do gás natural.
O plano da PetroReconcavo para o gás natural e suas características competitivas podem ser o diferencial para a companhia se destacar, no momento em que a comparação dos dados de produção de petróleo estão gerando uma migração de investidores para outros nomes de petróleo e gás. A situação pressiona as ações, que acumulam queda de 7,6%.
Na semana passada, o Goldman Sachs rebaixou as ações da companhia para neutro, estabelecendo um preço-alvo de R$ 27,30, demonstrando preferência pelas ações da 3R Petroleum e da PetroRio. Para os analistas, o mercado já precifica mais de 100% de sua produção e que outras companhias apresentam melhores retornos.
Já para Vitor Souza, analista do setor elétrico e de saneamento da Genial Investimentos, o gás natural pode ser o "pulo do gato" da PetroReconcavo. Segundo ele, a commodity está se tornando fundamental na tese de investimento, ao contrário do que se vê na 3R Petroleum, em que uma parcela significativa é utilizada para gerar energia para as operações.
Ele ressalta a visão da companhia sobre a previsibilidade dos preços do gás natural, avaliando que isso pode beneficiar os múltiplos em que as ações são negociadas. “À medida que ela tem uma parcela maior da sua receita estável, melhora a perspectiva de risco do case, permitindo as ações serem negociadas com prêmio e múltiplos maiores”, afirma.
Considerando os dados mais recentes, ele calcula que o EV/Ebitda da PetroReconcavo possa atingir 3 vezes em 2026, enquanto a 3R Petroleum deve registrar um múltiplo de 1,1 vez.
No terceiro trimestre de 2022, a PetroReconcavo atingiu uma receita líquida de R$ 805 milhões, um acumulado de R$ 2,2 bilhões nos primeiros nove meses de 2022. Trata-se de um aumento de 191% na comparação acumulada anual. O lucro líquido, nos três primeiros trimestres, soma R$ 745 milhões.
Desde o IPO, em maio de 2021, quando captou R$ 1 bilhão, as ações da PetroReconcavo se valorizaram mais de 100%.
Correção: Depois da publicação da reportagem, a PetroReconcavo informou que havia fornecido um dado incorreto sobre o fator de recuperação. Segundo a empresa, os 35% noticiados inicialmente se referem à média mundial do fator de recuperação. O parágrafo foi alterado para conter os dados corretos.