Os donos do capital querem saber do lucro no curto prazo e ponto. Essa máxima ainda é dominante, mas já não é mais uma unanimidade. Nos últimos sete anos, o influente gestor mundial de fundos de investimento Larry Fink , chairman e CEO da BlackRock, gigante que gere US 6,3 trilhões em ativos nos principais mercados globais, tem se destacado como a principal voz do mercado de capitais a defender uma estratégia de negócios responsável e de longo prazo.
A consultoria internacional GlobeScan analisou as oito cartas de Fink entre 2012 e 2019 e destacou a evolução do pensamento desse líder de investimentos na direção de uma necessária mudança no modelo mental dos líderes de negócios no presente e no futuro.
Fink focou sua já tradicional carta de 2019 aos CEOs das empresas investidas pela BlackRock na necessidade dos executivos fazerem a indissociável conexão entre o propósito das companhias e seus lucros. “Uma coisa, no entanto, é certa: o mundo precisa de sua liderança. À medida que as divisões continuam a se aprofundar, as empresas devem demonstrar seu compromisso com os países, regiões e comunidades onde operam, particularmente em questões centrais para a prosperidade futura do mundo ”, escreveu.
O posicionamento, o conteúdo e a linguagem das cartas anuais de Fink evoluíram significativamente entre 2012 e 2019. A primeira carta enviada no início de 2012 foi cautelosa em sua abordagem. Não tentou instruir ou influenciar as empresas sobre como agir, mas pediu mais envolvimento com os investidores nos mecanismos de governança. A carta afirmava a importância da boa governança para alcançar “um desempenho de negócios superior e de longo prazo”. Esse pedido de valor no longo prazo e uma estratégia para entregá-lo no futuro foi fortemente enfatizado nas cartas seguintes em 2014 e 2015.
Mas Fink foi percebendo que boa governança não é tudo. Estão aí casos como o da Vale para não nos deixar iludir. Essas estruturas precisam estar a serviço das motivações certas. Em 2016, a carta aos CEOs mencionou pela primeira vez a necessidade de as empresas olharem para fora de suas próprias paredes e levar em consideração fatores ambientais e sociais. Necessidade que foi amplificada em 2017, no contexto de um aumento do populismo (por exemplo, Brexit, Trump etc.).
Era um alerta até tardio, mas refletia a percepção de que os negócios precisam se reconectar as necessidades da sociedade para prosperarem. Em 2018, a carta de Larry Fink é intitulada “Um Sentido de Propósito”. Embora reiterando a necessidade de uma visão de longo prazo e reafirmando as exigências de cartas anteriores para uma estratégia de longo prazo assinada pelo conselho, a carta vai muito além: destaca explicitamente a necessidade de as empresas atenderem aos interesses de stakeholders externos e terem um propósito mais amplo na sociedade. Esta carta gerou uma reação significativamente maior do que a do ano anterior, recebeu mais de 8 mil curtidas no LinkedIn e foi assunto de inúmeros artigos.
Fink foi percebendo que boa governança não é tudo. Estão aí casos como o da Vale para não nos deixar iludir
A chamada à ação para as empresas liderarem a solução das questões sociais e ambientais é basal na mensagem de 2019. Para Fink, colocar o propósito no centro dos negócios impulsiona a lucratividade e o crescimento a longo prazo. A mudança de tom, conteúdo e linguagem das cartas recentes, bem como a reação significativa do mundo empresarial e político, refletem a crescente urgência das empresas em serem mais responsáveis e orientadas por propósito.
O foco no longo prazo permanece no coração das cartas de Larry Fink, o que mudou com o tempo foi a percepção de que esse compromisso não seria apenas sustentado pela governança, mas por um objetivo empresarial maior, que oriente a estratégia a atender os interesses dos stakeholders.
Larry Fink ainda não é um evangelizador do desenvolvimento sustentável. Ainda não se posiciona claramente a favor, por exemplo, de uma economia de baixo carbono como forma dos negócios contribuírem decisivamente para o combate às mudanças climáticas. Suas mensagens aos líderes de negócios são, no entanto, um sopro de lucidez e de esperança para a necessária mudança dos princípios orientadores da alocação de capital e, em última, da estratégia dos negócios e seu impacto na sociedade.
* Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).