A ligação de Adolf Hitler com Ferdinand Porsche, patriarca e criador da Volkswagen e da Porsche, era tão estreita que o modelo do Fusca e a cidade de Wolfsburg foram frutos exclusivos do desejo e da vontade do "Führer".

O líder nazista se envolveu tanto que ajudou na criação do conceito e do nome do carro. Em Bilionários nazistas – A tenebrosa história das dinastias mais ricas da Alemanha, que a Editora Objetiva lança no Brasil, o jornalista e historiador David de Jong conta que foi o ditador nazista quem mandou fundar a Volks no final dos anos 1930]..

Hitler tomou essa decisão depois que nenhum dos fabricantes alemães quis produzir o automóvel segundo sua concepção e pelo preço ordenado. “O ‘Volkswagen’ – ‘carro do povo’, nome que já exala o cheiro da época – deveria ser a contraparte automobilística ao ‘Volksempfänger’ (receptor do povo), o rádio acessível a todos, que passou a figurar nas cozinhas e salas de estar alemãs”, escreve Jong.

Na realidade, nunca foi segredo que empresas alemãs que ganharam projeção internacional se beneficiaram do sistema de trabalho forçado da Alemanha nazista durante a guerra. Outros livros tinham revelado ligações semelhantes da americana IBM e das alemãs Adidas e Puma – estas, comandadas por dois irmãos rivais. A investigação de Jong, porém, é demolidora em detalhes, clareza e precisão de fatos, com informações novas que chocam a cada parágrafo.

Jong afirma que todas essas empresas saíram impunes do que fizeram no conflito. Mas, em 7 de julho de 1998, a Volkswagen anunciou a criação de um fundo para pagar pelo uso de mão-de-obra “gratuita” na Segunda Guerra. Significava indenizar "escravos da guerra”. Um mês antes, a companhia havia se negado a fazer isso, quando era cobrada na justiça por um grupo de 30 judeus de origem húngara.

Seus advogados afirmaram que o responsável pela mão-de-obra escrava era o governo alemão da época, então sob domínio nazista. O governo afirmou que os pedidos de indenização por trabalho escravo durante o regime nazista não eram mais possíveis de serem feitos.

Com a repercussão negativa, a empresa decidiu criar o fundo. Justificou o recuo por "reconhecer as responsabilidades históricas e morais derivadas do uso de mão-de-obra escrava durante a Segunda Guerra Mundial".

A participação da BMW não foi menos relevante. Nos anos de 1930 a 1940, forneceu equipamentos para a indústria alemã de armamentos – o que cresceu durante a guerra, claro. Só sete décadas depois, a direção anunciou em comunicado que admitia ter usado trabalhadores forçados e prisioneiros de campos de concentração na fabricação de motores de avião.

"Até hoje, o enorme sofrimento que isso causou e o destino de muitos trabalhadores forçados seguem sendo uma questão do mais profundo arrependimento", afirmou a companhia em 2016.

Vocação militar desde o início

A vontade inicial de Hitler de criar o fusquinha popular, mostra o autor, não chegou a se tornar realidade porque, antes mesmo de a fábrica estar pronta, o Volkswagen se transformou no "Kübelwagen", o veículo utilitário com que os soldados da infantaria alemã rodavam por toda a Europa e o Norte da África durante o conflito.

“Para os engenheiros da Porsche, não foi realmente uma surpresa, pois a aplicabilidade militar do carro já era parte dos planos desde o início”, escreveu.

Só no pós-guerra, “o Fusca de Hitler” aprendeu a andar como ele queria e se transformou, ironicamente, no símbolo da reconstrução após o conflito desencadeado pelo ditador alemão, de acordo com Jong. Ferdinand Porsche, porém, tinha grandes empresários como pares, que financiaram a reeleição de Hitler – e foram bem recompensados por isso. Como as famílias Von Finck, Oetker e Quandt.

Em nome de um esforço de guerra, 12 mil empresas alemãs usaram trabalho escravo de 12 milhões de pessoas, forçadas a produzir sem receber salários durante a Segunda Guerra Mundial. A Volkswagen usou esse recurso em sua principal fábrica, instalada em Wolfsburg.

O dono da Volks também tinha uma ligação direta com Himmler, um dos líderes da SS, polícia secreta de Hitler, especializada em exterminar inimigos e solicitava “escravos” de Auschwitz sempre que havia “necessidade”.

Enquanto os fornos a gás da Siemens eram construídos pelos próprios judeus que seriam mortos, os executados nos campos de concentração com seguro de vida da Allianz tinham suas apólices pagas diretamente ao governo nazista. Além disso, o CEO da companhia era um dos conselheiros de Hitler.

Para Jong, se não bastasse tanto horror denunciado, uma das críticas que se faz à maioria das pessoas que comandam esses impérios de bilionários hoje é a indiferença dos herdeiros que, depois de tantas décadas, ainda fazem tão pouco para culpar os crimes de seus antepassados e jamais falaram em reparações financeiras. Ele dedica o longo epílogo do livro a isso. E deixa a entender que os mortos continuam a clamar por justiça.

Serviço:
Bilionários nazistas
A tenebrosa história das dinastias mais ricas da Alemanha
David de Jong
Editora Objetiva
527 Páginas
Livro impresso: R$ 104,90
E-book: R$ 44,90