A nomeação do vice-presidente Geraldo Alckmin como ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), pasta cobiçada por vários setores do PT na época de formação do novo governo, foi considerada inicialmente uma jogada política arriscada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O fato de o vice-presidente e ministro ter atravessado os 100 primeiros dias de governo sem dar visibilidade ao MDIC reforçou a desconfiança.

Alckmin, no entanto, parece que está virando o jogo ao anunciar a principal diretriz de sua gestão na pasta: colocar em ação um processo que ele chama de neoindustrialização do país, baseado na criação de políticas públicas para o setor com foco em sustentabilidade, descarbonização, inclusão social e tecnológica.

O objetivo é aproveitar transição da economia global pós-pandemia para desenvolver o potencial de energia verde do país acompanhado de um salto tecnológico no setor industrial.

Para dar certo, no entanto, o projeto vai testar a capacidade de articulação do governo, formado por correntes políticas com diferentes visões do que seria uma política industrial. O caminho passa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), recriado pelo presidente Lula com a missão de formular, até julho, propostas para uma nova política para o setor.

Presidido por Alckmin, o CNDI será um órgão gigante composto por 20 ministérios, além do BNDES. Caberá ao ministro do MDIC nomear outros 21 conselheiros, representantes da sociedade civil, entre eles da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre outras entidades.

A primeira reunião do CNDI deverá ocorrer na segunda quinzena de maio. Mas as propostas e articulações já estão fervendo nos bastidores. Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial, Comércio, Serviços e Inovação do MDIC, afirma que o termo neoindustrialização serve de contraponto ao processo de desindustrialização vivido pelo país nas últimas décadas.

Moreira lembra que nos anos 1980 a indústria de transformação respondia por 34% do PIB. Hoje, responde por apenas 11,2%, causando outro impacto, no mercado de trabalho – de cada 10 empregos gerados, 7 são de baixa renda, na faixa de 2 salários-mínimos. Por isso, segundo ele, o ministro Alckmin já deixou claro que vai instruir ao conselho que a proposta a ser entregue não mire a indústria em si, mas em diretrizes que ajudem a gerar empregos e renda.

“A partir do processo de neoindustrialização, transversal, será possível adensar cadeias produtivas para gerar novos empregos onde há janelas de oportunidade, como na indústria 4.0, com digitalização e transformação digital, e na área de economia verde”, diz Moreira.

Apoio

O termo neoindustrialização foi abraçado pela CNI. Lytha Spíndola, diretora de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI, lembra que desde a eleição do presidente Lula a entidade encaminhou três documentos com propostas para o setor.

Entre elas, mudanças urgentes no sistema tributário que têm impacto no Custo Brasil, como a de evitar a acumulação de créditos tributários (“não dá para esperar a reforma tributária”, diz Spíndola) e ampliação da integração internacional do Brasil, priorizando o acordo Mercosul-União Europeia, o que elevaria a participação do país no mercado global de 8% para 25%.

“O novo conselho terá de construir consensos para aprovarmos medidas visando a aumentar a competitividade, melhorar o ambiente de negócios, estabelecer uma visão de longo prazo do país e o caminho para atingir isso”, afirma a diretora da CNI.

A ala política do PT que lamentou a entrega do MDIC para o PSB de Alckmin reagiu com discrição, pelo menos publicamente, à proposta de neoindustrialização, encampada por Lula. No grupo de transição, a ênfase da política industrial proposta mirava as 9 milhões de pequenas e médias empresas (PMEs), que movimentam R$ 420 bilhões por ano, empregam 70 milhões de brasileiros e representam 27% do PIB.

As propostas do PT defendiam a criação de uma secretaria específica dentro do MDIC e programas de apoio a exportações das PMEs via BNDES e Apex (agência estatal que promove produtos e serviços brasileiros no exterior). No arranjo político para colocar Alckmin no MDIC, o PT ficou com o BNDES, sob comando de Aloizio Mercadante, e com a Apex – entregue a Jorge Vianna, ex-governador do Acre.

Uallace Moreira, do MDIC, assegura que a pasta vem dando prioridade às PMEs. Além de efetivar a criação da Secretaria de Micro e Pequenas Empresas, ele observa que "o setor está contemplado na proposta de neoindustrialização, pois gera muitos empregos".

O empresário Sergio Miletto, presidente da Associação Latino-Americana de Micro e Pequenas Empresas (Alampyme) e alinhado às propostas originais do PT, afirma que é essencial melhorar a renda das PMEs, que estão endividadas.

“O BNDES anunciou recentemente um aporte de R$ 21 bilhões para as PMEs, mas isso precisa vir junto com programas que auxiliem essas empresas, seja por meio de formação profissional ou de gestão, senão será um dinheiro desperdiçado”, diz.

Lytha Spíndola, da CNI, diz que o processo de neoindustrialização deve dar prioridade na digitalização das PMEs, pois a ampliação do mercado exportador vai favorecer esse segmento, que responde por 22% do PIB da indústria. “De forma geral, o grosso dos fornecedores da cadeia produtiva é majoritariamente de PMEs e os interesses se somam.”