A cena brasileira de startups vem surpreendendo o mercado internacional nos anos recentes. No primeiro semestre de 2021, o País captou US$ 5,2 bilhões em investimentos, superando o montante total de 2020, conforme dados do Inside Venture Capital Report 2021, produzido pela Distrito.

Em 2016, essa captação não passava de US$ 550 milhões. Segundo o LAVCA 2021 Latin American Startup Directory, das startups que captaram mais de US$ 1 milhão em 2020 e no primeiro semestre de 2021 na América Latina, 54% são brasileiras.

Desde o surgimento, em 2018, do primeiro unicórnio do Brasil – a 99 – testemunhamos um crescimento cada vez mais rápido do número de empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. Em pouco mais de 36 meses, chegamos à marca de 20 unicórnios que – para além do valor de mercado – dinamizam a economia, gerando empregos e soluções para negócios de todos os portes.

A baixa na taxa de juros no país explica, em boa medida, o maior interesse de investidores por ativos alternativos e esse crescimento na captação de investimentos em mais de 800%, nos últimos quatro anos.

Outro fenômeno que contribuiu para esse ciclo virtuoso é a aproximação entre fundos de venture capital e private equity, que tradicionalmente faziam aportes em negócios de natureza distinta e em diferentes estágios de maturidade, e que recentemente têm operado de forma mais coordenada, preenchendo lacunas de investimento em rodadas de maior valor e favorecendo o crescimento das investidas de modo encadeado.

Em meio a esse cenário tão positivo e promissor, e considerando o conteúdo tecnológico inerente aos negócios desse mercado, fica a interrogação sobre as razões que levam o Brasil a se manter tão mal posicionado em rankings de inovação, mesmo estando entre os principais players globais quando o assunto é atratividade para o capital de risco. O mistério não é tão complicado quanto parece.

O desempenho de um país em inovação deve ser avaliado sob diversas perspectivas. No último dia 20 de setembro, foi divulgado o relatório do Global Innovation Index 2021. O Brasil ficou em 57º lugar no ranking geral, cinco posições a frente da verificada no ano anterior. Em que pese o desempenho mais favorável, fica claro que o País não contou com mudanças substantivas em diversos aspectos relevantes.

Entre as maiores fraquezas identificadas nos indicadores do País e suas respectivas posições no conjunto de 132 países, destacam-se: facilidade para abrir uma empresa (106º colocado); escalas do PISA em leitura, matemática e ciências (68º colocado); graduados em ciência e engenharia (83º colocado); mobilidade de estudantes do ensino superior (104º colocado); formação bruta de capital (116º colocado); facilidade de obtenção de crédito (94º colocado); taxa tarifária aplicada, média ponderada (102º colocado); e acordos de empreendimentos conjuntos/alianças estratégicas (89º colocado).

Por que Brasil se mantem tão mal posicionado em rankings de inovação, mesmo estando entre os principais players globais quando o assunto é atratividade para o capital de risco?

O ambiente de negócios, portanto, segue pouco amigável e os indicadores educacionais continuam atestando as fragilidades no ensino básico e na graduação em STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). O investimento em pesquisa e desenvolvimento, tanto público quanto privado, sofreu recuo na comparação internacional e o País também teve piora nas receitas de exportações relacionadas a tecnologia.

No que diz respeito aos indicadores em que o Brasil conseguiu se sobressair, de modo a justificar o seu crescimento no ranking, os números apontam aumento da produtividade do trabalho e de gastos com software.

Uma análise mais detida, todavia, revela que a queda do PIB nos três últimos anos favorece a mudança de posições, uma vez que o dado é utilizado como denominador nos cálculos dos dois indicadores, dando a falsa impressão de melhoria.

Mudanças metodológicas, como a inclusão de um indicador que mensura diversificação de mercado, também favoreceram o ganho de posições, sem necessariamente indicarem um avanço real, se considerarmos o conjunto de fatores que tornam uma economia inovadora.

Em síntese, o Brasil subiu no ranking, mas as fragilidades persistem. A 57ª posição ainda é baixa e incompatível com a sofisticação do setor empresarial brasileiro, além de estarmos 10 posições abaixo da colocação obtida em 2011.

A pequena melhora, analisada em detalhe, não evidencia uma rota promissora e o País continua a ter melhor desempenho em insumos de inovação do que em resultados de inovação, o que demonstra que os esforços empreendidos não se traduzem em resultados na mesma proporção.

O aquecimento do mercado de venture capital e private equity, portanto, é um ótimo sinal de que o País não está totalmente perdido e impedido de assumir um papel no cenário internacional condizente com o seu potencial. Entretanto, não pode ser interpretado como a saída para uma situação de crise que tem muitas camadas.

Problemas relacionados à educação (em todos os níveis), infraestrutura, financiamento e regulação precisam ser devidamente endereçados até para que o crescimento de negócios de base tecnológica seja sustentado ao longo dos anos, e para que seus efeitos positivos sejam sentidos além do eixo Sul-Sudeste.

Não por acaso, Estados Unidos e China, países que localizam a ciência, tecnologia e inovação no centro de suas estratégias de desenvolvimento, são o berço do maior número de unicórnios do mundo.

Nessa mesma lógica, economias mais avançadas controlam os maiores fundos, tais como o japonês Softbank, os americanos Goldman Sachs, Riverwood, Andreessen Horowitz e Sequoia, ou o britânico Index Ventures, dominando capital e tecnologia ao mesmo tempo.

Nessa linha, entender os papéis dos diversos atores de um ecossistema de inovação – governo federal e local, universidades, escolas, centros de pesquisa públicos e privados, empresas de todos os portes, plataformas para startups, fundos de investimento – e construir bases para que todos performem em nível de excelência é fundamental para que os resultados da inovação sejam convertidos em maior competitividade, de forma consistente.

* Cândida Oliveira é gerente executiva de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Gianna Sagazio é diretora de Inovação da CNI