Sabe aqueles textos que a gente encontra por aí na internet? Impecáveis. Uma vírgula aqui, um ponto e vírgula acolá, dois pontos anunciando uma lista que parece ter sido revisada por um batalhão de gramáticos.
O problema? Por trás dessa perfeição sintática está o maior desafio que o mercado publicitário já enfrentou: distinguir entre engajamento real e artificial, com implicações bilionárias.
A Teoria da Internet Morta é simples e desconfortável. Boa parte do que vemos online já não brota da interação humana genuína. É um oceano de conteúdo sintético, gerado por algoritmos.
A Europol alerta que até 90% do conteúdo online poderá ser criado por IA até 2026. Para o mercado publicitário, a questão é econômica. Como valorar campanhas quando não se sabe quem está do outro lado da tela?
O Paradoxo do Engajamento Artificial
É uma sedução danada, essa da eficiência. Conteúdo otimizado. Engajamento. Relevância. Segundo o DataReportal, o investimento global em publicidade digital ultrapassou US$ 790 bilhões em 2024. Mas sua eficácia está cada vez mais sob suspeita.
Vivemos uma inflação de engajamento. Números crescem, seu valor real encolhe. Quase metade do tráfego da internet em 2023 foi gerado por bots, segundo a Imperva. Para CFOs e investidores, a pergunta é direta. Quanto do ROI reportado vem de pessoas reais?
Campanhas otimizadas para engajamento fake não constroem marca. Influência sem pessoas não é influência. Métricas infladas criam uma falsa sensação de performance, mascarando o que realmente importa: conexão genuína.
Não é a tecnologia que está em xeque. É o uso que se faz dela.
A Fragmentação do Mercado
As grandes plataformas estão perdendo força como canais publicitários dominantes. Desde 2022, o tempo gasto nelas vem caindo. E os consumidores mais valiosos migraram para ambientes menores e mais controlados. Newsletters. Grupos fechados. Comunidades de nicho.
Para o mercado financeiro, a pergunta muda. Como precificar uma plataforma quando a qualidade das interações vale mais que a quantidade? Não seria surpresa se, em breve, bancos começassem a aplicar desconto por engajamento artificial nas projeções de empresas de mídia digital.
A Autenticidade como Ativo Financeiro
A verdade virou luxo. Assim como o human made. Empresas como a Patagonia, que constroem sua marca sobre autenticidade, consistentemente performam acima da média do setor. Autenticidade não é mais valor intangível. É linha de balanço.
Wall Street já fala sobre um prêmio de autenticidade. Consumidores dispostos a pagar mais por produtos que garantam interação humana genuína. Em setores como luxo, saúde e educação, esse prêmio pode ser ainda maior.
Regulação: O Horizonte Chegou
A União Europeia aprovou o AI Act, exigindo transparência sobre conteúdo gerado por IA. Nos EUA, a FTC deve publicar diretrizes obrigando disclosure sobre automações em marketing.
A não conformidade trará erosão reputacional e destruição de valor. Crises de transparência associadas ao uso de IA podem gerar perdas de até 15% no valor de mercado de uma empresa. E isso em poucos dias.
O Caminho da Sobrevivência
A resposta passa por uma mudança radical na definição de sucesso digital. Não é sobre escalar qualquer coisa. É sobre escalar o que importa.
Para investidores, o alerta é claro. Olhem para qualidade de audiência, não para números brutos. Para marcas, o diferencial competitivo dos próximos anos será equilibrar eficiência algorítmica com autenticidade artesanal.
Em um mundo onde bots conversam com bots e métricas infladas alimentam relatórios vazios, o maior ativo será aquilo que máquina nenhuma replica. Conexões reais. Com pessoas reais.
O paradoxo da era digital não é tecnológico. É humano. A próxima grande disrupção não virá da IA ou do metaverso. Virá de quem devolver à internet o que ela perdeu. Confiança, conversa e o valor de ser, de fato, entre pessoas.
*Guido Sarti, sócio e Head de Data Insights da GALERIA.ag