Todos os anos, 60% do total de alimentos adquiridos globalmente vai para o lixo antes que tenhamos a oportunidade de consumi-los. As 931 milhões de toneladas de frutas, legumes e verduras que apodrecem nos mercados, nos restaurantes e em nossas casas são um entrave ao futuro sustentável.
Uma das frentes mais promissoras na busca por sistemas agroalimentares mais produtivos, resiliente e inclusivos investiga a criação tecnologias capazes de preservar os alimentos frescos por mais tempo. E, nesse campo, a foodtech americana Apeel Sciences reina absoluta.
Fundada em 2012, na cidade de Goleta, na Califórnia, e avaliada em US$ 2 bilhões, a startup já amealhou quase US$ 720 milhões em investimentos, conforme dados da plataforma Crunchbase. Entre as cinco as startups focadas no combate ao desperdício de comida que receberam os maiores aportes de venture capital em 2022, a Apeel concentra cerca de 50% do total financiado.
Ao longo de sua história, a empresa atraiu o interesse de três dezenas de capitalistas de risco. Entre os quais, estão Temasek Holdings, Rock Creek Group, SRL Capital Partners, Andresseen Horowitz, a cantora e compositora Katy Perry, a apresentadora Oprah Winfrey, e as irmãs Anne e Susan Wojcicki. Bióloga, Anne é cofundadora da biotech de genômica 23andMe. E, por nove anos, entre 2014 e 2023, Susan foi diretora executiva do YouTube.
Formado em engenharia e ciência dos materiais pela Carnegie Mellon University, James Rogers, criador e CEO da Apeel, foi buscar inspiração na natureza para produzir um composto chega a triplicar o tempo de conservação dos vegetais, no pós-colheita.
Casca extra
Feito à base de glicídios purificados, espécie de óleos vegetais essências à fotossíntese, o Edipeel funciona como uma “casca extra”. Vendido sob a forma de pó, que deve ser diluído em água, o produto retarda a entrada de oxigênio no interior dos alimentos e, consequentemente, a perda de umidade. Com isso, as frutas, legumes e verduras se mantêm frescos por mais tempo.
O uso do Edipeel já foi autorizado nos Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Reino Unido, Suíça, Japão, Chile, Peru, México, África do Sul e Quênia. Conforme estudos realizados nestes países, essa segunda casca mantem as tangerinas, laranjas e limões suculentos por, pelo menos, mais uma semana.
A janela de amadurecimento dos abacates ganha de dois a três dias a mais. A dos pepinos, dez. Com o Edipeel, a manga permanece em seu pico de maturação quase duas vezes mais tempo do que a fruta convencional.
Outras startups vêm conquistando espaço no setor. A grande concorrente da Apeel é a Hazel Technologies. A foodtech de Chicago, fundada em 2015, desenvolveu um sachê que, jogado nas caixas de vegetais diminui a produção e absorção do gás etileno, envolvido no processo de envelhecimento dos alimentos in natura. O total captado pela empresa chega a US$ 88 milhões.
Quando todos ganham
A estratégia de manter os alimentos frescos por mais tempo é um desafio há muito perseguido pela indústria agroalimentar. Como lembra Rogers, fundador e CEO da Apeel, as inovações na área de preservação dos produtos pós-colheita não evoluíram no mesmo ritmo das melhorias de cultivo, como a engenharia genética e suas plantas mais resistentes às intempéries e às doenças ou a biotecnologia com seus insumos menos agressivos ao planeta.
As principais ferramentas usadas para prolongar o prazo de validade das maçãs, cenouras e alface continuam baseados na refrigeração e/ou no uso de plástico –sistemas que, além de caros, representam uma ameaça à sustentabilidade.
Com o atraso do amadurecimento das frutas, legumes e verduras, toda a cadeia agroalimentar ganha. Em primeiro lugar, é possível abolir o plástico, usado, em muitos casos, para preservar o frescor dos alimentos. O material, sobretudo o de uso único, como se sabe, representa uma ameaça aos ecossistemas terrestre e aquático.
O prolongamento do prazo de validade diminui ainda a pressão por mais comida e, consequentemente, sobre as já escassas terras agrícolas. Além disso, alimentos mais duradouros podem reduzir as barreiras geográficas e temporais.
Poupam-se também gastos com água para a irrigação das lavouras e com logística, por exemplo. No cômputo geral, alimentos frescos por mais tempo diminuem a pegada de carbono da atividade agrícola como um todo.
US$ 750 bilhões jogados fora
O desperdício de alimentos, 1,3 bilhão de toneladas a cada ano, responde por 11% das emissões globais de gases de efeito estufa. Toda essa comida, equivalente a um terço da produção mundial, representa um prejuízo de US$ 750 bilhões. Mantido o ritmo atual, em sete anos, o desfalque será de US$ 1,5 trilhão, conforme cálculos da consultoria Boston Consulting Group.
Em um cenário de emergência climática e insegurança alimentar, quando 830 milhões de pessoas passam fome, não zelar pela comida produzida é, no mínimo, um contrassenso. Manter os vegetais frescos por mais tempo é apenas uma das estratégias a ser perseguida.
Outra consiste em reforçar os sistemas de distribuição dos alimentos excedentes e/ou os considerados imperfeitos esteticamente, mas perfeitos para o consumo. Há ainda a possibilidade de transformar os resíduos alimentares em novos produtos.