O etanol de cana-de-açúcar produzido no Brasil, que ajuda a abastecer o tanque de 83% dos carros vendidos atualmente em território nacional, está prestes a entrar em um mercado global ainda incipiente, mas incomparavelmente maior, com potencial de movimentar US$ 400 bilhões por ano: o de bioquerosene de aviação.
Conhecido pela sigla SAF e produzido a partir de resíduos de etanol de cana-de-açúcar, o bioquerosene está se firmando como a melhor solução para ajudar a descarbonizar o setor de aviação, que emite cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera por ano, o equivalente a 2% e 3% das emissões mundiais totais.
Tanto empresas de aviação quanto fabricantes estão comprometidas com a redução de emissões do setor até 2050, por meio do aumento da eficiência de aproveitamento energético e da busca por combustíveis renováveis.
O Brasil começou a entrar oficialmente no jogo em março, quando o EPA - órgão do governo dos Estados Unidos encarregado da proteção ambiental - homologou o bioquerosene a partir do etanol de cana-de-açúcar produzido no Brasil para ser usado como combustível de aeronaves. Os EUA já iniciaram a produção de sua versão de bioquerosene, graças ao pacote do governo de Joe Biden de incentivo à indústria verde.
Com o segundo maior mercado de biocombustíveis do mundo, depois dos EUA, além de expertise nos setores de aviação, energia e agricultura, o Brasil tem tudo para decolar também nesse segmento. A expectativa é de que o mercado de bioquerosene para aviação movimente US$ 30 bilhões por ano no Brasil quando estiver maduro.
O setor privado e o governo federal estão se mostrando atentos a isso. Na quarta-feira, 17 de maio, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o país tem condições de produzir 9 bilhões de litros por ano de bioquerosene para aviação.
Ele adiantou que governo Lula articula o Projeto de Lei do Combustível do Futuro, em análise na Casa Civil, e pretende criar um marco legal para que seja usado todo potencial desse tipo de combustível no país.
A Geo Biogás & Tech, desenvolvedora de plantas de produção de biogás e hidrocarbonetos verdes derivados a partir da cana-de-açúcar, iniciou um projeto-piloto de R$ 15 milhões numa planta de bioquerosene para aviação no Paraná, em parceria com a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), de fomento à tecnologia e inovação em empresas, e a Universidade Estadual de Maringá (UEM), como coexecutora.
Mistura com querosene comum
De acordo com Alessandro Gardemann, CEO da Geo, a corrida sustentável no setor de aviação veio para ficar. “Uma parte do mercado consumidor já se disse disposto a viajar menos se não for com carbono neutro”, disse ele ao NeoFeed. Diferentemente do setor de transporte leve, onde há uma disputa tecnológica entre eletrificação e combustíveis líquidos de baixa emissão, a aviação tem limitações.
“Tecnicamente, termos uma solução 100% renovável no combustível de aviação vai ser difícil, para fazermos a migração para um modelo mais sustentável temos de usar a infraestrutura e os aviões atuais.” A solução, segundo ele, é misturar o querosene usado atualmente com o bioquerosene, hoje em uma proporção de 65% e 35%.
A planta-piloto do Paraná deverá entrar em operação a partir do final do ano que vem. A Geo optou produzir o SAF a partir dos resíduos de cana-de-açúcar provenientes dos projetos de biogás, como vinhaça e torta-de-filtro.
O processo, conhecido rota de Fischer-Tropsch (FT), é um dos três existentes. Os outros são Hidrotratamento de Óleos Vegetais (HVO), conhecido como diesel “verde”, e o Alcohol-to-Jet (ATJ), esse mais utilizado nos EUA. A vantagem da FT é que não exige uma fonte externa de hidrogênio verde (H2V) de eletrólise, tornando a rota menos dispendiosa em relação ao consumo energético.
Outras empresas também estão entrando no segmento. A BSBios, líder nacional na produção de biodiesel, anunciou no ano passado um projeto de US$ 1 bilhão numa unidade capaz de produzir 1 bilhão de litros de diesel "verde" e SAF na região de Villeta, Paraguai.
A Acelen anunciou no mês passado investimentos de R$ 12 bilhões nos próximos dez anos na produção de HVO e bioquerosene de aviação. O plano estratégico da Petrobras em vigor (2023-2027) prevê a realização de investimentos que totalizam US$ 78 bilhões, sendo US$ 600 milhões em iniciativas para também produzir diesel “verde” e bioquerosene de aviação.
O setor aguarda com atenção as novidades regulatórias prometidas pelo governo. Gardemann, da Geo, afirma que dois pontos são considerados mais importantes. “É preciso definir a porcentagem de mistura de SAF nos tanques dos aviões e deixar as rotas abertas, ou seja, não limitar a autorização de produção do bioquerosene de aviação aos três processos (FK, HVO e ATJ), pois podem surgir outros”, diz. “O importante é dar espaço para soluções que desacarbonizem com menor custo e facilitem a exportação.”