CANNES - A vida de Justine Triet nunca mais será a mesma depois da conquista da Palma de Ouro na noite de sábado, 27 de maio, no palco do Grand Théâtre Lumière. Mesmo que seu filme “Anatomie d’une Chute” não seja um sucesso de bilheteria, a cineasta francesa de 44 anos começa agora a conhecer o poder da estatueta assinada pela joalheria suíça Chopard – uma palma em ouro maciço de 18 quilates, colada à uma peça de cristal.

A Palma costuma conduzir a carreira de um cineasta a um patamar superior, abrindo indiscutivelmente muitas portas no mercado para os seus próximos trabalhos. Isso acontece mesmo que o peso do prêmio nem sempre seja refletido em números. Pelo menos não diretamente na renda do filme premiado.

O vencedor anterior do troféu, “Triângulo da Tristeza” (2022), do cineasta sueco Ruben Östlund (presidente do júri de Cannes este ano), faturou mundialmente US$ 25,6 milhões. O valor é relativamente baixo para um filme de arte que custou US$ 15,6 milhões (mas a pandemia certamente influenciou negativamente a sua performance nos cinemas).

Nos últimos anos, o exemplo mais bem-sucedido do ponto de vista comercial foi o de “Parasita’’ (2019), do sul-coreano Bong Joon-ho. Após arrebatar a Palma, a comédia de humor negro ganhou tanta visibilidade que acabou levando o Oscar de melhor filme. E os troféus recebidos na França e nos EUA contribuíram diretamente para a bilheteria mundial de mais de US$ 263 milhões (extremamente lucrativa para um título produzido por US$ 15,5 milhões).

Ainda assim, a Palma não tem necessariamente essa função, por não ser uma premiação voltada à indústria, como é o caso do Oscar. Seu foco cai no segmento de “cinema de autor”, que valoriza mais a personalidade artística de quem o faz, independentemente de seu potencial para fazer dinheiro nas salas.

“Mesmo no que se refere à ajuda pública ao cinema (na França), já existe um espírito de rentabilização, o que favorece os filmes maiores e não o setor independente, que é mais criativo”, afirmou Justine Triet, defendendo o que Cannes representa, no encontro com a imprensa, após receber a Palma.

filme “Anatomie d’une Chute” cannes
Cena do filme “Anatomie d’une Chute”, vencedor da Palma de Ouro 2023

Ela é a terceira mulher a alcançar o reconhecimento máximo no maior festival de cinema do mundo. A primeira foi a neozelandesa Jane Campion, premiada por “O Piano”, em 1993, seguida da francesa Julia Ducournau, consagrada com Titane”, em 2021.

Com lançamento marcado para 23 de agosto na França (ainda sem data para estrear no Brasil), “Anatomie d’une Chute” impressiona ao dissecar um casamento, da maneira mais crua possível. O recorte usado aqui é o julgamento de uma escritora (vivida por Sandra Hüller) que tenta provar a sua inocência, diante da acusação de ter matado o marido.

Ao explicar por que o júri elegeu o trabalho de Triet como o melhor desta 76ª edição de Cannes, Östlund disse aos jornalistas que “o filme criou uma experiência coletiva’’. “O vencedor da Palma de Ouro é sempre uma experiência intensa. É o que o cinema deveria ser”, comentou o diretor, que conhece bem o peso de uma Palma.

Antes de “Triângulo da Tristeza”, realizado com US$ 15,6 milhões para satirizar a superficialidade dos ricos, Östlund já tinha levado uma Palma por seu filme anterior. Premiado em 2017, pela crítica ao mundo de arte moderna, “The Square - A Arte da Discórdia” foi realizado com apenas US$ 5,5 milhões. Ou seja, menos de 30% do orçamento que o filme posterior à Palma conseguiu.

Efeito Palma de Ouro

A visibilidade conquistada com a primeira Palma foi o que permitiu que Östlund atraísse mais investidores para o trabalho seguinte. “Triângulo” até foi rodado em inglês e contou com a presença de um ator hollywoodiano no elenco, Woody Harrelson, o que sempre ajuda no desempenho da produção no mercado internacional.

O mesmo aconteceu com Bong Joon-ho, com filme atualmente em pós-produção. Após a Palma por “Parasita”, ele dirigiu “Mickey 17”, uma superprodução de ficção científica dos estúdios Warner Bros., estrelada por Robert Pattinson, projetado mundialmente com a saga “Crepúsculo”. O novo filme está previsto para estrear no ano que vem.

“Ouvimos falar mais do simbolismo da Palma, por ser o que os cineastas tanto aspiram”, contou a cineasta francesa Julia Ducournau, ganhadora da estatueta por “Titane”. “Mas o prêmio representa uma mudança colossal para o diretor, por ter uma importância enorme no seu próximo projeto”, completou a cineasta, em Cannes, onde este ano ela fez parte do júri presidido por Östlund.

Como Ducournau ainda está trabalhando em seu novo roteiro, ela prefere não dar ainda detalhes. Mas há chances de ser uma produção falada em inglês, já que ela tem passado longas temporadas nos EUA. De todas as propostas que recebeu nos últimos tempos, Ducournau aceitou dirigir para a Apple TV+ alguns episódios da série ainda inédita “The New Look’’, com Ben Mendelsohn na pele de Christian Dior e Juliette Binoche vivendo Coco Chanel. A produção é rodada em Paris, mas falada em inglês.

“Como sou um diretor europeu, para mim a Palma de Ouro é o maior prêmio de cinema do mundo”, afirmou Östlund. Depois que o seu “Triângulo” conquistou a Palma no luxuoso balneário da Côte D'Azur, ele foi reconhecido também em Hollywood, concorrendo este ano ao Oscar de melhor roteiro original e de melhor diretor com o filme. E nesta última categoria, disputando com Steven Spielberg, entre outros nomes.

“Obviamente, o Oscar tem um impacto muito maior sobre o público. Ainda assim, eu fico com a Palma. Prefiro ganhar mais uma (que seria a terceira de sua carreira) do que um Oscar”, disse ele, arrancando risadas dos jornalistas.