Parada obrigatória para muitos turistas que visitam Paris, inclusive brasileiros, o centenário café Les Deux Magots, no bairro de Saint-Germain-Près, ponto de encontro ao longo de décadas de grandes escritores e artistas como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Pablo Picasso, vai abrir em breve uma unidade em São Paulo, na rua Colômbia, nos Jardins.
A inauguração no Brasil, prevista em julho/agosto, faz parte de uma recente estratégia de internacionalização da empresa francesa, após um primeiro passo, há mais de 30 anos, no Japão, onde até hoje existe um estabelecimento da marca. Em 2023, São Paulo será a segunda cidade no mundo, após Riad, na Arábia Saudita, a ter um Les Deux Magots.
A forte participação dos brasileiros nas redes sociais do café/restaurante parisiense (o Brasil é um dos países mais ativos, ao lado dos Estados Unidos) incitou a direção do Les Deux Magots a ter um espaço no Brasil.
“Procuramos nos desenvolver nos países que apreciam nossa marca. A clientela brasileira que frequenta o bairro de Saint-Germain-des-Près e também o Les Deux Magots é importante e nossos dois países têm laços de amizade”, disse ao NeoFeed a presidente do Les Deux Magots, Catherine Mathivat, quarta geração da família proprietária.
Local mítico de Paris, onde foram lançadas as bases do movimento surrealista e que já teve entre seus frequentadores assíduos escritores como Ernest Hemingway e Jorge Luis Borges ou ainda o cantor Jim Morrisson, do The Doors, o Les Deux Magots é provavelmente o único café da capital francesa que pertence à mesma família há mais de um século.
A saga começou em 1914 quando o bisavô de Catherine Mathivat, Auguste Boulay, que trabalhava como garçom na região popular da estação de trem Gare du Nord, comprou o bar falido que existia anteriormente, onde célebres poetas franceses se reuniam para beber absinto e licores coloridos, situado ao lado da igreja de Saint-Germain-des-Près, com seu campanário de mais de mil anos.
Boulay manteve o nome Les Deux Magots, que era inicialmente o de uma loja de lingeries de seda chinesa que funcionou ali em 1873 por quase uma década, antes de virar o bar quebrado de mesmo nome comprado por ele. Por isso existem até hoje as duas estátuas asiáticas (magots são mandarins) no alto do pilar central e que fazem parte da decoração do local.
Além do café parisiense, o que inclui uma linha de produtos derivados vendidos online, a família Mathivat (sobrenome do farmacêutico que se casou com a filha de Auguste Boulay) possui um hotel três estrelas a poucos metros do Les Deux Magots.
A unidade em São Paulo, que terá cerca de 300 metros quadrados, é um estabelecimento independente. O Les Deux Magots fez um contrato de uso de licença da marca, algo mais flexível do que uma franquia, afirmou ao NeoFeed, Jacques Vergnaud, diretor de desenvolvimento e da marca, responsável pelo processo de internacionalização da empresa francesa. Inicialmente, o Les Deux Magots receberá 75 mil euros (pouco mais de R$ 400 mil) pela utilização de seu nome no Brasil, segundo ele.
O café paulistano terá uma decoração inspirada nos moldes do Les Deux Magots de Paris, mas com uma “tropicalização” que inclui coqueiros, disse ao NeoFeed Frédéric Renaut, sócio da empresa brasileira que obteve a licença para utilizar a marca francesa no Brasil.
“A ideia é se aproximar ao máximo do estilo do Les Deux Magots de Paris, que tem mesas de madeira acaju e estofamentos de couro vermelho. As famosas estatuetas dos dois mandarins foram reproduzidas, conta Renaut, e louças e uniformes dos garçons também serão semelhantes.
Renaut, originário da região de Champagne, reside no Brasil desde 2004, onde vem atuando desde então no setor de restaurantes. Em 2019, ele comprou o bistrôt Venuto, no bairro dos Jardins, em São Paulo. O cardápio e os preços do Les Deux Magots paulistano ainda não foram definidos, mas o sócio afirma que o objetivo é permitir que uma boa parte dos brasileiros possa ter uma “experiência parisiense”.
Alguns itens emblemáticos do menu francês, como o chocolate quente e o steak tartare (carne crua misturada com vários condimentos e servida com uma gema de ovo também crua) deverão ser servidos no Brasil.
A ideia não é fazer um “copiar-colar” do café parisiense, diz Vergnaud, diretor do Les Deux Magots na França. A empresa prevê ter apenas um “flagship” por país “para manter o aspecto exclusivo da marca”, afirma. “Cada lugar deve ser único, excepcional e ter, ao mesmo tempo, alguns elementos da nossa identidade.”
Segundo ele, o Les Deux Magots - que tem uma receita bruta de 15 milhões de euros por ano e emprega 100 pessoas - prevê abrir, até 2030, de 10 a 15 cafés/restaurantes em grandes cidades ou capitais mundiais. Após Riad e São Paulo, as próximas inaugurações deverão ser nos Estados Unidos, Mônaco, Dubai e “talvez, um dia, na China, como uma alusão às estátuas do Deux Magots, que são mandarins.”
O café paulistano também deverá integrar dois elementos que fazem parte da identidade do Les Deux Magots em Paris e do bairro de Saint-Germain-des-Près: o jazz, com inúmeros clubes que surgiram após a Segunda Guerra, e a literatura.
Desde 1933 o Les Deux Magots começou a ter um papel importante na vida cultural parisiense, com a criação do prêmio literário que leva seu nome e que existe até hoje.
Foi ali que Simone de Beauvoir escreveu parte de sua obra “Os mandarins”, que ganhou em 1954 o Goncourt, a maior recompensa da literatura francesa.
“Nós consideramos ter um prêmio literário em São Paulo”, afirma Renaut, acrescentando que o jazz fará certamente parte da programação musical, como já ocorre em Paris.
No final de maio, além de lançar um novo site, o Les Deux Magots mudou sua identidade visual com um novo logo. O famoso toldo verde de sua fachada foi substituído por um tom mais escuro e o terraço ganhou móveis novos. É o que a empresa chama de “evolução sem revolução”, uma “ponta de modernidade na tradição. ”O café paulistano faz parte do início dessa nova estratégia.