A França lançou as comemorações do centenário da morte do engenheiro Gustave Eiffel, famoso mundialmente por conta da célebre torre parisiense que leva seu nome, construída para a Exposição Universal de 1889. Diversos eventos em Paris homenageiam o “mágico do ferro”, como era chamado.
A exposição na Cidade de Arquitetura e do Patrimônio, situada no Palácio de Chaillot, na praça do Trocadéro, bem em frente à obra-prima de Eiffel, apresenta aspectos de sua carreira e seus outros inúmeros projetos, vários deles em Paris, geralmente pouco conhecidos pelo público, e também internacionais.
A mostra, que fica em cartaz até 9 de janeiro de 2024, tem o charme de ser percorrida o tempo todo com uma vista panorâmica para o monumento de Eiffel, situado do outro lado do Sena. Símbolo da França, a torre mais fotografada do planeta foi construída em apenas 26 meses como algo provisório.
Durante 42 anos, ela foi a mais alta do mundo, com 300 metros. O recorde foi perdido em 1931 para o Chrysler Building em Nova York (hoje são 330 metros, a expansão é devida a antenas de rádio e TV e outras instalações).
A exposição “Paris de Gustave Eiffel” mostra como o engenheiro nascido em 1832 em Dijon teve um papel importante nos avanços arquitetônicos, tecnológicos e industriais do século 19. Ele foi um elemento motor do desenvolvimento da metalurgia no período, marcado também pela plena expansão do transporte ferroviário, que impulsionou a construção de pontes e de estações de trem.
A mostra reúne fotografias, maquetes, desenhos, objetos, como sua mesa de desenho, e telas interativas que mostram as realizações de Eiffel, sua vida parisiense e suas contribuições para a modernidade da capital francesa que estava em plena transformação na segunda metade do século 19.
Na época, o barão Georges Haussmann construiu largas avenidas em Paris e inúmeros prédios, que deram à cidade ainda com ares medievais um novo urbanismo.
A “dama de ferro”, como os franceses chamam a torre Eiffel, ocultou os demais projetos de Eiffel em Paris e em outras cidades. Em cooperação com Charles Garnier, o arquiteto da Ópera de Paris, ele também construiu o Observatório de Nice.
Foi ainda Eiffel quem concebeu o “esqueleto” de aço da estátua da Liberdade, em Nova York, obra do escultor Bartholdi, um presente da França para simbolizar a amizade do país com os Estados Unidos.
Entre outros projetos internacionais, há a ponte Maria Pia, na cidade do Porto, em Portugal, e a estação de trem de Budapeste, na Hungria.
No total, Eiffel realizou mais de 500 obras em 30 países, em cinco continentes. Na América Latina, por exemplo, foram pontes no Peru, Colômbia e Bolívia, estruturas metálicas de igrejas e de usinas.
“O público conhece pouco Eiffel. Ele é associado somente à torre, mas seu papel como empreendedor, construtor, empresário e negociador é deixado de lado”, afirmou a curadora da exposição, Florence Allorent.
“Eiffel não foi apenas um grande engenheiro, um inventor de formas, entre elas a da torre que leva seu nome, sua obra-prima tão visível. Seu percurso associa sucesso técnico e comercial”, afirma o arquiteto e historiador Bertrand Lemoine, diretor de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França (CNRS, na sigla em francês) no artigo “A Empresa Eiffel” que integra o livro Empresas e Empreendedores da Construção e de Obras Públicas nos séculos 18 a 20.
Segundo Lemoine, Eiffel se mostrou um verdadeiro empresário, capaz de transformar suas concepções mais audaciosas em realidade, e foi um “homem de negócios dotado de garra e de ambição, bem-informado e que sabia assumir riscos em um contexto econômico particularmente favorável, marcado pelo desenvolvimento do sistema ferroviário e da metalurgia.”
A primeira grande obra de Eiffel, que ele dirigiu com apenas 26 anos, foi a ponte ferroviária de Bordeaux, no sudoeste da França, uma proeza técnica por conta da largura do rio, que o permitiu testar uma série de inovações, como as fundações em tubulação a ar comprimido, que se tornaram sua especialidade.
Com os primeiros projetos bem-sucedidos, ele decidiu criar sua própria empresa, com apenas 34 anos e uma experiência já sólida, a Gustave Eiffel e Companhia, nos arredores de Paris, que depois mudou seu nome para Companhia dos Estabelecimentos Eiffel.
O estudo da criação e desenvolvimento de sua empresa mostra, afirma o pesquisador Lemoine, que o sucesso ocorreu com a conjunção de diferentes fatores: inovação técnica, sobretudo dos métodos de construção, controle dos custos de fabricação e da qualidade dos produtos, produção otimizada, engenheiros brilhantes que ele soube achar e contratar, o carisma do fundador e seu senso apurado como gestor.
“Seu tino aguçado para as relações comerciais e para a publicidade, que ele focalizou nele próprio e em seu nome, também contribuiu para o sucesso de sua empresa”, diz o historiador.
A exposição na Cidade da Arquitetura de Paris permite descobrir que em vários bairros da capital francesa há projetos com estruturas metálicas criadas por Eiffel pouco conhecidos pelos próprios moradores da cidade.
Vão desde locais religiosos como a sinagoga da rue des Tournelles, no Marais, e a igreja Notre-Dame-des Champs, a escolas, ou ainda a imponente sede do banco Crédit Lyonnais e locais bastante frequentados como a loja de departamentos Le Bon Marché e o palácio Galliera, que se tornou o Museu da Moda.
Há até um cabaré, o Paradis Latin, tombado pelo patrimônio histórico francês, inaugurado em 1889, no mesmo ano da torre Eiffel.
Uma parte do evento é dedicada às exposições universais parisienses, que foram fundamentais em sua carreira. A mostra também destaca a importância das pesquisas científicas realizadas por Eiffel.
Ele dedicou mais de 30 anos de sua vida às áreas da aerodinâmica, radiotelegrafia e meteorologia (em1889 ele construiu um observatório meteorológico no alto da torre).
Seus estudos em relação ao impacto do vento sobre a estrutura de ferro do monumento foram depois aprofundados em um laboratório criado por ele e utilizados em diversos campos, como a aeronáutica, construção, indústria naval e automotiva e centrais termoelétricas.
Eiffel deixou sua empresa após ter ficado profundamente abalado com o envolvimento de seu nome no escândalo financeiro do canal do Panamá, projeto para o qual foi contratado para construir eclusas.
Totalmente inocentado pela Justiça francesa depois de uma condenação inicial, ele preferiu abandonar o mundo dos negócios aos 61 anos, solicitando que seu nome fosse retirado da companhia. Ele passou as últimas décadas de sua vida (ele faleceu aos 91 anos) envolvido com pesquisas científicas.
No centenário de sua morte não poderia faltar, claro, uma exposição no próprio monumento que o tornou célebre mundialmente. Na esplanada da torre Eiffel, a mostra “Eiffel, cada vez mais alto”, em cartaz até 31 de dezembro, apresenta painéis com fotos de arquivos da família, algumas delas jamais mostradas ao público, que contam a história da construção da torre e o longo combate do engenheiro para conseguir validar seu projeto, que recebeu na época críticas ferozes de adversários que afirmavam que a estrutura iria desfigurar a paisagem de Paris.
O museu d’Orsay optou por focar nas pontes construídas pelo engenheiro na exposição “Gustave Eiffel, construtor de pontes”, que começa em 28 de outubro, relembrando na mostra que antes de realizar a torre Eiffel, ele havia aperfeiçoado suas técnicas em relação à arquitetura metálica construindo pontes.
Foi nesse campo que ele começou a ganhar notoriedade, com a passarela ferroviária de Bordeaux e o viaduto de Gabarit ou ainda a ponte Maria Pia sobre o Douro.
A torre, vitrine de Paris, símbolo da França no mundo, que pertence à prefeitura da capital, recebe anualmente cerca de 7 milhões de visitantes.
É difícil hoje pensar que ela poderia ter sido destruída já no ano seguinte à sua construção: na Exposição Universal de 1990 foi lançado um concurso que dava liberdade aos candidatos para modificar ou até destruir a torre, substituindo-a por outro monumento. Nenhum dos projetos vingou, felizmente para muitos parisienses e turistas.