Pense em Paris sem a Torre Eiffel. Pense na França, na Europa, no mundo. Pense na humanidade sem o monumento que recebe 6 milhões de visitantes por ano, à frente do Empire State Building, de Nova York, que atrai 4,5 milhões e lhe roubou o título de edifício mais alto do mundo em 1931. Pois é, em 2024, ano de Olimpíada na capital francesa, a chamada "Dama de Ferro" completa 135 anos.

Para marcar os dois eventos , um grande projeto de renovação foi concluído em 2023. A expectativa é a de que passem pelo monumento, entre julho e dezembro,  7,4 milhões de pessoas.

Nem sempre, porém, os franceses se orgulharam da torre. Durante sua realização, entre 1887 e 1889, os responsáveis pela obra foram massacrados pelos parisienses. Em 1886, Léopold Hardy, arquiteto das Exposições Universais de 1867 e 1878, classificou a construção como “perigosa”, em La Revue de l'architecture et des travaux publics.

E justificou: “Suponhamos que tenha sido perfeitamente estudada, e mesmo adornada com o sopro artístico que lhe falta, ela esmagará tudo a seu redor e correrá o risco de estragar a silhueta de Paris, tão bonita com o domo dos Invalides ao fundo". Pérfido, ele finge se perguntar: "Passaremos uma elevada impressão de nossa razão gastando dinheiro e fazendo esforços inauditos por uma inutilidade?".

A contestação chegou ao auge em 14 de fevereiro de 1887, com o Protesto dos artistas, publicado no jornal Le Temps, assinado por grandes escritores, para impedir o início das obras da “inútil e monstruosa Torre Eiffel". E descrevia a odiada construção como “vertiginosamente ridícula, dominando Paris como uma gigantesca chaminé de fábrica”.

Depois de tamanha onda de protestos e insultos, poderia se acreditar que o empresário e engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923) e o arquiteto Stephen Sauvestre (1847-1919) nunca mais se recuperariam. Mas aconteceu o contrário.

Uma vez concluída, a Torre Eiffel conquistou imediatamente a aprovação de toda a imprensa francesa e a adesão do grande público, que acorreu em massa para visitá-la.

Inaugurada em 15 de maio de 1889, era até então a torre mais alta já construída pelo homem, com 330 metros de altura. Deveria ser também a estrela da Exposição Universal que celebrou o centenário da Revolução Francesa — no início, decidiu-se que seria “desmontada” dois anos depois. Até se tornar um das grandes façanhas da arquitetura moderna.

É o que mostra François Vey no fascinante Torre Eiffel — Verdades e Lendas. No livro recém-lançado no Brasil pela L&PM, o autor conta nos mínimos detalhes e em uma narrativa cheia de surpresas e reviravoltas como o empresário e engenheiro Gustave Eiffel se cercou de talentos geniais e enfrentou ataques de colegas, bombardeio de políticos e da imprensa para erguer o monumento em apenas, pasmem, 26 meses.

Apesar dos protestos contra a construção, o empresário e engenheiro Gustave Eiffel tinha certeza de que estava colocando de pé um projeto revolucionário (Foto: Divulgação/L&PM)

O monumento foi inaugurado em 15 de maio de 1889, menos de dois anos e meio depois do início das obras. A imagem mostra a torre em 1888 (Foto: Divulgação/L&PM)

Em 1887, um grupo de artistas assinou um manifesto, no jornal "Le Temps", contra a construção da “inútil e monstruosa Torre Eiffel", acompanhado por uma caricatura de seu idealizador (Reprodução wikimedia.org)

Em 1931, o Empire State Building, de Nova York, roubou da Torre Eiffel o título de edifício mais alto do mundo, mas não lhe roubou os turistas. O monumento francês recebe 6 milhões de visitantes por ano. O americano, 4,5 milhões

Vey desmente lendas fantasiosas, como a que conta que as laterais do monumento têm forma de um “A” para Eiffel declarar seu amor por uma certa Amélie. E que seus três andares não fazem referência aos graus da maçonaria (aprendiz, companheiro e mestre).

Muito menos que a torre teria inspirado a criação da meia-calça arrastão e a cinta-liga femininas — na realidade, tudo não passou de uma brincadeira do autor de quadrinhos Jacques Lob (1932-1990), na revista L'Echo des savanes.

É verdade, porém, que, inicialmente, a torre não foi concebida por Eiffel, mas seu jovem engenheiro franco-suíço Maurice Koechlin (1856-1946). Foi dele a ideia de erigir um pilar metálico na vertical com nada menos que 7 mil toneladas de ferro.

Para que estivesse pronta na abertura da Exposição Universal, a torre custou o equivalente hoje a € 300 milhões. Apelidado de "o homem dos cálculos", Koechlin não se contentou em propor uma monumento que lembrasse uma ponte pênsil colocada na vertical. Ele realizou uma série de estudos de viabilidade e desafiou todas as normas, regras e dogmas da profissão àquela época.

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Com 208 páginas, o custa R$ 49,90 (Foto: Divulgação/L&PM)

Engenheiros do mundo todo sonhavam em construir uma torre capaz de ultrapassar 304 metros de altura. Entre os vários problemas a serem resolvidos, estava a resistência ao ar — ¬assunto que fascinava Eiffel. Ele e Koechlin criaram uma forma de calcular a resistência dos materiais ao vento.

Eiffel, então, tomou para si o prodigioso projeto de uma torre três vezes mais alta do que a catedral de Chartres (113 metros) e a flecha dos Invalides (105 metros). Em 12 de dezembro de 1884, ele assinou um contrato com Koechlin e Emile Nouguier, pelo qual adquiriu com exclusividade os direitos sobre a patente.

A título de compensação, os dois colaboradores de Eiffel receberiam 1% do custo de construção depois de concluída, ou seja, € 80 mil francos à época — cerca de € 320 mil, hoje. Além disso, Eiffel se comprometeu a mencionar seus nomes em todas as declarações sobre o monumento.

Aos 52 anos, o construtor estava convencido de ter em mãos um projeto revolucionário. A partir de então, lançou-se de corpo e alma em defesa da construção, especialmente porque tinha certeza de que a obra seria batizada com seu nome.

Todos os recursos e conhecimentos de sua empresa precisaram ser mobilizados: 325 pessoas, entre engenheiros, técnicos, mestres de obras, mas principalmente contramestres e operários.

O gigantesco canteiro de obras emanava uma tranquilidade semelhante à dos grandes viadutos construídos pela empresa Eiffel, na França e outros países europeus.

Os observadores ficavam impressionados com a habilidade de todos, fundamentada em técnicas de pré-fabricação e montagem que as oficinas, localizadas em Levallois-Perret, subúrbio oeste de Paris, executavam à perfeição graças à experiência adquirida ao longo de várias décadas.

A obra teve início em 26 de janeiro de 1887. No sábado, 30 de março de 1889, a marca de trezentos metros foi alcançada.

No dia seguinte, Eiffel organizou uma "festa íntima das obras", para a qual foram convidados 200 operários, contramestres e engenheiros.

Como os elevadores ainda não estavam funcionando, eles subiram 1.710 degraus. Uma medalha os aguardava para celebrar o feito. Mais um para a coleção.

Personagem singular, Eiffel se empenhou, depois do triunfo de 1889, em preservar sua própria lenda. Chegou a escrever a história do monumento e, mais tarde, uma autobiografia.

Ele queria se redimir, depois da condenação a dois anos de prisão por abuso de confiança e fraude no escândalo do Panamá — o esforço francês para construir, em 1887, um canal no istmo que liga a América do Sul à do Norte. O que Eiffel queria sobretudo era preparar seu legado, que continua mais vivo do que nunca.